quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

POBRE  SOFREDOR!  
MILTON  MACIEL 

Saio desolado, roto, cansado,
Perdido…
Vou para rua a maldizer meu fado
Sofrido...

Ó céus, como ele – todo mundo diz –
Sofreu!
Ninguém no mundo é mais infeliz
Que eu.

Mas quando dobro a primeira esquina,
Abalado,
Eu tenho o corpo de uma menina
Ofertado.

Há muito tempo eu sei de sua luta
Renhida,
Uma criança, mas já é prostituta,
Perdida.

Eu sigo em frente por mais um quarteirão,
Descontente,
É quando noto um vulto escuro no chão...
E é gente!

Receio que o vulto, levantando,
Me ataque.
Mas, ah, é só uma mulher fumando
Seu crack!

Vejo como a sua crise é aguda,
Ferrada.
E noto que ela está barriguda,
Coitada!

Me afasto dela, eu tenho pena é de mim,
Sofredor...
Se elas soubessem que eu padeço assim,
Um horror!

Mais uns passos e eu vejo um mendigo
Com frio.
Parece que ele quer falar comigo...
Nem espio.

Volto pra casa ainda mais triste, vazio,
Revoltado.
Ligo a Hilux pra esquentar: motor frio,
Afogado.

Vou lá pro Jockey, pra apostar uma grana
Lascada.
Depois pra boate de Copacabana
Irada!

Só me chateio quando lembro dos três,
Que tristeza!
Nem deram bola pro meu padecer,
Que frieza!

Custava mostrarem um pouco de dó
De mim?
Mas nem que fosse um pouquinho só,
Assim...

Lembro dos três enquanto danço na pista:
Eu nunca vi uma gente tão egoísta!
A puta, a mulher grávida, o mendigo,
Nunca mais quero essa gente comigo!




A MENINA DA LADEIRA – 4ª. Parte (Final)    
MILTON  MACIEL
Quatro horas depois, duas da madrugada, duas viaturas estacionaram em frente à casinha da ladeira. O delegado Aldrovando desceu com seus homens e todos abraçaram efusivamente o ex-chefe.

Dentro de um dos carros, três homens algemados: o cafetão e seus capangas. Arregalaram os olhos ao reconhecerem o velho do trapiche; e os esbugalharam totalmente quando ouviram a despedida do Dr. Aldrovando: “Sabe, chefe, puxei a ficha dos três pelo rádio, isso aí não tem mais jeito, caso perdido. Não tenho lugar na delegacia pra eles, não. No caminho pra capital eles vão resistir à prisão, sabe como é, não é?”

O antigo chefe de polícia sacudiu a cabeça, pensando: “Esse Aldrovando! Continua o mesmo, com ele é sempre do velho jeito. Bem, deixa pra lá, eu estou mesmo aposentado, o que acontecer com os presos dele não é problema meu.”

Estava feliz agora, tinha enfim um novo propósito de vida. Cortar o mal pela raiz fora uma das partes dele. A outra seria devotar-se a resgatar aquela flor-menina do lodaçal a que a maldade humana a tinha arremessado.

E isso ele já tinha começado a fazer, quatro horas antes. Depois que ligou para seu ex-subordinado, deixou o trapiche enquanto as mocas ainda estavam lá se lamentando. E estugou o passo, usou outras ruas, chegou à ladeira antes que a garota, esperou por ela em frente à casinha de madeira. A menina apontou lá embaixo muitos minutos depois, andando devagar, mancando visivelmente. No percurso sua almazinha doía muito mais que os ferimentos, a revolta e a desesperança mais uma vez faziam o estrago costumeiro: lembranças horríveis a acossavam outra vez, outra vez ela tremia..
.
Fugindo da mãe que a vendera aos onze anos, de caminhão em caminhão chegara primeiro ao agreste, depois ao sertão. Lá aprendeu a sobreviver na mais difícil das condições para uma criança de onze anos, destroçada, totalmente sozinha: prostituta de estrada. Sempre em estradas secundárias, desimportantes, onde os caminhões eram poucos e as meninas eram muitas, porque muita era a miséria faminta que em derredor grassava.

Essas meninas da miséria eram as filhas da seca, formavam estranhos magotes de crianças com fome, que tinham que ganhar com seus corpos mirrados o alimento que faltava também para seus irmãos e irmãs menores, produzidos em séries ininterruptas por mães permanentemente grávidas.

Estas gestavam as futuras filhas da seca em seus ventres desnutridos – as novas crianças que manteriam as estradas poeirentas permanentemente abastecidas de novos corpos mirrados, repastos do machismo mais primitivo, precocemente negociados, precocemente engravidados e adoecidos, numa corrente macabra sem fim, num moto perpétuo que esmaga crianças e seus sonhos, como fossem rolos de brutais moendas.

