segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

FELIZ 2012 
Ou feliz ano velho...
MILTON MACIEL
Desejo sinceramente que você tenha sido feliz em 2012. Claro, não total, absoluta e indecentemente feliz, porque isso é fundamentalmente impossível. Mas desejo que você tenha sido feliz o suficiente para não ter que estar colocando saídas maníacas para 2013.

Claro que você vai dar e receber votos de “Feliz e Próspero Ano Novo.” É de praxe, eu vou fazer o mesmo também. Você vê que o pessoal carrega pra valer  no “próspero”, fica todo mundo ansiando por mais ‘argent’. Afinal, quem já não está com a corda no pescoço, conta com esse novo “próspero” para poder se endividar mais em 2013.

Claro, se você tem mais de 15 anos e já consegue fazer uma retrospectiva dos outros “Feliz e Próspero” que viveu, você já sabe o que vai acontecer em 2013. Ou seja, a continuação de 2012, exatamente do jeitinho que você deixou. Normalmente o que a gente tem maior probabilidade de ganhar com a celebração do Ano Novo são alguns bons abraços, e alguns maus quilos. Ora, isso tudo é fácil de perder depois, inclusive alguns dos abraços, aqueles que a gente não estava fazendo muita questão de receber. É também tem disso, é humano...

Mas, voltando à linha de raciocínio desta mensagem, o que eu lhe desejo, meu amigo(a) ou não, meu conhecido(a) ou não, é que você tenha sido feliz em 2012. Ou seja, que tirando uma média, passando a régua embaixo no último dia do ano, você tenha tido mais o que comemorar, mais o que agradecer, do que lamentar; e se arrepender. Desejo que você tenha crescido em maturidade psicológica e espiritual (o sal e o néctar da vida), a ponto de saber separar o joio do trigo (ou seja, não ficar só culpando os outros!) e que, ao fazer seu balanço final e chegar ao seu inventário de lucros e perdas, você tenha de fato um honesto saldo positivo.

Porque isso é simplesmente um sinal que você está ACERTANDO MUITO MAIS DO QUE ERRANDO. Ou seja, você só tem que dar continuidade ao que faz e à sua maneira de fazê-lo. Isso vai tornar você melhor (aos poucos, a gente sabe) e vai atrair, como conseqüência, o melhor para você. E aí você pode ter certeza que não irá precisar de saídas maníacas, de pequenos ou grandes rituais, de forças fantásticas que ponham ou disponham de sua vida. Não, você está fazendo a coisa certa e sabe que pode fazer melhor ainda. É seguir fazendo!

Então vá lá, seja você mesmo, faça de 2013 a continuação natural de 2012 (até porque não há outra realidade!) e continue acertando mais do que errando, ficando melhor para você mesmo, para os seus e para a humanidade. Aí você não vai precisar de milagres. Porque VOCÊ já é o milagre!

Desejo que você tenha tido um feliz 2012. E confio em sua capacidade de continuar construindo o melhor, ao longo dos doze meses seguintes do nosso calendário gregoriano.

Vá lá! Viva e proporcione momentos felizes. Comemore. Bebemore, se você é do tipo (mas, nesse caso, é melhor não pular sete ondas, pois na última pode faltar salva-vidas). E abrace. E deixe-se abraçar. E diga aquelas mesmas coisas de sempre. Até porque, para algumas das pessoas, você está desejando isso realmente e com sinceridade.

Pena que só o seu desejo seja pouco para dar a essas poucas “algumas das pessoas” o que elas precisam construir por esforço próprio – com o dispêndio inescapável do líquido mais sagrado que temos, o suor da testa, o suor do trabalho. Do trabalho externo do mundo, do trabalho interno da autotransformação.  (MM)

A SORTE GRANDE  
MILTON  MACIEL  
(Dedicado aos ganhadores da Mega da Virada) 

– Pois é, esta aconteceu com o Conrado, meu primo, que você conhece.
– O marido da Yvone?
– Esse mesmo. Você conhece a mulher dele?
– Quem não conhece? Bom, me desculpe, ele é seu primo, mas... Que mulher gostosa que ele tem! Que coisa mais linda!
– Não tem nada que se desculpar. Eu, que sou primo, também acho! Ela é linda demais! Mas não é só isso. Você precisa ver o caráter dessa mulher. É coisa muito séria, amigo. Se o Conrado hoje está bem de vida, agradeça a ela, que tem pulso firme nos negócios. Mas isso é outro assunto, eu estou querendo contar é a experiência paranormal do Conrado.

– Paranormal? Puxa, eu gosto disso. Como foi?
– Foi coisa de uns 9 anos atrás.. O Conrado estava dormindo, era ainda estudante de administração. De repente ele acordou sentindo um nítido puxão no pé. E aí levou o maior susto da vida dele. Ao pé da cama estava o Tio Cirilo, o falecido irmão do pai dele e do meu pai. Ele sorria para o Conrado e lhe mostrava um livro bem velho que ele tinha na mão. O nome do autor era Guerra Junqueiro, o do livro não dava para ver.
– Um Morto! Papagaio, eu saia correndo, acho que aos berros.
– É, mas o Conrado agüentou firme. Começa que ele é meio lento pra reagir a qualquer coisa. E depois, ele ficou foi contente, porque a gente adorava o Tio Cirilo.  Então ele não teve medo e chegou a sentar na cama pra puxar conversa. Mas o tio só apontou para a estante de livros da sala, bem pra parte de cima, e logo desapareceu.  Aí o Conrado achou que era um sonho, que ele estava fazendo era confusão e se espichou pra dormir de novo. Horas depois, quando ele acordou, lembrou imediatamente do sonho e foi até à sala ver a estante. Pois não é que, na prateleira de cima, onde havia vários livros velhos que foram do papai e do tio Cirilo, ele encontra o tal livro do Guerra Junqueiro!
– Caramba, mas que sonho mais estranho!
– Pois isso não é nada. O Conrado conta que, quando ele pegou o livro, de dentro saltou um papel. Era um volante de loteria, de Mega Sena. O tio era um apostador inveterado, nunca ganhou nada, mas apostava toda semana. Pois o volante estava todo marcado! Aí o Conrado pirou. Na certa o tio tinha vindo mesmo, em espírito ou em sonho, dar a dica pro sobrinho. Na certa, aqueles eram os seis números que iam sair.

