sábado, 30 de junho de 2012


ODE A UMA DIA COMUM

MILTON MACIEL

Ontem não aconteceu nada,
Foi só um dia comum.

Ontem nada deu certo;
Porém, nada deu errado.
Se nada teve conserto,
Nada também foi quebrado.

Tive alegrias? Que nada!
Mas nada me incomodou.
Fiquei chateado? Que nada!
No entanto, nada mudou.

Nada de novo na esquina,
Nada fugiu da rotina.
Nada houve de horroroso...
Que dia MARAVILHOSO!!!

Miami, Jan 30, 2012  

A PEQUENA PROSTITUTA          

MILTON MACIEL

Av. Robert Kennedy, a beira-mar da praia de Ponta Verde, Maceió – 1999. O último de meus quatro anos em Alagoas, onde assumi uma Secretaria de Agricultura. Paro meu carro num sinal. Uma mãozinha pequena bate no vidro, do meu lado.

Dou esmolas por princípio, sempre tenho notas no carro para isso (Desde 2011 faço isso aqui em Miami também, onde – sinal dos novos tempos – não é mais incomum encontrar pedintes nos sinais: os homeless, os desempregados e os veteranos de guerra, geralmente com sérios problemas mentais).

É uma menina pequena, franzina. Ela bate no vidro e me faz um sinal que decodifico como sendo para eu parar: a mãozinha aberta, mostrando todos os dedos estendidos. Baixo o vidro, dou-lhe uma nota de 2 reais. Ela faz sinal com a cabeça que não. Então escuto a frase que vai mudar minha vida para sempre:

 – Tio, me queira. Por favor! To com fome... Eu cobro só CINCO.

Então a brutalidade da compreensão me entra mente adentro: a mãozinha espalmada mostrava o preço do programa: cinco reais! Cinco reais para vender seu corpinho que, vim a saber pouco depois, tinha só DEZ anos de vida!

Fecho-lhe então a pequena mão, agora com uma nota de dez dentro, e lhe digo, disfarçando o nó na garganta:

– Se você está com fome, vá comer. E levanto o vidro, restaurando o ar condicionado, para que ela entenda que não quero o programa.

O sinal abre enfim e eu a observo pelos dois retrovisores. Ela corre, pula, grita algo para o rapaz que atendia na barraca de praia ao lado do sinal. Meu espírito de escritor me faz parar bruscamente. Desço, falo com o guarda ali perto, peço-lhe cinco minutos de carro mal estacionado, é uma emergência. Ele concede.

Sento na barraca seguinte à da menina, meio escondido por uma coluna de madeira. Observo-a. Vejo que ela pede comida e refrigerante, vejo-a comer avidamente, desesperadamente. É verdade que estava com fome! Mas noto algo estranho também. Ela tem uma bolsa sobre o colo e, a cada vez que o rapaz atendente lhe volta as costas, ela joga algo, que parece com a comida que tem no prato, dentro da bolsa.

Prato esvaziado, garrafa também, a menina dá ao rapaz a nota de dez e espera pelo troco. Sai outra vez pulando, agora num pé só, como uma criança. Mas volta ao “ponto”. Param outros carros no sinal, ela anda pelo calçadão junto a eles, bate nos vidros outra vez. O terceiro carro que ela aborda, com sua mãozinha espalmada, abre-lhe a porta de trás. E ela entra, vai mais uma vez fazer seu trabalho humilhante, desesperado, sofrido, cruel.

Vou ao guarda, excedi em muito meus cinco minutos, explico-lhe francamente o que quero. Ele me dá uma força, diz para eu ir em frente. Então vou à barraca onde a garota comeu e converso com o rapaz. Peço-lhe que me informe sobre a menina. Por sorte ele havia prestado atenção quando ela me abordou e lembrava bem de mim, foi solícito.

Assim fiquei sabendo que a criança tinha só dez anos e que se “virava” naquele sinal umas três vezes por semana. Então perguntei ao moço se ele havia notado que ela jogava comida na bolsa sobre o colo, enquanto comia. Ele fez sinal que sim. Apresentei-lhe minha brilhante conclusão:

– Ela leva comida para comer mais tarde, não é? Só não sei por que o faz escondida.

 – Mais tarde o que, seu moço! Eu me viro de costas a toda hora porque ela tem vergonha, faço que não vejo. Mas ela leva comida é pros IRMÃOZINHOS dela. Tem mais quatro em casa e só ela é que garante a bóia pra todos. A mãe é variada, lesa das idéias, num sabe? Some no mundo e as crianças... Vixe!

Eu não podia saber, mas naquele momento estavam nascendo meus romances sobre prostituição infantil. No livro “A Espera e a Noivinha”, coloquei as mesmas palavras da menina de Maceió na boca de outra criança da mesma idade, Ritinha, com a cena ambientada na cidade de Barbalha, no Ceará, localidade que conheci quando, consultor do SEBRAE no Nordeste, dei consultoria a engenhos de açúcar em várias áreas rurais da região.

Nunca mais soube da menina, embora tenha passado a prestar muita atenção àquele sinal da Ponta Verde. Por alguma razão, ela mudou de ‘ponto’. Pouco depois acabou meu mandato e voltei para o Sul, desta vez não para São Paulo, mas para Santa Catarina. E foi ali, na praia da Enseada, em São Francisco do Sul, e em Joinville, que nasceram meus livros sobre a saga das meninas prostitutas em Sergipe, Alagoas, Ceará e nos garimpos do Pará. Dentro do gaúcho da fronteira que retornava ao Sul, vinha inteiro o Nordeste, que aprendi a respeitar e amar profundamente.

