quarta-feira, 28 de novembro de 2012


O PÊNIS DO PTERODÁTILO      
MILTON MACIEL    

Murillo começou a suar frio. Céus, estava acontecendo de novo... Justo agora! Já eram 2 da madrugada e o papel jazia intocado no carro da máquina de escrever. Quer dizer, intocada estava aquela folha. As anteriores dezenove estavam ali perto, no cesto de lixo, devidamente amarrotadas. Que fazer? (Murillo Nóbrega é assim, um consumado conservador. Apesar de ter só trinta anos, em pleno século XXI recusa-se a usar computador e Internet).

Em cada uma das folhas no lixo, datilografado, havia um título genial.

Mas aí batia o tal “bloqueio do escritor”. Ele tentava iniciar o texto, concentrava-se no tema sugerido pelo título e então... Então não acontecia nada. E isso desde 4 da tarde. Seu artigo, de pouco mais de uma lauda, já estaria pronto há muito tempo, em condições normais. Mas agora não saía nada, mas nada mesmo. Era angustiante, quando lembrava que o rapaz da redação do jornal ia passar por ali às 7 da manhã, para levar o artigo de Murillo. Na verdade, uma pequena crônica despretensiosa, seu único compromisso era dar a todas as suas crônicas um certo toque  de humor, desde que fosse “sutil e de muito  bom gosto”, como exigia o diretor de redação – Julmar, o bom careca.

Sentou-se pela enésima vez à máquina. Desta vez tinha que sair! O sono já o fazia cabecear a todo instante, estava acostumado a dormir cedo, antes das onze da noite. Respirou fundo, fechou os olhos, puxou do infinito a inspiração e lascou mais um título sensacional:

O Pênis do Pterodátilo

Parou por ali, o sono o venceu, a cabeça tombou sobre o peito, nem sabia o que havia escrito no papel. Uns três minutos depois acordou sobressaltado. Tinha sonhado e no sonho estava caindo da cadeira. O que estava acontecendo de fato! Com um movimento rápido, contudo, conseguiu endireitar o corpo a tempo e se reequilibrou.

Olhou para o papel, que, por sua lembrança, deveria estar ainda em branco. Qual não foi sua surpresa ao ver aquelas palavras ali escritas: O Pênis do Pterodátilo! Caramba, o que era aquilo? Será que ele, ele mesmo, Murillo Nóbrega, havia escrito tal barbaridade? O Pênis do Pterodátilo! Não lembrava de nada. Possivelmente o escrevera quando estava começando a cochilar. Ora, ele não sabia nada, absolutamente nada sobre pterodátilos. Quanto mais sobre seu pênis. Aliás, não sabia nem se os tais répteis voadores da pré-história tinham pênis. De onde o maluco do seu inconsciente fora tirar uma idéia tão estapafúrdia, tão sem pé nem cabeça. Bem, tão sem pé, corrigiu-se. Cabeça até que era possível que o tal pênis tivesse.

E agora? O que é que ele ia fazer com aquele título absurdo. Fez que não com a cabeça, a sua mesmo, chegou a levar a mão ao papel para arrancá-lo fora da máquina. Mas parou: já tinha feito isso quase vinte vezes antes. Agora tinha que continuar, ainda que fosse com aquela idéia extravagante e sem pé. Maldito bloqueio!

Para piorar, lembrou do bom careca: “Sutil e de muito bom-gosto”. Ai, ai, ai! Como é que um pênis de pterodátilo podia ser de muito bom-gosto? E sutil?! Puxa, devia ser uma coisa enorme, capaz de pesar pra lá de dez quilos, como deve pesar o de um elefante contemporâneo. Sutil?! Sutil como? Vinha aquele bicho enorme voando, 10 metros de envergadura de asa de ponta a ponta, para maior dos pecados com o tal do pênis pra fora, em riste, certamente coisa pra mais de metro. Senhor, que tartaridade! E ele tinha que escrever sobre aquilo. E com sutileza e bom gosto. Que fazer? Caramba, será que não podia ter escrito alguma coisa menos embaraçosa, como o fígado do unicórnio, ou a costela do brontossauro?

Não, não, é loucura! Vamos lá, arranca-se esse papel do rolo também, paciência.

E então, inesperadamente, veio-lhe a inspiração: súbita, instantânea, pronta! 

Voltou os dedos à máquina e escreveu como um possesso. Vinte minutos depois estava tudo pronto, correções com verniz branco corretivo inclusive. Sorriu satisfeito. Colocou a folha no envelope, o envelope embaixo do capacho do corredor, em frente à porta do apartamento, à disposição do rapaz do jornal no início da manhã e pronto! Jogou-se de roupa e tudo na cama e dormiu imediatamente o sono dos justos, o repouso do guerreiro.

No outro dia, no almoço, comentou com os amigos os sucessos da noite e madrugada. Todos ficaram curiosíssimos para saber o que ele tinha escrito. Mas ele resolveu valorizar e compartilhar seu sofrimento e falou, peremptório:

– Ah, isso vocês vão ter que esperar. Vão ter que olhar no jornal. Só amanhã! Não adianta insistir, porque eu não digo nada. Até mais.

(Por essa razão, caros leitores e leitoras, é que não podemos postar a crônica de Murillo Nóbrega, O Pênis do Pterodátilo, neste dia. Também eu vou ter que esperar até amanhã. Mas prometo: assim que tiver acesso ao texto, copio e posto tudo aqui no blog. Pode procurar, eu garanto! Amanhã.)

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