E o sorteio era naquela quarta-feira mesmo. Ele correu para a lotérica do bairro e fez uma aposta simples, não precisava gastar mais nada. E aí ele passou o resto da tarde e o começo da noite no maior nervosismo. Até que conseguiu saber do resultado.
– E ele ganhou?
– Que nada, não acertou nenhum número!
– Puxa, mas que coisa mais sem graça! De que adiantou essa palhaçada, então?
 – De que adiantou? Pois eu já lhe digo. A lotérica era num shopping, ficava aberta até às 10 da noite. O sorteio era às 8. Então ele ficou pelo shopping mesmo, agitado, tremendo, fazendo as contas do que ia comprar com o dinheiro. A toda hora ele ia à lotérica e infernizava a vida da mocinha que fez o jogo dele, para ver se já tinha o resultado do sorteio. Quando chegou e a moça mostrou pra ele, o Conrado começou a passar mal.

A moça o socorreu, abanou, trouxe copa d’água, até que ele conseguiu falar. Aí ele contou pra ela a história do sonho com o tio, da certeza que ia ganhar, da tremenda decepção que estava amargando. De repente não se agüentou mais e caiu num choro sentido. A mocinha ficou firme ali, tratando de acalmar o rapaz, até conseguir com que ele se conformasse.
– Pomba, que decepção, mesmo. Que sonho mais idiota! Tanta expectativa e no fim ele não ganhou nada! 
– Engano seu. Ele ganhou sim, ganhou a Sorte Grande naquela noite!
– Ué, mas, como assim, ganhou a Sorte Grande? Pois se você mesmo disse que ele não acertou nenhum número.
– Ah, mas você já vai entender. Sabe a mocinha que cuidou dele, que tinha 18 aninhos e estava fazendo bico pra ajudar a pagar a faculdade? Pois é, o nome dela era Yvone!
– A Yvone?!!!
– Pois é, ela mesma! E então? Ele ganhou ou não ganhou a Sorte Grande? Mas se segure, que agora vem o mais impressionante: Quando tudo já estava mais calmo, quando a lotérica fechou e a moça ia pegar condução pra casa, o Conrado quis retribuir a atenção dela e convidou-a para jantarem ali mesmo na Praça de Alimentação, disse que a levaria para casa de carro, que ele já tinha um Chevette velho meio descascado, mas que andava direitinho. Aí, enquanto esperavam que os pratos ficassem prontos, o Conrado lembrou que ainda tinha o volante do livro no bolso. Tirou e mostrou pra a moça. Aí foi ela que estranhou:
– Ué, você já sabia o meu nome, é? Você escreveu ele aqui, na parte de trás. Sua caneta está ruinzinha, está um pouco apagado, mas é meu nome.

E o Conrado levou o maior susto de novo! De fato, no anverso do volante estava gravado, com caneta de tinta roxa, bem grande: YVONE.  Pois sabe da maior? Acredite se quiser. Lá em casa só quem usava tinta roxa era o Tio Cirilo. E o Conrado não teve a menor dúvida em reconhecer aquela caligrafia tão sua conhecida: a letra era DO TIO! O resto você já sabe ou pode imaginar. Eles interpretaram aquilo como um sinal, não se largaram nunca mais. Hoje estão aí, formados, casados, com filhos. E o Conrado, graças ao Tio Cirilo, não importa saber de que jeito, naquela noite tirou a Sorte Grande!

domingo, 30 de dezembro de 2012


HOJE É DIA DE ANO NOVO? 
MILTON MACIEL 


Diz que hoje vai sê Ano Novo!
Bueno, isso só vale é pro povo,
Que habita lá na cidade.
Que aqui no campo a verdade
É bem outra, companhero.

Porque, aqui, o ano intero,
Bah, é todo ele igualito!
Inda mais se tu é solito
Pra enfrentá toda a lida.
Aqui, por toda tua vida,
Tu nunca vai tê feriado.

De madrugada, acordado,
Já tem que cuidá dos bicho;
Que eles já ta no bochico,
Que eles come todo dia!
Cuidá bem da bicharia
É coisa fundamental
Porque é bem do animal
Que vem o nosso sustento.

Além do que, tome tento,
O bicho tem seu direito
De ser tratado com jeito,
Respeito e admiração,
Pois é como nosso irmão.

Bueno, entonces o ano novo
Que diz que vai começar,
Não muda nada pro povo,
Que a vida vai continuar
Do mesmo jeito que era.

Seja outono ou primavera
Hay que seguir na peleia,
Pra ter a barriga cheia
E um colchão pra descansar.

É claro que hay que sonhar
Com ter uma china mimosa,
Bonita que nem uma rosa,
Boa amiga e companheira,
Ao teu lado, a vida inteira,
Pra respeitar,  proteger.
Porque ela ainda vai ser
A mãe dos filhos da gente.

Bueno, a vida segue em frente,
Tanto faz o ano que é!
É seguir, fronte serena,
Porque viver vale a pena.
Basta conservar a fé
Na sua própria vontade.

E ter a capacidade
De agir sempre com brandura,
Ser persistente e tenaz.
Por que a vida só é dura
Pra quem é mole, nomás!

sábado, 29 de dezembro de 2012

SILÊNCIO, POETA!
MILTON MACIEL

Silêncio, poeta... Calado!
Que mais você pode dizer
Que aqui já não esteja falado?

Ante a glória do amanhecer,
Temos só que agradecer.
Silêncio, vate... Ajoelhado!




PARA MIM, A PROFECIA FUNCIONOU
MILTON MACIEL

Pois é, para mim funcionou a profecia. Morri no dia 21 de Dezembro de 2012. O meu mundo, pelo menos, acabou. Uma bala perdida me encontrou. Ou, talvez, eu deva dizer que ela se encontrou graças a mim, ela é que estava perdida, não eu.

Antes eu não acreditava em bala perdida aqui no centro do Rio de Janeiro. No máximo era coisa de favela. Eu até ria quando ouvia o comentário que bala perdida era bobagem, que, como diziam, era coisa que entrava por um ouvido e saía pelo outro. Pois para mim foi exatamente desse jeito!

O que eu posso dizer é que num momento eu estava lépido e faceiro, indo pro botequim do Maneco, no Humaitá. No instante seguinte, vi uns doidos numa moto, dando cavalo-de-pau bem perto de mim, e aí começou uma fuzilaria danada. Aí tenho certeza que escutei algo e senti esse algo cutucar meu ouvido direito. Foi só isso.

Logo a seguir vi que eu estava de pé e que eu estava deitado. O cara deitado era eu, só que estava duro e morto, tive certeza na hora. E o cara de pé também era eu, só que esse eu tava legal, não sentia nada. Lembrei do troço no ouvido, passei a mão nos dois e nada. Tudo perfeito. Olhei em frente e vi que uma viatura da polícia vinha à toda. Os caras estavam atirando. Os da moto tinham feito meia-volta e passavam por mim nesse exato momento. Também estavam atirando.