Mas eu estava inteiramente impregnado, indelevelmente marcado por uma mãozinha espalmada, sinalizando um preço absurdo em todos os sentidos. E por uma vozinha suave, tímida, quase sussurrada, inesquecível, que me disse:

 – Tio, me queira. Por favor! To com fome... Eu cobro só CINCO.

Bendita hora em que eu aprendi, anos antes, que devia dar esmolas! (MM)

Miami, Fev 10 2012 

PERDÃO !                                                                                                 
MILTON MACIEL

sexta-feira, 29 de junho de 2012


ERA UMA NOITE DE INFINDÁVEIS VERSOS

MILTON  MACIEL

Era uma noite de infindáveis versos.
Tudo pulsava - da Terra ao Infinito.
Crescente-cheia a Lua resvalava
Pelo azul-negro, qual ardente lava,
Fazendo o céu ainda mais bonito.
Pelo ar, aromas suaves e dispersos...

Era uma noite de infinita espera,
De suaves luzes, morna calmaria.
Ante as estrelas, nuvens deslizavam
Em ralos tufos que se desmanchavam
Sob a galáxia, que tremeluzia
Aos sons furtivos de uma outra Era...

SER FELIZ É OLHAR PARA  TRÁS e ter o que agradecer

MILTON  MACIEL

O verdadeiro amor está muito mais em ter tido a felicidade de partilhar doces e duros momentos, os altos e baixos do simples dia-a-dia; está muito mais no acumular de experiências e vivências que constroem um passado de compreensão e tolerância, amizade e carinho.

As pessoas nem sempre percebem que ser feliz é OLHAR PARA TRÁS. Ao contrário..., elas tendem a ficar infelizes com um veneno chamado MEDO DO FUTURO, medo de perder. Só que aquilo que você já tem dentro de si não pode mais ser perdido. É tesouro. Indestrutível. Uma relação pode acabar, o afeto de amanhã pode mudar. Mas tudo o que foi vivido não muda, está guardado para SEMPRE, per omnia secula seculorum. Portanto, ser feliz é, acima de tudo, um estado contínuo de GRATIDÃO.  

POR UMA MASCULINIDADE SADIA – 2a. parte

MILTON  MACIEL

AS RAÍZES PSICOLÓGICAS DO MACHISMO

 “Homens e mulheres já nascem machistas. Isso é o que muito pouca gente percebe. Enquanto se desenrola a luta secular das mulheres por emancipação, tremendas forças inerciais resistem ao seu avanço, apresentadas por homens e, paradoxalmente, por mulheres também. São forças inconscientes e coletivas, são os arquétipos da sociedade patriarcal e machista, formados ao longo dos últimos dez mil anos, que se impõem, irresistíveis, desde o fundo do inconsciente de meninas e meninos, minando toda possibilidade de harmonia e cooperação entre os gêneros, desde a mais tenra infância. Arquétipos são figurações multi-milenares do inconsciente coletivo

   Estamos literalmente programados, tanto homens quanto mulheres, para sermos machistas. Essa programação brutal precede o nosso nascimento. Somos, portanto, machistas de nascença. Por muito tempo ficaremos dominados por essas forças incoercíveis. As mulheres tomam consciência delas muito cedo, porque serão, desde meninas, vítimas permanentes desse machismo latente, oculto, que se exterioriza para submergi-las em um mundo de medo e de exploração. Os homens tardam mais a perceber seu papel opressor. Eu, um gaúcho típico da fronteira com o Uruguai, onde vivi até os 14 anos, precisei de quase cinco décadas para cair na real e perceber que o pior no machismo é o fato de ele ser atávico e oculto, inconsciente.”

Excerto extraído de: [Milton Maciel -  O Machismo Oculto, in: “A Bela Morde a Fera” (IDEL, São Paulo, 2009 – pg. 288)]

   As mulheres, embora vitimadas pelo machismo, não conseguem perceber que são, ao mesmo tempo, suas propagadoras de geração a geração. Compelidas pela força inconsciente do arquétipo, criam suas filhas para serem submissas e seus filhos para serem dominadores. Ensinam a elas que elas são fracas e que não são capazes de defender a si próprias quando agredidas ou desrespeitadas, que só um homem poderá defendê-las. Nada pode ser menos verdadeiro.

   Já mães e pais criam seus meninos para serem agressivos, fortes, competitivos, ferozes até. E, dessa forma, castram completamente a possibilidade de um crescimento em que exista respeito e integração verdadeiros entre meninas e meninos, o que vai perpetuar a raiz da futura infelicidade conjugal, de lares emocionalmente desequilibrados, berço para uma nova geração de crianças emocionalmente desbalanceadas, incompletas afetivamente, futuros guerreiros e guerreiras, a ferir-se uns aos outros inapelavelmente, infelizes no amor, insatisfeitos no sexo. O machismo é a nossa grande chaga coletiva, a gênese de nossa infelicidade amorosa.
Miami, Jan 21 2012
CORREU TANTO, TANTO


quinta-feira, 28 de junho de 2012


POR UMA MASCULINIDADE SADIA – 1a. parte

MILTON MACIEL

Os números do medo e da covardia: A OMS – Organização Mundial da Saúde – relata que, em todo o mundo, 50% de todas as mulheres assassinadas são vítimas de seus próprios homens, marido, amante, namorado – atual ou ex. Há vários países em que mais de 70% das mulheres foram ou são vítimas de agressão física contumaz e onde mais da metade delas relatam que sua primeira relação sexual foi forçada.