Saquei na hora que eu tinha sido vítima de uma bala perdida. Mas... Quem é que tinha me matado?

Engraçado que aqui no, digamos, lado de fora, a gente ouve de um modo diferente. Saquei isso quando os caras da moto passaram por mim e eu pude ouvir a conversa deles até depois de eles sumirem de vista.

– Esse presunto aí no chão é seu, cumpadi? Aposto que é, porque tu atira mal pa caralho!

– Não enche, porra! E acelera mais que os meganha tá na cola. Entra no bequinho!

Aí a viatura, com quatro PMS, dois atirando nos da moto, passou à toda por mim. Mas eu ouvi o dialogo dos caras como se eu estivesse comodamente sentado dentro do veículo.

– Esse presunto aí no chão só pode ser teu, mermão. Tu é um bosta com esse revórve. Se atirá num  bandido na Urca, mata alguém no bondinho lá em cima.

– Vai se catá, Craudionor! Vai enchê o saco da tua mãe.

– Minha véia não tem saco, não é como a tua, que deve sê travecão.

Aí o tenente se queimou:

– Parem com isso e atirem direito, seus palhaços. Calem a boca! Olhem, os caras conseguiram entrar na viela. Tchau e bênção! Agora é que gente não pega mais eles, é estreito demais pra viatura. Vamos voltar. Vamos vistoriar o presunto.

Aí voltaram e pararam ao lado do meu eu que estava no chão. A rua continuava deserta, ninguém tinha vindo ver o que era o barulhão dos tiros e dos veículos cantando pneu.

Um dos soldados deu um chute no eu caído, desvirando-o. Fiquei uma fera e reclamei:

– Pô, mais jeito, seu animal. Isso machuca!

Mas machuca o que? Pois se eu não senti nada. O cara no chão já era, era um presunto mesmo. Estava de olhos abertos, com uma cara apalermada de quem teve uma surpresa. Puxa, eu não pensei que estivesse tão maltratado, ficando enrugado tão cedo. No espelho, eu via sempre algo melhor.

Então os PMS examinaram os meus bolsos, acharam minha carteira e minha identidade. Meu cartão do SUS também.

– Desafasta, nem perde tempo. Um durango, dez pau na carteira, uma moeda de um real! É tudo que esse miserável tem.

– É, o desgraçado morre e só serve pra dá prejuízo. Melhor deixar essa notinha aí mesmo, não paga a pena aliviar. E o infeliz ainda pode prejudicar nossa vida. Vai que a autopsia dá que a bala é de um de nós!

– Do dedo torto do Praxedes, o senhor quer dizer, tenente.

– Ah, vai a merda, Craudionor!   

O tenente então usou toda a sua calma e todo o seu treinamento, para orientar seus comandados:

– Ô, Praxedes, pega um revólver velho na viatura, um dos que a gente já preparou com quatro disparos, bota na mão desse cara. E vai dar uma boa olhada por aí, vê se tem alguém espiando de alguma janela, que possa cagüetar a gente depois. E vocês se afastem mais, pra não dar vestígio de pólvora, e, assim que o Praxedes fizer sinal que a barra tá limpa, encham esse sujeitinho de chumbo. Ele resistiu à prisão, deu cinco tiros na gente. Claro que antes você, Guedes, vai fazer um disparo com o revólver na mão dele, pra ficar resíduo de pólvora. Mira na viatura.

– Boa tenente! Assim eles nem perdem tempo na tal de autópsia, vão ter que contar uma porrada de bala!

– Claro, vocês sabem que vão nos acusar de qualquer jeito. Até que a bala pode ser dos bandidos, mas não vale a pena correr o risco. Tudo certo, Praxedes?  Cospe fogo então, turma!

E aí me mataram de novo! Fiquei indignado. Pô, eu que tinha dado um duro danado pra ser honesto a vida inteira, vivi sempre na maior pindaíba, não aceitei nem mesmo ser gigolô de velha rica, agora ia aparecer nos jornais como bandido!

Ainda bem que minha velha empacotou antes de mim, ia morrer de qualquer jeito amanhã, de vergonha. Sacanagem! Se esse troço funciona mesmo, não reencarno mais neste país!!!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012


SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE  
MILTON  MACIEL  

A partir de 1º. de Janeiro, publicaremos DIARIAMENTE em nosso blog uma série extraída de minha coluna jornalística CONSCIÊNCIA CÓSMICA. Inicialmente o tema será SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE, baseado em meu trabalho em inglês SLEEP, DREAMS AND SELF-CONTROL.

Mas não é apenas essa a novidade para o ano novo. Vamos ter também novas sessões, destacando alimentação, nutrição, dieta paleolítica, agroecologia, pesticidas, anti-consumismo, feminismo e o conceito junguiano de Sombra.

Obviamente, vamos manter o lado literário do blog, com ênfase em poesia, contos e crônicas. Manteremos também o humor e os textos e poesias gauchescos. E, com certeza, nossos políticos, em especial os depufedes e senafedes, não vão nos deixar em paz e vão nos obrigar a manter um pezinho na sátira política também.

A ilustração mostra a primeira postagem da série CONSCIÊNCIA CÓSMICA, que será reproduzida no blog no próximo dia primeiro, dando início à publicação da série SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE. 

AH, ESSA LUZ NO CAMINHO  
MILTON  MACIEL  


Ah, essa luz no caminho,
Essa alegria comigo!...
Ao lado, meu grande amigo:
Nunca me sinto sozinho.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012


TRILHAM TRILHOS OS TRENS  
MILTON  MACIEL  

Trilham trilhos os trens,
Tragando trajetos tramados,
Trafegam triviais traçados,
Trazendo tristes tragédias.

Transportam trôpegos traumas,
Tropeçam, travas trancadas,
Transitam trilhas travadas,
Truncados troncos tremendos.

Trasfegam trapos e tralhas,
Tremem tropeços transidos
Trasladam tristes traídos
Trastejam tronchos transbordos.

Traspassam tredas travagens
Transpõem tremedais traiçoeiros.
Tremulam, triunfam troantes.
Triunfam: são trens brasileiros!
NADA HÁ DE MAIS RESPEITÁVEL    
MILTON   MACIEL
MILTON  MACIEL  

SUPREMA EXPRESSÃO DA BELEZA   
MILTON  MACIEL 

Ó divinos criadores, arquitetos celestiais,
Eis o novo desafio, de dimensões colossais:
É mister que, hoje, criemos o canto de uma nação
E, para os seus habitantes, uma forma de expressão.