Quando, em 2009, Ellen Snortland e eu lançamos nosso livro "A BELA MORDE A FERA" em São Paulo, fomos convidados pelo Geledès – Instituto da Mulher Negra – para fazer uma apresentação no Hospital de São Mateus, da Prefeitura paulistana, onde funciona uma unidade para mulheres agredidas. Havia cerca de cem mulheres, sendo 80 delas as agredidas, mais algumas assistentes sociais, psicólogas e enfermeiras do hospital. 

Ellen – uma brilhante ativista, escritora, jornalista e instrutora de autodefesa de Los Angeles, USA – falou a elas, enquanto eu fazia a tradução para o português. A seguir Ellen fez várias demonstrações de movimentos de autodefesa feminina contra as diferentes formas de agressão. Só algumas poucas mulheres não puderam nos assistir naquele dia: elas estavam imobilizadas em leitos da enfermaria, impossibilitadas de se moverem, tal a gravidade dos ferimentos e fraturas a que foram submetidas pela covardia selvagem de seus agressores.

Mas foi o caso de uma dessas ausentes o que mais nos chocou. Ela estivera internada até um par de dias antes de nossa apresentação. O ex-companheiro, não aceitando a separação, como é tristemente usual, jogou nela um balde de gasolina e ateou fogo. Ela ardeu por inteiro e agonizou por uma semana no Hospital de São Mateus. Não resistiu. Morreu – horrivelmente desfigurada.

Felizmente desta vez o castigo veio rápido, o que quase nunca acontece. O imbecil não percebeu que uma parte da gasolina arremessada com força sobre a mulher simplesmente respingou em sua própria roupa. Ou seja, ele também queimou junto! Só que com muito menos gravidade. Socorrido ao mesmo hospital, padeceu dias de agonia e dores atrozes, até poder ser removido e escoltado pelos policiais de plantão para a delegacia e, posteriormente para a prisão. Onde outros presos, gentilmente, o ajudaram a se livrar do planeta Terra ligeirinho.

Pois a causa de todas essas desgraças atende por um só e único nome: MACHISMO! E é aí que nós, homens, temos a obrigação de intervir e entrar na luta para interromper a propagação da eternamente repetida violência física, psicológica e sexual contra a mulher. (A CONTINUAR)

AMOR BAGUAL  

MILTON MACIEL
(de "Canzone per T.")


A MÉTRICA DO DESESPERO

MILTON MACIEL


A métrica do desespero enche a noite vazia...

Fria
penetra-a, com seus versos de pé quebrado.

Fado,
e enfado, dura sina, vaticínio e danação,

Vão
gemido, desprovido de sentido, vazio ai.

Vai
no escuro, olho duro, congelante, de medusa.

Musa
lesa da tristeza, destroçando o frio espaço

Aço
frio de suas garras nos rasgando o coração.

Tão
temível pelo nível da angústia que provoca

Toca,
fere, gela, rompe, aniquila e desfigura.

Dura,
tétrica, torpe métrica, desespero tão cruel

Fel
amargo, tardio fardo, lasso passo, desalento,

Lento
avanço, que enche e assola a noite fria.

E a esvazia. (MM)

Miami, Fev 07 2012 



FERIADÃO

MILTON  MACIEL

“Emendar feriado. Ah, o Feriadão! Sim, essa é uma marca registrada da brasilidade. E da paulicéia, mais ainda. O feriado fica enorme, quatro dias, e aí todo mundo que pode foge de São Paulo.

Enquanto andava na noite morna, Ataliba pensava nisso. Ricos e remediados lotavam aviões e aeroportos, coalhavam estradas de congestionamentos desumanos. Os remediados se desremediavam por meses, apertados a pagar prestações dos pacotes de viagem, dez meses por quatro dias. Os mais pobres lotavam milhares de ônibus, centenas de ônibus extra e faziam das rodoviárias formigueiros do mais puro horror.

Quanto aos demais, coitados, tinham é que se agüentar por ali mesmo. Ou o dinheiro não dava ou, pior, tinham aquele horrível tipo de trabalho que não respeita nem feriado, que dirá sábado ou domingo. Esses ficavam em São Paulo, murchos como só, tendo como escasso consolo ver na TV os congestionamentos monstruosos em que se enfiavam, invariavelmente, os malditos que podiam viajar. De vez em quando, a notícia de um longo período de chuvas, em pleno feriadão, vinha lhes lavar a alma corroída de inveja: Bem feito!

Mas a alma pura de Ataliba tinha a rara felicidade dos que nunca sentem inveja no coração. Aliás, o que ele sentia mesmo era dó, pena daquela gente toda, um milhão e meio de criaturas gemendo como almas penadas nas estradas, nas rodoviárias e aeroportos, nos hotéis e pousadas, gastando um dinheiro que geralmente nem podiam gastar, sendo vilmente explorados pelos oportunistas e inescrupulosos de plantão nas montanhas, nas praias, nas rodovias.Vida de gado, povo infeliz, pensava mestre Ataliba, que não saía da cidade porque com ela vivia em eterno idílio e era nela completamente feliz.”