Seja uma forma falada das mais sutis melodias,
Que possa cantar, a um tempo, os amores e elegias.
Que tenha o sonido cavo do ribombo dos trovões,
Expresse o bramido das ondas, o ronco dos furacões.

Mas que possa, ao mesmo tempo, doces amores cantar,
E espalhe os suaves sussurros dos amantes ao luar.
Que ela traduza, dolente, mil sutis sonoridades,
Que vão do brilho dos céus até a escuridão do Hades.

Que abrigue em seio gentil as rimas mais primorosas
E que descreva, inebriante, cores e aromas de rosas.
Mas também saiba dizer, a mais que suaves dosséis,
O estrupidar violento dos cascos de mil corcéis.

Cante a vida delirante, com seus prazeres sensuais,
Mas grite também lamentos nos momentos mais fatais.
Que externe a alegria que encanta e a mágoa que corroe
E celebre, em triunfantes odes, os seus maiores heróis.

E ao chegarmos, no final, à extrema expressão da Beleza,
Chamaremos, então, a esta jóia, de LÍNGUA PORTUGUESA.
                                                                                                   (Quadro: O Menestrel, por Franz Hals)

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012


DOCE DIVÓRCIO    
MILTON  MACIEL 

As pernas estavam enfiadas até quase os joelhos dentro da água bem fria, que se escoava em suave corredeira. Delícia! Sim aquele era o SEU rio, o seu querido riacho de infância. Incontáveis vezes viera brincar ali com os meninos ou sozinho, naquele exato lugar, logo depois da curva grande.

Agora, ante o tumulto infernal que assolava sua cabeça, de repente lhe veio à memória o SEU rio. Largou tudo o que estava fazendo, dirigiu até o lugar certo. Aí tirou os sapatos e as meias, desceu descalço para a beira do riacho, arregaçou e dobrou as pernas das calças e ali estava ele!

Se bem que o que precisava é que aquela água quase gelada corresse ao redor da sua cabeça quente, não de seus pés frios. Estava há semanas naquele terrível dilema, cansara de considerar todos os prós e contras e não conseguia chegar a uma definição.

Continuar com Wanda? Seria respeitar o compromisso de um casamento de 22 anos, preservar a estabilidade doméstica para os dois filhos já moços, manter intacto o patrimônio. Mas seria também continuar suportando uma relação que já estava morta há anos, nenhum dos dois sentia qualquer atração pelo outro, toleravam-se civilizadamente, tanto que, há tempos, já nem brigavam mais.

Do outro lado estava Veruska. Quente, sensual, fogosa, linda, esguia, meiga, culta. E doze anos mais moça que Wanda. Esperando e pressionando pela definição. O caso deles já tinha dois anos e continuava de vento em popa. Sim, tinha que admitir, estava profundamente envolvido com Veruska. Ou seja, amava-a.

Mas não queria dar aquele desgosto a Wanda. Não queria que ela se visse trocada por uma mulher muito mais bonita e mais jovem. Wanda não merecia aquilo. Não ficaria abalada pela perda de um homem a quem claramente não amava mais. Mas havia o problema da vergonha social, era isso o que, ele tinha certeza, faria Wanda sofrer muito. E por causa desse sofrimento dela, vinha adiando uma decisão há meses.

Mas esta era a semana decisiva: Ou ela ou eu! Veruska lhe apresentara o ultimato na segunda-feira. Ele tinha mais um dia somente para optar. Conhecia Veruska o bastante, agora, para saber que não haveria uma segunda chance, por mais que ela viesse a sofrer. Acreditava que ela realmente o amasse, mas é evidente que estava cansada daquilo tudo. Ou ele sabia o que queria, ou não sabia e, nesse caso...

A água corria gélida entre suas pernas, a cabeça parecia que ia explodir. Abaixou-se colheu água entre as mãos, jogou-a sobre os cabelos, sentiu o frio reconfortante descer pelo seu rosto e pelo pescoço. E então decidiu!

Tirou do bolso da camisa o celular e ali mesmo, de pé dentro do seu riacho, ligou para o celular de Wanda. Foi lacônico:

– Olha, não dá mais. Vai ser melhor pra nós dois. O Dr. Carlos de Olivença vai me representar, o escritório dele vai te procurar. Estou pedindo o divórcio. Hoje já vou para um hotel. Acabou, Wanda, me perdoe.

Do outro lado, a voz de Wanda foi surpreendentemente tranqüila:

– É, a coisa vai mal, mesmo. Mas... Você tem certeza? Porque não vai existir uma segunda chance.

– Tenho, sim. Pensei muito. Pode ter certeza que eu não vou prejudicar você na partilha. Você sabe que o Carlos, além de meu advogado, é o meu melhor amigo. Vou dar instruções para ele cuidar bem de você, dos seus interesses.

– Bem, se você quer e tem certeza, então tá.

Calaram-se os celulares. O marido, dentro do seu riacho, sentiu uma imensa alegria. Tinha sido mais fácil do que imaginara, Wanda não iria sofrer tanto assim. Não resistiu e jogou-se por inteiro, de paletó e gravata, dentro do rio. Os documentos, o celular? Depois se dava um jeito. Hoje ele era apenas um menino feliz!

Pouco depois, do celular de Wanda partiu mais uma chamada:

– Olivença, Medeiros & Borba, Advogados Associados, boa tarde.

– O Dr. Carlos, por favor.

Instantes depois:

– Dr. Carlos de Olivença, às suas ordens.

– Amor! Deu certo, meu amor! ELE falou que vai pedir o divórcio. ELE! E vai pedir para VOCÊ cuidar de tudo. Que maravilha, resolve todos os nossos problemas, não é?

– Puxa, melhor impossível, querida! Vou tirar até as cuecas dele pra você. Aliás, nesse caso, pra nós. Pois hoje mesmo eu saio de casa também! Pobre da Manuela, vai levar um susto. Mas... é a vida. Se alguém vai sofrer, antes ela do que eu. E já faz dois anos que você e eu estamos nesta lengalenga, não é, meu anjo?

É, esse tal de Dr. Carlos confirma mesmo a velha frase: “Amigo é pra essas coisas!” 

terça-feira, 25 de dezembro de 2012


PRECE DE NATAL  
MILTON MACIEL  

I

Patrão Velho lá de cima,
Que mandas no firmamento,
Permite que eu te declare
Todo meu encantamento.
Eu, nesta noite, solito,
Sob o teu poncho de estrelas,
Olho encantado pra elas,
Puxa, que céu más bonito!
Eu me sinto mui pequeno,
Parado aqui no sereno,
Vendo essa grandiosidade,
Que é linda barbaridade!