(in Milton Maciel,  “ATALIBA, UM PAULISTANO FELIZ” – Idel Editora, 2009)


O  PRIMEIRO  CISMA  DA  HUMANIDADE

Milton Maciel

Muito tempo antes que acontecesse o primeiro cisma entre saduceus e fariseus, entre romanistas e arianistas; muito antes do cisma papal de Avignon e milênios antes que um sunita quebrasse a primeira cabeça de um xiita; muito antes das guerras entre católicos e protestantes e das guerras entre fiscais e camelôs; e antes, muito antes, que os gremistas começassem a se recusar a por na boca a mesma bomba que havia passado por alguma boca de colorado na roda de chimarrão... Bem houve o primeiro grande cisma da humanidade. Quer sabe como é que isso aconteceu?

Pois foi no fim do Paleolítico, início do Neolítico, coisa de uns 12 mil anos atrás. Então os grupos humanos eram muito pequenos e muito unidos, não sabiam o que era briga ou discussão. Saiam juntos, homens e mulheres, para caçar e coletar alimentos, buscar água, essas coisas. Dividiam tudo, tarefas e botim, na maior harmonia.

Mas aconteceu que uma mulher, que era mais esperta que os outros, descobriu que podia prender uma aves estranhas, de pouco voar, fazendo um cercado de varas na caverna. E viu que elas botavam ovos e deitavam em cima deles, nascendo então mais aves; e que também faziam o mesmo que homens e mulheres faziam quando dava aquela vontade. Logo todo mundo começou a fazer a mesma coisa, criando os bichos na caverna; Começaram a sobrar aves e ovos. Não precisavam mais sair e se expor ao perigo para caçar aquelas emplumadas esquisitas e para recolher ovos de outras aves e pássaros no alto das árvores.

Mas aí é que está. Foi justamente por causa disso que surgiu a primeira grande cisão da humanidade. Um desastrado caiu de uma árvore e se estropiou pra valer. Aí, é claro, não podia sair com os outros para caçar e coletar comida. Ficava dias e dias na caverna sem ter o que fazer, só bundando. Foi o primeiro sedentário da humanidade e também o único gorducho do Paleolítico. Dizem que foi também o primeiro homem a desenvolver o até então inexistente hábito de coçar o saco, empreitada até que arriscada para a época, já que o pessoal ainda não usava roupa e o tamanho das unhas era qualquer coisa de assustador.

Pois o indivíduo, não tendo mesmo o que fazer, ficava por ali a cismar. Não admira que tenha dado origem ao primeiro cisma. Ficava parado, observando as aves e... pensando, algo também inusitado para a época. Foi o primeiro pensador da humanidade. Ficava parado, imóvel, sentado com o queixo apoiado no punho fechado, parecia uma estátua – algo ainda a ser inventado – uma estátua de pensador.

E veio daí toda a complicação. Esse desocupado começou a botar caraminholas na cabeça e acabou estabelecendo aquele que é, até hoje, o maior dilema de toda a humanidade.

Se bem que não foi exatamente essa a sua intenção. Tudo o que ele queria saber era quem tinha chegado antes ali, no ambiente da caverna, as aves ou os ovos. Aí ele perguntava a todos que passavam por ele:

– Quem veio antes, o ovo ou a galinha?

Mas o pessoal começou a se dividir quanto à resposta. Alguns afirmaram que primeiro chegou um homem com uma galinha viva aprisionada. Porém outros foram peremptórios ao garantir que, antes disso, duas mulheres haviam entrado com um monte de ovos coletados na capoeira. E aí começou o bafafá: quem veio antes, o ovo ou a galinha?

Vejam bem que não se cogitava ainda dessa coisa toda de evolução das espécies, nada disso! O que o primeiro pensador quis saber, por mera curiosidade nada mais, foi apenas quem haviam trazido antes para a caverna, a galinha ou o ovo.

Ah, mas então o caldo começou a engrossar e acabou entornando. O grupo rachou ao meio, os da galinha contra os dos ovos. As discussões explodiram e, pela primeira vez, o pessoal literalmente baixou o cacete. Um homem, um ovista, defensor da teoria dos ovos, foi chutado nos seus próprios por uma mulher galinhista furiosa, para tudo tem sempre uma primeira vez. O ovista tombou em contorções e foi aí que o pau degenerou. Os galinhistas jogavam ovos nos ovistas, que revidavam torcendo o pescoço das galinhas dos galinhistas.

No fim do dia, os que sobraram menos estropiados chegaram por fim a um acordo. Não quanto a quem veio antes, mas sim a respeito da necessidade de fazer a paz no grupo. Resolveram deixar a discussão para o futuro, seus descendentes que decidissem a pendenga ovo/galinha. E, logo ao amanhecer, saíram os que podiam caminhar para buscar pedras.

Com elas, eles dividiram o espaço da caverna em duas partes, uma para aos ovistas, outra para os galinhistas. Mas nem bem o avô do Muro de Berlin foi concluído e estourou outro enorme quebra-pau. Desta vez para resolver qual grupo ficaria com a parte que dava para a entrada da caverna. Essa foi a primeira vez que a humanidade brigou para ver quem ficava com o lugar da frente. E o resultado foi que essa tendência permeou os nossos genes e chegou aos nossos dias, explicando porque os irmãos estão sempre brigando para ver quem vai sentar no assento da frente do carro.