Bueno, o pessoal da cidade
Celebra hoje o Natal.
Aqui a gente é bagual,
Não tem dessas festarias,
Às vez, lá pras rancharias,
Hay quem celebre. No entanto,
Aqui no meio do campo,
Só tenho por companhia
A minha fiel montaria,
Este bicho caborteiro
Meu único companheiro,
Que é meu cavalo tordilho.

Hoje é a festa do teu Filho.
Aceita, pois, meu Patrão,
Que aqui, desta imensidão,
Eu te faça, ainda que mal,
Esta prece de Natal,
Meio xucra, meio estranha
Deste guasca da campanha,
Que aqui na noite ajoelhado
Sobre este solo sagrado,
Berço heróico dos Farrapos,
Honra quem, envolto em trapos,
Nasceu pobre como eu
E como um pobre cresceu,
Pra ser exemplo pro povo.


II

Só que hoje hay um tempo novo
E algo novo errado hay,
Pois bem nas fuças do Pai
Exploram o nome do Filho
O povo... é que nem novilho.
Que, na mão do espertalhão,
Dá até o último tostão.
E eu mui espantado fico
Ao ver que o pobre, contrito,
Ajoelha em nome de Jesus,
Fazendo o sinal da cruz...
E dá seu dinheiro pro rico!

Até quando, Patrão meu,
Essa tropa de vagabundo,
Esse bando de fariseu,
Vai explorar todo mundo
Em nome do Filho teu?!


segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

UM MILAGRE DE NATAL  
MILTON MACIEL   

Nosso blog comemora hoje SEIS MESES de vida. Então temos aqui um presente de aniversário para nossas leitoras e nosso leitores, razão de ser de nossas postagens diárias. Muito obrigado pelo interesse de vocês, pela assiduidade de vocês. Participem, comentem. Hoje passamos dos 6700 acessos. 


Lita e Carmen Lúcia eram mãe e filha. Lita, a mãe;  43 e 18 anos. O marido e pai deixara as duas há mais de 10 anos. Nunca mais deu notícias. Viviam da mão para a boca, numa pobreza de Jó, numa minúscula casinha alugada na periferia. Lita costurava para pequenas confecções e ateliês, Carmen Lúcia arranjava as costuras, buscava os tecidos, levava as peças prontas, o resto do tempo ajudava a mãe. Eram sós no mundo, nenhum parente em São Paulo, nada.

Uma manhã, quando voltava para casa com tecidos, Carmen Lúcia viu um rapaz com uma mochila bem no fundo do ônibus quase vazio. Ele tentava esconder que chorava. Carmen Lúcia era boa demais para ver aquilo e não fazer nada. Foi sentar ao lado do moço. Ao poucos conseguiu extrair dele sua história. Otávio. Estudava, pagava seus estudos e a pensão, o dinheiro que ganhava como garçom não dava para tudo.Acabava de ser mandado embora da pensão. A faculdade era muito cara, mas ele disse que preferia viver na rua a parar os estudos.

Quando chegaram ao ponto mais próximo à casinha delas, Carmen Lúcia fez o jovem descer com ela e levou-o até à mãe. Naquele mesmo dia o rapaz começou a morar com elas. Ele estudava de manhã e de tarde, trabalhava à noite todos os dias, sem descanso algum. Elas também não tinham descanso. Um dia, cinco meses depois, o rapaz chegou radiante: tinha conseguido transferência para uma faculdade em outra cidade, onde teria bolsa de estudos integral. Despediu-se, escreveram-se umas poucas cartas e, meses depois, quando elas tiveram que mudar de casa, perderam todo o contato.

A custo, Carmen Lúcia completou o colegial. Depois, não pôde seguir os estudos. O trabalho era muito, a paga era pouca, entravam madrugadas adentro. O aluguel subiu muito, a paga diminuiu ainda mais, precisaram trabalhar ainda mais. Tiverem que mudar várias vezes de casa, sempre para mais longe. Os anos passando, Lita não agüentou.

Seu coração fraquejou, foi internada às pressas  em um hospital público distante. Carmen Lúcia ficou com todo o fardo sozinha. O dia tinha só 24 horas, ela dormia só 3. Mas conseguia ir levando a vida, com a mãe sempre internada. Precisava transplante, estava na fila, muita a necessidade de cirurgia, pouca a esperança de consegui-la. A morte também esperava e, na fila dela, Lita tinha uma posição muito mais próxima.

Carmen Lúcia só podia visitar a mãe uma vez por semana. Hospital muito longe, condução muito cara, mais caro ainda um dia quase inteiro sem trabalhar, sem ganhar. Sorriam-se as duas. Tentavam enganar uma à outra, como se pudessem ter esperança. Não tinham.

Um dia, era 24, véspera de Natal, a filha chegou e não encontrou a mãe na enfermaria. Entrou em pânico, mal conseguia respirar, o pior?!... Da última vez Lita estava tão fraca!...

Mas Lita estava viva. E estava na UTI. E estava bem, garantiu-lhe a enfermeira da UTI. E tinha um coração novo! Carmen Lúcia mal podia acreditar. Um milagre! Mas como? Milagres não acontecem com gente como elas, há muito desaprendera de acreditar neles.  Aí quis saber de tudo, a enfermeira chamou sua chefe, as duas tentaram explicar, em meio à excitação total da filha:

O hospital tinha mudanças importantes, um novo subdiretor assumira na semana passada, parece que vinha com as costas quentes, com mais poderes. Decidia as coisas muito rápido, arranjava recursos, remanejava todos os setores, um fenômeno!

– Veja o caso de sua mãe, por exemplo. Nem bem conversou com ela, o homem saiu da enfermaria feito um azougue, mandou fazer os preparativos para a cirurgia enquanto ele ia pessoalmente atrás de um coração. E, inacreditável, poucas horas depois tinha arranjado um. Sua mãe foi operada imediatamente. Por ele mesmo, que é cirurgião cardíaco. Ele vem várias vezes por dia ver a paciente. E agora que ela já pode, eles conversam e riem que nem velhos amigos, você não pode fazer idéia.

Carmen Lúcia recebeu permissão para entrar na UTI. Sua mãe não estava entubada. Estava recostada, podia falar normalmente. Recebeu a filha com um sorriso de júbilo. Carmen Lúcia se aproximou exultante, mas com medo de provocar uma emoção muito forte na mãe, tão violenta como a que estava sentindo.  Falou com cuidado, quase sussurrando:

– Mãe!... Mãe, um milagre, mãe! Um milagre...