No terceiro dia surgiu uma solução mais criativa. Desmancharam o muro e o reconstruíram no sentido longitudinal, agora os dois grupos tinham acesso à entrada da caverna. E também, pela primeira vez, surgiu o caminho do meio, o ternário equilibrante, que se propunha conciliar os opostos: surgiram os ovogalinhistas, que apregoavam que tanto fazia, que não valia a pena brigar por isso, que por mais que parecesse que o ovo tinha chegado primeiro, nada poderia ser provado mesmo. E a paz se fez.

Mas só por um par de dias, porque logo surgiu a corrente dos galinhovistas. Estes concordavam com os ovogalinhistas, diziam que tanto fazia, que não valia a pena brigar por isso, que por mais que as evidências apontassem para a chegada anterior da galinha, nada poderia ser provado mesmo.

Acabaram dividindo cada metade da caverna ao meio, agora precisavam acomodar os galinhistas, os ovistas, os galinhovistas e os ovogalinhistas. O cisma chegava ao seu máximo, a divisão era extrema. Estes dois últimos grupos chamavam-se igualmente de pacificadores. Apregoavam que estavam ali para fazer a paz, de forma que a briga seguinte, das mais feias, foi entre esses arautos da paz, para decidir na porrada quem era de fato o grupo mais pacífico. Foi a primeira vez que se ouviu a expressão “lutar pela paz”.

Por fim, antes que todos se exterminassem mutuamente, uma pessoa mais lúcida veio com a solução: comeram todos os ovos, devoraram todas as galinhas, e galinhas e ovos viraram tabu para todos os quatro clãs que daquele cisma se originaram. Até hoje seus descendentes não podem comer nem galináceos nem seu ovos, embora haja relatos de que hoje existam grupos adolescentes rebeldes que cheiram gemada escondidos. 

A paz foi enfim restaurada na caverna quadripartida, mas união e harmonia... nunca mais! O cisma ficou para todo o sempre, chegou-nos transmitido pelos genes dos nossos ancestrais. É por isso, explica a Ciência, que as populações humanas manifestam a tendência de estarem sempre divididas. Seja entre Grêmio e Internacional ou entre Real Madrid e Barcelona. Seja entre Portela e Mangueira ou entre volante e cangaceiros. Até os padres se dividem entre os com-batina e os sem-batina; E os próprios gays, entre assumidos e enrustidos. É a genética, que se pode fazer? Maldita briga naquela caverna!

E o pior é que até hoje perdura a mesma pergunta, a que não quer calar:

 – Quem veio antes: o ovo ou a galinha?  (MM)

Miami, Fev 05 2012

SECRETO DE  MATRIMÓNIO

MILTON MACIEL
(Categoría: Poemas en español)

Oiga, amigo, escúcheme :
Días mejores vendrán
Si usted trata a su mujer,
Con el cariño de ayer,
Y la misma devoción,
Respeto y admiración,
Del tiempo de enamorado.
No se engañe, es muy errado
Creerse uno absoluto,
Muy altivo, muy astuto
Y el señor de la verdad.

Ser macho no es ser tirano,
Si no que es ser soberano
Sobre su propia conciencia
Y actuar con serenidad.
Sepa usted que es un error
Ser grosero, ignorante,
Imponerse por temor
Y tener poca paciencia.

Si usted quiere ser feliz,
Trátele bien a su esposa,
Que el candor de una rosa
Le trajo un día a su vida.
Sepa verla siempre hermosa,
Afuera de su apariencia,
Que la edad modificó.
Por que el tiempo transformó
También la suya, paisano!
  
No acredite en chismoseadas
Ni se vuelva sospechoso.
Y no crea que dar patadas
Le hace más respetuoso.
Si es respeto que usted quiere,
Sepa hacerse respetar.
Y eso no es intimidar,
Si no que es hacerse humano,
Tolerante y comprensivo.
Y mantenerse cautivo
De la amistad solamente.
OS TEMPOS ESTÃO MUDANDO? NÃO, OS TEMPOS, FELIZMENTE, JÁ MUDARAM

Esta é JANE FONDA, consagrada atriz de cinema norte-americana. Os bem mais velhos a relembram como a fantástica beldade "BARBARELLA". Os mais jovens a recordarão como "A SOGRA" de JENNIFER LOPES, no filme de mesmo nome.

Mas há um pequeno detalhe a considerar: a moça aí da foto abaixo tem 74 (isso mesmo: SETENTA E QUATRO) anos! A foto é recentíssima, tirada no Festival de Cannes deste ano. Os que conhecem de perto, afirmam que o corpitcho está com tudo em riba! Que bom que as mulheres têm sua juventude real cada vez mais dilatada de forma natural, com muita ginástica e alimentação equilibrada, exatamente o grande segredo de Jane Fonda.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

LER SOBRE ESTE CONGRESSO BRASILEIRO DA ENGULHOS - SÓ COM SACO DE VÔMITO NA MÃO:

Exclusivo: Um quarto do Congresso tem supersalário  

Quase 25% dos servidores efetivos do Congresso recebem supersalários, ou seja, acima do teto estabelecido pela Constituição Federal. Auditorias feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) revelaram que 1.588 dos 6.816 funcionários concursados têm seus vencimentos acima do limite do funcionalismo público, que é o subsídio pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente fixado em R$ 26.723,13.  NÃO DEIXE DE LER TUDO EM:

http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/quase-25-do-congresso-tem-salario-acima-do-teto/

 



VANGELIS - ENTENDES-TU LES CHIENS ABOYER? (Você Ouve Os Cães Latirem?)

Da trilha sonora do filme Ignacio - Para mim é a mais perfeita de todas as criações (e execuções) de Vangelis (e de qualquer outro autor de música New Age). Minha música favorita absoluta de todos os tempos. meu querido Bach vem logo depois.

E aqui temos uma videomontagem Youtube com astrofotografias espetaculares, que dizem bem daquilo que a música suscita em nossas imaginações.

DUAS VISÕES DO NOSSO FUTURO - Lester Brown

Two Views of Our Future
Lester R. Brown
No previous civilization has survived the ongoing destruction of its natural supports. Nor will ours. Yet economists look at the future through a different lens. Relying heavily on economic data to measure progress, they see the near 10-fold growth in the world economy since 1950 and the associated gains in living standards as the crowning achievement of our modern civilization. During this period, income per person worldwide climbed nearly fourfold, boosting living standards to previously unimaginable levels. A century ago, annual growth in the world economy was measured in the billions of dollars. Today, it is measured in the trillions. In the eyes of mainstream economists, our present economic system has not only an illustrious past but also a promising future.
Leia tudo em: 
http://www.earth-policy.org/book_bytes/2012/wotech1_2

POR UN AMOR TAN SERENO 

MILTON MACIEL
(Categoría: Poemas en Español))

Con mis ojos yo te miro,
Veo lo grande que eres:
La mejor de las mujeres,
Por eso tanto te admiro!

Con mis ojos yo te veo
Como diosa en un altar.
Madre santa en el hogar,
Pero… musa en mi deseo.

Como es buena la verdad
De un amor tan duradero!
Si uno se da por entero
Y logra tranquilidad,
Ah, que bueno que es amar!

Que lindo que es disfrutar
Y tener, la vida entera,
Una hada por compañera
De puro amor y amistad.

Joinville, 16/Mayo/2012

QUE POETAS EXISTAM, É PRECISO

MILTON MACIEL

É preciso que os poetas falem roucos,
Livre, soltos, desmiolados, doidos, loucos;
Libertários,
Libertinos,
Temerários,
Pequeninos.
Gigantescos
Pelas rimas.
Arabescos
Suas sinas.

É preciso que os poetas cantem soltos,
Os seus ais de mares mansos ou revoltos.
Censurados,
Desamantes,
Desvairados,
Delirantes.
Desvalidos,
Estressados,
Esquecidos,
Mal amados.

É preciso que os poetas digam tudo,
Almas tristes, desvalidas, estro mudo.
Sobranceiros,
Agourentos,
Traiçoeiros,
Peçonhentos.
Desdenhados,
Reprimidos,
Rejeitados
E esquecidos.

É preciso que os poetas gritem alto,
Por amarem, peito em lava ou frio basalto.
Sofrimento,
Esperança.
Sentimento,
Semelhança.
Diferença,
Concordância,
Desavença
Ou consonância.

Mistér se faz que eles existam, simplesmente,
Para gritar por nós o que nos vai na mente.
Solucem eles, por nós, o nosso canto
De amor, de desamor, de desencanto.
E que traduzam, infelizes, descontentes,
O que se oculta em nossas almas decadentes.

MIAMI, Jan 24, 2012

terça-feira, 26 de junho de 2012


OLHA AÍ, BOÇAL: A lei Maria da Penha mudou

MILTON MACIEL

Olha aí, imbecil, você que se acha machão porque espanca sua mulher: Cuidado, a lei mudou. De agora em diante você não pode mais contar com o medo que sua vítima tem de denunciá-lo.

Agora qualquer um pode fazer isso!

E, se você é esse idiota metido a valentão com os mais fracos (Deus permita que você não tenha filhos, ninguém merece um boçal assim como pai!...), então é certo que tem muita gente por aí que está com você por aqui... Ora, agora eles não vão deixar barato, não.

E tem mais, bestalhão: Não é só o caso de você parar de bater daqui pra frente. Eles podem denunciar você pelo que você já fez (agressão contumaz). Basta que eles testemunhem e você está lascado, seu filho da mãe.

(Retiro: não pode ser filho de sua mãe quem bate na mãe de seu filho. Coitada da sua velha, deve morrer de vergonha de você, seu nojento).

Aí vão trancar você numa cela superlotada de delegacia, muito antes que você possa ser julgado e levado para a cadeia. E sabe como vai ser? Bem, lá dentro tem muito malandro que é muito mais “macho” do que você. Tem até gente boa. E aí, pode crer, ó paspalho, eles têm mães, irmãs, mulheres, filhas e não batem nelas porque são machos de verdade. Não vão gostar nem um pouquinho de saber por que você está chegando ali. Sabe como é, gente como você é covarde, é machão com as mulheres, mas é cagão com os homens. Você vai se borrar.

Vai daí que não vai colar você dar uma de machão com eles. Ao contrário, eles vão é obrigar você a dar uma de “noivinha”. Então você não vai poder tirar o seu da estaca. E quanta estaca!...  (MM)

Miami, Fev 11 2012  

 ONOFRE E O VEGETARIANO 
  
Milton Maciel
Categoria: Textos gauchescos 

Pues nem le conto, vivente! O Onofre andava abichornado pelos canto,  más atropelado que cusco em procissão, más perdido que cego em tiroteio. Eu é que tirei ele dessa situação. Encontrei o índio velho no bolicho do Ademar faz dois dia e ele tava mesmo incomodado. Nem bem me viu, e antes mesmo que eu pudesse pedi uma canha, o turuna veio pra mim com essa pergunta isquisita:

 - Buenas, tchê! Me responde uma cosa: é verdade que existe vegetariano?