– Foi ele, minha filha. Ele. Com a graça de Deus, ele me encontrou aqui, jogada naquela enfermaria. Foi ele, filha.

– Ele, quem, mãe? Ele quem?

Lita limitou-se a apontar o homem alto, de jaleco branco, que olhava sorridente da porta de entrada. O novo subdiretor, o cirurgião, o milagre!

Carmen Lúcia voltou-se para ver e, apesar da pequena barba loira, que era nova, o rosto lhe era extremamente familiar. Só conseguiu dizer:

– Sim, é ELE! É ele. Otávio!!!

O Dr. Otávio Magalhães continuava sorrindo, imóvel na porta, esparramando em cima de Carmen Lúcia um olhar enternecido. Sim, era ele, o moço do ônibus, o hóspede gratuito que dividira a miséria com elas por cinco longos meses.

Então o médico entrou, anunciou a Lita que amanhã ela deixaria a UTI, que iria para um quarto particular. Particular?! Mas quem iria pagar, se elas não podiam?

– Como, quem vai  pagar? Ora, já está tudo pago. Tudo isso e tudo o que ainda vier pela frente.

– Mas como? – quis saber Carmen Lúcia? Tudo pago, como?

– Tudo pago por cinco meses maravilhosos, os melhores da minha vida, que eu vivi na casa de vocês, filando a comida de vocês, recebendo a bondade de vocês. Eu, um completo estranho. Isso não tem preço, por mais que eu tente, nunca vou poder retribuir à altura.

– Ora, meu filho, que bobagem...

– Eu perdi o contato com vocês, quando consegui voltar aqui, depois de uns meses, vocês tinham se mudado. Procurei como um louco, mas nunca mais. E aí acontece essa coisa maravilhosa, de repente eu entro naquela enfermaria e o que vejo: o rosto da minha santa protetora. Isso sim é que é milagre.

Então ele avança alguns passos, estaca em frente a Carmen Lúcia, toma-lhe as mãos nas suas:

– E hoje o milagre está completo: além da minha santa protetora, aqui está o meu anjo salvador!

O médico retirou sua carteira do bolso, dela extraiu uma fotografia e uma mecha de cabelos loiros, entregou-as a moça.

– Aqui estão, roubei do seu álbum, não tive coragem de pedir. Cortei o cabelo quando você estava dormindo. Durante estes anos todos, isso me manteve sempre conectado com vocês. Você, Carmen Lúcia, não saiu um só dia do meu pensamento. Estou solteiro até hoje porque sempre tive a esperança de reencontrá-la.

Completou-se o milagre de Natal!

Casaram-se três meses depois. Hoje Carmen Lúcia está a três meses de concluir a faculdade de Psicologia. E Lita, que mora com eles, toma conta do casal de netos. Máquina de costura? Nunca mais. O doutor não quer saber... Diz que faz muito mal para pessoas santas.

O MELHOR DO NATAL MODERNO  
MILTON MACIEL  

Do Natal de hoje em dia,
Coisa mais maravilhosa:
No vinte e cinco terminam
As musiquinhas nas lojas.

Dois meses de Gingle Bells
E de harpa paraguaia!
Chegue logo, vinte e cinco,
Antes que a orelha me caia.

Pra você que é solteiro
E passa o Natal sozinho:
Caso beber não dirija,
Nem cante a mulher do vizinho.

Pra você que é casado,
Mas não tem filhos, rapaz:
Peça pro Papai Noel
Lhe ensinar como é que faz.

Pra você que tem amantes,
É muito presente pra dar!
Pois termine um pouco antes
Do Natal... pra economizar.


Pra você que tem crianças
Mas com os filhos não sai
Não pense que um bom presente
Limpa a barra de um mau pai.

Pra você que é pai ausente
Que não sabe dar carinho,
No futuro, o seu Natal
Será o de um velho sozinho.

Num Natal mercantilizado.
É bom recordar um exemplo:
Lembrar que o aniversariante
Quebrou o mercado do Templo.
E que era, esse mercadão,
O Shopping Center de então.

domingo, 23 de dezembro de 2012

FALECEU LEDO IVO - Escritor, jornalista, poeta
MILTON MACIEL


Seja feliz, Ledo Ivo,
Voe contente, poeta.
Para nós você foi assim: Qual um cometa,
Luziu, brilhou aqui, no seu passar festivo
E nos deixou milhares de fagulhas luminosas.
Poemas, textos, livros, mensagens primorosas
Deus lhe pague, poeta,
Voe feliz, Ledo Ivo!
 

Faleceu neste 23 de dezembro, em Sevilha, Espanha, onde estava com a família, o acadêmico Ledo Ivo, aos 88 anos de idade.  Vitimou-o um mal súbito quando estavam em um restaurante almoçando.

O REVERSO DO COMEÇO  
MILTON  MACIEL   

Miasmas fosforescentes assolam a madrugada:
Névoas, nuvens, sombras, formas, vultos, passos.
Medos, dores, pressentimentos, todos os cansaços,
Fantasmagóricas essências, o vazio, o fim, o Nada.

Desintegram-se as estrelas, os mundos estremecem,
Feixes de partículas: fótons, mésons, prótons, quarks.
Esboroa-se o universo: os derradeiros corpos darks,
E a energia incontrolável dos sistemas que fenecem.

Desfazem-se as essências, apagam-se as histórias,
Não sobram nem vestígios, nem rastros, nem memórias.
Contrai-se o grande Todo, que o Nada a tudo suga,

Encolhe-se o Universo, sobre si mesmo implode.
E o Homem vê que é o fim, que ele mais nada pode.
Que, então, para sua alma, não resta qualquer fuga.


sábado, 22 de dezembro de 2012


CONFISSÕES DO FIM DO MUNDO - 2a. Parte: ME FERREI!!!
MILTON  MACIEL
 
SIM! ME FERREI de verde e amarelo! Anteontem, acreditando piamente que o mundo ia acabar no 21 de Dezembro, eu publiquei, neste mesmo blog, as minhas Confissões do Fim do Mundo. Pois é, dancei! A droga do mundo não acabou. E agora, como eu fico?

Com as minhas ex-mulheres não tem problema. Elas já estavam comigo pelas tampas e já não falam comigo há muito tempo. Com a minha sogra, idem, idem. Com a minha ex-colega Altamira, a do pum no elevador, idem, idem. Aliás, ela me odeia. Pensando bem, acho que todas essas mulheres aí acima me odeiam. Claro que isso é apenas uma demonstração de intolerância e incompreensão por parte delas. Afinal, não era pra tanto.

Quanto à gorda da minha atual esposa, ela disse que amanhã mesmo entra com os papéis de divórcio. Uma boa, porque a sobrinha dela, a gostosa da Marilda, está contando com isso, porque espera poder casar comigo. Essa minha futura ex é uma tia desalmada, pois mandou a pobrezinha da moça embora para Fortaleza, só porque andava rolando e ralando comigo em casa. Se não fosse eu intervir e arranjar uma vaguinha pra ela no apartamento da Odete, a ex do meu chefe, que volta e meia fazia uns extras comigo, quando era casada com ele, a coitadinha tinha que voltar pra casa dos pais e eu perdia aquele piteuzinho.

Quanto ao meu chefe... Bom aí não tem como consertar. Abalou fundo! Mas também não tem problema, porque eu sou o único que sabe que ele se divorciou da Odete, não por causa das infidelidades dela, mas porque ele se apaixonou pelo Claudionor. Sim, é o fortão que hoje é guarda-costas dele. Claro, claro, ele trata muito bem as costas do chefe, desde que o chefe saiu do armário. Mas, como o chefe sabe que eu sei de tudo, foi o próprio Claudionor que me contou numa noite de porre homérico, o meu emprego está mais do que garantido. Aliás, agora que ele já sabe do resto que eu confessei, acho que vou pedir promoção e aumento. Por que? Ora, porque agora ele já sabe que eu sou mau-caráter mesmo, porque continuar dando uma de bom moco?

Vocês devem estar pensando agora é no Padre Onésio. Como é que fica a situação com ele, se eu confessei publicamente que também eu navego nas águas misteriosas de Maricotinha, a quem eu chamo carinhosamente de nossa mulinha. Por que? Ora, pois não dizem que mulher de padre vira mula-sem-cabeça? Mas vejam, eu não sou egoísta, eu digo sempre nossa, não, minha mulinha. Reconheço assim os direitos societários do bom Padre Onésio. E sabem da maior? Descobri que o Padre também não é egoísta. Ele me telefonou ontem mesmo e fizemos um bom acordo de compartilhamento recíproco da nossa mulinha e seus mistérios.

Desde que eu negue tudo peremptoriamente, alegando que foi uma torpe vingança minha contra as enérgicas reprimendas que ele, como meu confessor, me fazia continuamente, opondo-se ao meu relacionamento extraconjugal com a moça Maricota, incorrendo eu assim, pela primeira vez, no pecado do adultério. Acho que vai colar, porque o padre tem fama de santo e eu de sem vergonha. Desse jeito eu limpo a barra do padre e ele mantém aberta a barra do porto da doce Maricotinha pra mim, mantendo intactos todos os aportes financeiros dele, não me demandando nem mesmo uma ínfima parcela de uma possível, mais do que justa, participação pecuniária minha. Padre Onésio é mesmo um santo!

Ah, é claro que consegui convencer a Marilda, a sobrinha gostosa da minha futura ex, que isso é tudo uma coisa que eu confessei só pra livrar a cara do Padre Onésio e que não tenho e nunca tive nada com a Maricotinha. E ela acreditou! Puxa vida, a Marildinha me decepciona assim: nunca pensei que ela fosse tão burrinha. Eta, menina crédula! Essa aí é capaz de acreditar até em Deputado Federal, pelo geral a escória da brasilidade de colarinho branco.  

Bem, considerando tudo, acho que não saio dessa palhaçada tão queimado assim. Agora o tal do guru, que andou fazendo as nossas cabeças e arrancando uma grana dos trouxas, esse deve de estar muito bem escondido agora, contando os seus metais. Ai, se eu te pego! Ai, se eu te pego!

Assinado: Ricardo Guarani-Kaiowá Lewandowski Barbosa Cachoeira
(Sim, Ricardão para as íntimas, isso mesmo!)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012


BENTINHO – Um Conto de Natal
MILTON MACIEL

A luz ficou vermelha outra vez. O menino deu um pulo e começou a andar entre as fileiras de carros estacionados. Era o tempo de contar 30 e eles saiam outra vez apressados. Depois de um tempo muito maior que contar 30, a luz vermelha acendia outra vez. Contar 30 de novo. Nesses escassos contar 30, ele tinha que correr entre os carros e ver se algum estava com a janela aberta; ou se, coisa ainda mais difícil, aceitava abrir o vidro para ele. Em qualquer dos casos, tinha que ser rápido e desfiar suas pedidas tristes:

Moço, um trocadinho, to com muita fome.
Por favor, é pra alimentar meus irmãozinhos.
Minha mãe é doente, moça. De verdade!
Senhor, por caridade, só uma moedinha.

O pior é que Bentinho nunca mentia. Tudo aquilo que ele falava era sempre verdade. Fome era o que ele mais tinha. Não podia tirar nada para si, tinha que levar todo o dinheiro para casa, para comprar comida para os irmãos ainda menores do que ele, que eram cinco. Mais velha que ele só Cidinha, 12 anos, a única que ia à escola. E sua mãe era mesmo doente. Doente de cachaça, era viciada! Não durava em nenhum emprego, vivia tomando porres, faltava. Quando estava sóbria, era uma pessoa boa. Mas a maldita da bebida acabava com ela. Acabava com todos eles.

Hoje Bentinho sabia que era um dia daqueles. Tinha que chegar com dinheiro, senão apanhava. E tinha, além disso, que chegar com a garrafa de cachaça, senão apanhava também. A mãe se descontrolava, parecia outra pessoa totalmente diferente, xingava, batia. Ele contou de novo as moedas no bolso do short. A cachaça, o mais importante, já estava garantida. Era só passar na birosca do Carvão, que ele vendida cachaça pra menor de idade sem o menor problema. Tinha também algo pra comprar comida. Mas precisava se garantir com os trocados da condução: três ônibus pra voltar pra casa, três pra voltar pro ponto amanhã.

Bentinho continuou mais duas horas no desfile entre os carros, o dia até que não estava ruim hoje. Uma senhora abaixou o vidro e lhe deu uma nota de 5 reais:

– Tome, meu filho, vá se alimentar direitinho

Só aí Bentinho lembrou que havia tanta música e tanta propaganda pela cidade por causa de alguma coisa. Tinha mais gente e mais carros nas ruas também. Ele não tinha bem certeza do que era isso, mas mesmo assim assobiou feliz: uma nota de cinco reais, uma raridade! As pessoas normalmente só davam moedas, mas, mesmo assim, eram muito poucas as que davam algo. A imensa maioria mantinha os vidros dos carros fechados. Ou fechavam-nos rapidamente, quando viam que ele se aproximava.  Algumas, de vidro aberto, não lhe davam nada além de uma cara feia. Vez por outra ouvia algo assim: Não se deve dar esmolas. Ou: Dar esmola é sustentar vagabundo.