- Buenas. Que existe o que?!...

- Vegetariano.

- Mas bá, tchê! Que que é isso, esse nome más estranho? Vegeta... o que?

- Ta-ri-a-no! Vegetariano. Tá com cera nos ovido?

- Bueno, isso eu não ouvi nunca. Que que é essa cosa?

- Pues foi o Nicanor que me garantiu que existe. Más eu não acredito.

- E por quê?

- Bueno, ele veve pra cima e para baxo, tu sabe como é. O índio velho não tem paradero, não isquenta banco, viaja más que tropero dos tempo antigo, dá más volta que bolacha em boca de velho desdentado. Más agora, quando ele me veio com essa do tal vegetariano, eu fiquei foi mui brabo com o desgraçado. Fiquei foi com vontade de le dá uns planchaço com o facão. Más ele me garantiu que viu gente assim numa das viage dele...

- E viage pra donde?

 - Pues foi lá pras estranja, prum lugar longe demás, um país de nome Curitiba, deve ficar a miles e miles de léguas daqui da frontera, de Santana do Livramento.

- Curitiba? Nunca ouvi falá. Vai vê nem existe, é só invenção desse farolero, tá só fazendo farol.

- Bueno, olha que tu pode tá com a razão. Esse Nicanor é mesmo mui farolero, veve contando umas história mui sem pé nem cabeça, a maior parte deve sê mesmo mentira. Foi como eu respondi pra ele:

- Ah, pára Nicanor! Tu ta atochando, contando vantage. Más nunca que um índio assim pode de existí!

E o Onofre continuou, fulo de raiva:

- Mas ele me garantiu, me jurô pelo que hay de más sagrado e no fim casamo uma pelega de mil numa aposta. Ele diz que existe, eu digo que não existe, ele diz que prova, eu digo que não prova, que é mentira dele. É por isso que to perguntando pra todo mundo que vejo, se eles acredita que existe o tal de vegetariano.

- Mas cumpadre, me diga o que é esse tal de bicho isquisito, com esse nome de xarope pra tosse.

- Bueno, agora tu é que não vai acreditá. Sabe o que o cabortero do Nicanor disse que é o tal de vegetariano?

- Desembucha.

- Pues é um índio isquisito que não come carne nunca! E não come carne porque não qué!

- Ah, más manda esse falsero contá otra! Más é claro que não pode tê home assim. Imagina, não comê carne porque não qué! É atochada dele, pode tê certeza.

- Pues não lhe disse! É claro que o patife ta mentindo. Diz que o tal do isquisito não come carne porque não qué, tá sentindo o cheirinho da costela na brasa e nem enche a boca de água.  Não fica com vontade de trinchá os dente numa chuleta, nuns miúdo de boi. Más diz que nem churrasco de ovelha o vivente come, por aí tu já vê.

- Barbaridade!

- Agora olha o pior: o índio não come carne porque não qué, não é que não possa comprá um bom quarto pra assá,  uma costela gorda pra fazê no fogo de chão. Pode comprá, tem a plata, mas não compra porque não qué!

- Mas entonces o loco não come otras carne, uma galinha que seja, cosa más sem graça, o então um tatu mulita o uma perdiz do banhado?

- Pues que nada! Diz que não come nada que seja de carne, nem um mondongo. Nem mesmo pexe, cosa más sem graça também.

- Que não come o que! Não existe! O então, se o Nicanor acha que viu, o índio tava era tomando o pelo dele, disse que não comia más foi comê iscondido.

- Bueno, quero vê é ele prová essa barbaridade. Não prova!

- Não prova!

- Pues não hay esse tipo de gente aqui em Santana. Nem em Dom Pedrito, nem em Bagé, que conheço algo das terra de fora aqui no Brasil. Também a castelhanada não tem desse pessoal. Nem em Rivera, nem em Salto, nem em Mata Ojo Chico, que é o que conheço do Uruguai, não hay gente estranha assim. E sabe o Juan Pedro, o esquilador, aquele de Tacuarembó, que é uruguaio? Pues também ele nunca ouviu falá de vetetariano no Uruguai.

- Entonces le garanto também eu, cumpadre. Sossega. Não hay vegetariano!

- Bueno, tu me convenceu. Não hay! E vamo tomá uma canha pra isquecê essa bobage. Como vai a cumadre?    (MM)

Miami, Fev 11 2012 

A  TPPM - Tensão Pré-Pré-Menstrual  
MILTON  MACIEL

Tá, tá, tou de mau humor sim! Releva, pô.Também: estou de TPPM. É isso mesmo: TPPM. E daí que eu sou homem? Tá, eu explico: É que eu farejo quando minha mulher vai ficar com TPM. Aí eu amarro a cara e fico antes com TPPM, que é a minha tensão pré-TPM dela.

Funciona, faz anos. Ela descarrega nos outros e me poupa, simplesmente. Aí eu trago flores, faço um jantarzinho, sirvo à luz de velas, toco Chopin para ela. Depois vamos para a cama e é cada qual pro o seu lado, não trocamos palavra pra não discutir. No outro dia, que é sempre o pior, saímos para brigar. Com os outros, é claro. Ela está com TPM, eu sou solidário, já fiquei antes com TPPM. Ela está irritada, eu fico mais irritado ainda. Vejo tudo vermelho!