Ele, vagabundo? Tinha nove anos, trabalhava todos os dias, domingo e feriado inclusive, com chuva ou com sol, com frio ou com calor, toda a manhã e toda a tarde. E até de noite, se a féria estivesse muito ruim naquele dia. Não, ele não era vagabundo!

Mas agora já podia ir. E foi o que fez, saiu mais cedo do ponto, contente com a nota de cinco e as moedas. Passou na birosca do Carvão, pegou a cachaça. Apressou o passo para chegar em casa e ver o que Cidinha precisava comprar de comida praquela noite. Com certeza ninguém tinha comido nada em casa, era sempre assim até ele chegar com o dinheiro do dia. Cidinha, de 12 anos, tomava conta da casa e dos irmãos menores, fazia a comida quando tinham, lavava as roupas, mantinha o barraco limpo e asseado de dar gosto. 

Mas, quando Bentinho saiu da birosca com a garrafa, ficou surpreso ao ver Cidinha andando com pressa, quase correndo. Vinha com uma sacola bem cheia nas mãos, outra nas costas. Parou ao vê-lo e falou depressa:

– To fugindo de casa. Sabe aquele desgraçado do Tião, que se enfia no quarto da nossa mãe e ficam fazendo aquelas coisas e bebendo? Pois é, hoje a mãe tava dormindo de porre, então ele tentou me agarrar. Só que eu já estava preparada, ele já tinha tentado antes. Desta vez eu  fiz que estava com medo, mas fui me encostar no armário quebrado. Quando ele me agarrou, eu peguei rápido o martelo que eu tinha escondido ali pra isso mesmo. Aí virei-lhe uma martelada nos cornos com toda a minha força. Pegou acima da testa, acho que fez um buraco. O desgraçado caiu cheio de sangue no chão e começou a tremelicar os braços e as pernas sem parar. Parecia uma barata envenenada. Aí eu corri pra pegar as minhas coisas, quando ele levantar ele me mata.

– Mas pra onde você vai, menina?

– Pra rua! Pra onde mais eu posso ir? Mas vou ficar viva, pelo menos até aquele bandido me encontrar.

– Mas maninha, como é que vai ser com as crianças? E a mãe? A mãe vai ficar mais louca do que nunca. Mas o pior é: como é que você vai ficar por aí, a rua é horrível, perigosa.

– Olha, Bentinho. Por agora eu vou ficar na minha escola. Não tem ninguém lá, já é férias, eu vou pular o muro de trás e fico por lá, as portas das salas de aula não fecham direito, eu me abrigo numa, durmo sentada. Sei como entrar na biblioteca também, vai ser muito bom.Tem um monte de banheiros, posso tomar banho, não vou passar sede. Só fome.

– Não, fome você não passa. Olha, vou dividir o dinheiro que sobrou da cachaça com você, tem uma nota de cinco, fica pra você. E eu sei onde é sua escola. Pode deixar que amanhã eu passo por lá e lhe deixo mais algum, antes de vir pra casa.

– Bentinho, você é um santo! Obrigada. Mas agora eu preciso ir, tenho que pegar aquele ônibus antes que o monstro venha atrás de mim. Espero você na escola amanhã, você me conta como ficaram as coisas em casa.

Bentinho entrou em casa por volta de 7 de noite, com cuidado. Viu que nenhuma das crianças estava lá dentro, na certa tinham fugido com medo de Tião. Foi quando avistou o mulato esvaído em sangue no chão, sacudindo os braços e as pernas de uma forma muito esquisita. Os olhos estavam esbugalhados, mas não acompanhavam Bentinho. No chão, bem perto, o martelo.

Bentinho sentou em frente ao homem e ficou olhando fixamente para a cara dele. Pensava em sua irmãzinha. Com só doze anos ela ia ter que enfrentar a rua em breve, ia virar prostituta com certeza, ou coisa pior: ladra e drogada. E tudo por causa daquele maldito ali no chão. Por que a martelada não tinha conseguido matar aquele desgraçado? Então Cidinha estaria salva. E tudo continuaria como antes. Ele trabalhava na rua, ela trabalhava em casa e ainda podia estudar, coisa que não interessava a nenhum dos outros irmãos, ele inclusive.

O menino olhou o martelo no chão. Olhou o homem que estava causando toda aquela desgraça, Cidinha condenada para sempre por causa daquele bandido. Então a idéia lhe veio súbita,  como um lampejo. Deu um salto da cadeira, apanhou o martelo. Empunhou-o com ambas as mãos. Abaixou-se e vibrou um golpe tremendo no crânio do homem. Fez uma barulho de coco quebrando. O homem parou imediatamente de sacudir as pernas. Estava feito! No quarto, a mãe ressonava.

Correu para a birosca de Carvão. Entregou a ele o martelo. Falou para todos ali ouvirem:

– Eu matei o Tião, ele estava tentando matar minha mãe. Peguei ele com esse martelo. Bati até matar. O assassino sou eu. Agora vou me mandar. Até.

E correu a esperar o ônibus, ia direto para a escola de Cidinha ali no bairro mesmo, ela precisava saber que estava salva. Podia voltar para casa, podia fazer comida para a criançada, podia seguir tomando conta de tudo. Podia continuar estudando e ter um futuro, pelo menos ela..

Ele? Bem agora ele era um bandido também, um assassino. Nunca pensou que isso pudesse lhe acontecer. Mas não estava triste. Estava até feliz, tinha salvo sua irmã, a pessoa que ele mais amava neste mundo, de uma desgraça total, de uma vida horrorosa. Amanhã a polícia viria atrás dele, ele estaria no ponto, seria fácil encontrá-lo. Contaria a “verdade”. Ninguém ia achar ruim a morte de Tião, bandido com uma ficha corrida de metros. Já ele, era menor de idade, não podia ser preso. Talvez o levassem para uma casa de menores. Mas também era possível que não. Afinal, ele matara para defender sua mãe. Na birosca um homem velho desdentado lhe fizera um sinal de positivo com o dedão, e sussurrara: Esse moleque é um herói!

Lá fora, na noite quente, luzes e buzinas festejavam. Era Natal, mas Bentinho não tinha muito idéia do que era isso. Na certa alguma coisa boa que só acontece para os outros, para os que passam dentro dos carros.