Vai daí que ela sempre acaba xingando alguém; e eu xingo mais ainda. Engrossamos os dois – com os outros. Aí voltamos de mãos dadas, romanticamente furiosos, falando mal do governo, dos tsunamis irresponsáveis, dos capitães italianos de navio. Chegamos em casa furibundos, por aqui com as obras clandestinas nos prédios velhos, culpando os cupins pela decadência do mundo. Nosso cachorro, muito mais esperto que nós e, afinal, com faro muito melhor que o meu, quando abrimos a porta já foi se esconder há muito tempo. Nunca pensamos em chutá-lo, mas, por via das dúvidas, ele se escafede a favor da segurança, fareja o perigo o danadinho.

Entramos na sala e ligamos a TV. Só evitamos colocar no BBB, pois já quebramos dois televisores novinhos, tal foi nosso ataque de fúria em anos anteriores, incontrolável. Mas é facílimo encontrar mediocridades horrendas do mesmo tipo – bem, quase do mesmo tipo, nada pode ser tão ruim como o tal BBB – em outros canais também, suficientes para manter nossa fúria acesa contra os malditos dos produtores, contra os porcos dos donos das emissoras.

Não comemos nada. Vamos para o quarto e fazemos uma tremenda guerra de travesseiros, batemos com toda força, até ficarmos suados, exaustos. Afinal travesseiro é bem mais barato que televisor. Aí vamos para o chuveiro e tomamos um banho frio. Isso sempre nos excita. Então fazemos um sexo selvagem. Mas é selvagem mesmo, os vizinhos mais de uma vez ligaram para o zoológico aqui perto, achando que algum bicho tinha fugido.

Então a poeira baixa. Tomamos um calmo banho morno, nos secamos, eu coloco um absorvente nela bem devagarinho, é o nosso ritual, e pronto: o milagre de sempre. Daí a uns minutos ela diz: Desceu, amor. Ah, e a paz desceu junto! Faço uma massagem na barriguinha dela até que ela pegue no sono. E aí dormimos abraçadinhos, de conchinha. É por isso que nós adoramos os dias de TPM dela, meus dias de TPPM. São os melhores, os mais calientes, os mais divertidos do mês. Para nós, é claro. Já para os outros... coitados!

Mas é que hoje... Bem hoje, só começou. A minha. Estou furioso. Estou vendo tudo vermelho! Mas não vejo a hora de encontrar meu amorzinho furiosa, impaciente, tremelicante, de TPM.
Ah, esta semana promete!...

MM – Miami, Jan 28 2012

A MENINA DA LADEIRA  

 (um pequeno trecho)
MILTON MACIEL

“... No percurso sua almazinha doía muito mais que os ferimentos, a revolta e a desesperança mais uma vez faziam o estrago costumeiro: lembranças horríveis a acossavam outra vez, outra vez ela tremia...

Fugindo da mãe que a vendera aos onze anos, de caminhão em caminhão chegara primeiro ao agreste, depois ao sertão. Lá aprendeu a sobreviver na mais difícil das condições para uma criança de onze anos, destroçada, totalmente sozinha: prostituta de estrada. Sempre em estradas secundárias, desimportantes, onde os caminhões eram poucos e as meninas eram muitas, porque muita era a miséria faminta que em derredor grassava.

Essas meninas da miséria eram as filhas da seca, formavam estranhos magotes de crianças com fome, que tinham que ganhar com seus corpos mirrados o alimento que faltava para seus irmãos e irmãs menores, produzidos em séries ininterruptas por mães permanentemente grávidas.

Essas mães gestavam as futuras filhas da seca em seus ventres desnutridos – as novas crianças que manteriam as estradas poeirentas permanentemente abastecidas de novos corpos mirrados, repastos do machismo mais primitivo, precocemente negociados, precocemente engravidados e adoecidos, numa corrente macabra sem fim, num moto perpétuo que esmaga crianças e seus sonhos, como fossem rolos de brutais moendas.

E agora, aos quatorze anos recém-completados, ela estava de novo numa cidade. Não que tivesse mais esperanças. A lição de três anos de vida pelas estradas e postos de gasolina lhe ensinara que não havia amanhã para gente como ela. O amanhã trazia apenas uma única certeza: ele seria pior do que hoje. Aprendera, com a aniquilação de suas últimas ilusões ao longo desse tempo, a aceitar a vida como ela é: dura, cruel, sofrida, sem volta. Não tinha mais vontades. Sonhos? Besteira. A vida não permite sonhar, a vida é só realidade, realidade da pior, da mais brutal, sempre pior amanhã do que foi ontem.”

(Pequeno trecho retirado de A MENINA DA LADEIRA – Milton Maciel, 2010)

É, leitores, pessoas adultas podem se prostituir por escolha própria, consciente. Mas crianças... não! Elas nunca são prostitutas porque querem, por opção. Elas não são prostitutas, elas são prostituídas. À força. Pela força de adultos ou pela força da miséria. Se pudessem escolher, estariam em casa brincando, estariam na escola estudando, estariam na quadra jogando. Mas não puderam, mas não podem. Portanto, leitora ou leitor, nunca encare uma criança prostituída como uma pessoa “inferior”. Cuidado, amigos, com seus preconceitos, filhos diletos da ignorância. Não é mais hora de ignorarmos a dor e a agonia dessas mais de 500 mil crianças obrigadas ao comércio do sexo todos os dias e noites de seu abandono,  neste Brasil insensível a seu drama. (MM)