E agora, aos quatorze anos recém–completados, ela estava de novo numa cidade. Não que tivesse mais esperanças. A lição de três anos de vida pelas estradas e postos de gasolina lhe ensinara que não havia amanhã para gente como ela. O amanhã trazia apenas uma única certeza: ele seria pior do que hoje. Aprendera, com a aniquilação de suas últimas ilusões ao longo desse tempo, a aceitar a vida como ela é: dura, cruel, sofrida, sem volta. Não tinha mais vontades. Sonhos? Besteira. A vida não permite sonhar, a vida é só realidade, realidade da pior, da mais brutal, sempre pior amanhã do que foi ontem.

Foi quando passou de novo em frente à casa de madeira que descobriu que estava errada. Deus estava à sua espera em frente à casa. E Deus tinha assumido a forma de um velho homem cínico e descrente, até aquela noite fechado totalmente em seu egoísmo.

Para o velho delegado Deus se manifestou também, chegou como uma jovem prostituta de quatorze anos e estava ali para resgatar o velho do cinismo e do desamor a que vivia acorrentado. Então o Deus que estava dentro da menina libertou o Deus que estava dentro do homem e ele agiu. Levou-a para dentro de casa, cuidou de suas feridas, matou sua fome, colocou-a em sua cama de casal, cobriu-a cuidadosamente e a embalou presa entre seus braços, até que ela parasse de tremer e adormecesse. Pousou a cabecinha dela sobre o travesseiro e ficou horas encantado a olhar para a pureza daquele rostinho de criança, marcado agora por duas feias equimoses provocadas pela agressão. Ficou a contemplá-la até que seus ex-subrordinados chegaram com os bandidos aprisionados.

Daquele dia em diante, ela passou a morar na casinha de madeira. E o velho não a desejava mais. Compreendeu perfeitamente qual seria o seu papel, quando a menina terminou de lhe contar toda sua longa e terrível história de abusos e sofrimentos. Não, não a faria sua amante, como a própria menina havia sugerdo, por dever de gratidão. Seria para ela muito mais do que isso, seria o seu redentor, o redentor de sua própria redentora. Começaria tudo de novo: dando a ela tudo o que precisasse, ela o redimiria do seu passado de frieza e violências.  De violências profissionais e de frieza sentimental., quando não soubera dar aos seus a atenção e o cuidado que eles mereciam.

Acabara de aprender, graças a ela, a diferença entre fazer 'amor' e DAR Amor. Cuidaria daquela menina, tinha tempo e recursos à vontade para isso. E resgataria para ela todos os seus direitos usurpados de criança e de mulher: alimento, segurança, respeito, educação, auto-estima. E amor. Verdadeiro. De PAI.
SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE - 31          Jan. 31
MILTON  MACIEL
(Cayce Interpreta Sonhos - 10)


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013


EVILÁSIO NA PRAIA: O FIO-DENTAL  
MILTON  MACIEL

Evilásio é um caso raro de convencimento. Realmente, ele se acha! No outro dia encontrei seu diário, mal escondido na mochila encardida. Como eu sou um caso raro de enxerimento, avancei logo no dito cujo e passei a ser um caso comum de falta de escrúpulos. Não só li, como fiz uma cópia xerox dos alfarrábios. E agora, pior ainda, faço a indignidade de colocar tudo na Internet. Também, o cara merece. Sabe como é o nome do seu diário? Pois ele o intitulou de “Memórias de um Gênio”. Vou transcrever um trecho aqui para vocês:

“Meu mundo interior é riquíssimo. Tenho certeza que deveria ser tombado como Patrimônio Emocional da Humanidade. Em compensação meu mundo exterior é uma droga. Por causa dos outros, é claro. Eles são primários demais para reconhecerem minha genialidade. E eu, há muito tempo, desisti de fazê-los ver o privilégio que é ter alguém como eu a seu alcance. Desisti, não vale a pena. Então me fechei para o mundo deles. Na verdade, nem noto mais o que se passa lá fora.

A praia, por exemplo. Todo mundo adora praia. Eu não. Nunca vou à praia. Antigamente, quando era jovem e não percebia ainda toda a minha grandeza, eu até ia à praia; para caçar mulher, evidentemente. Hoje, não. Sou imune a isso. Até fiz um teste dias atrás e fui à praia, para ver minhas reações atuais.

Olhei algumas bundas, é bem verdade, achei-as sensacionais eu também. Afinal, ainda sou homem e elas, as bundas, são oferecidas como amplo material promocional, passaram a ser a própria essência das praias no Brasil. As meninas vão para mostrar as bundas, os homens vão para curti-las. Azar das desbundadas pela própria natureza, delas não é o reino das praias.

Para todas as outras, as dotadas e as siliconadas, existe o fio-dental. Um prodígio, um fetiche da cultura machista, foi inventado para esbugalhar os olhos dos homens e obrigá-los a raciocinar com os escassos neurônios dos bagos. Passam os fios-dentais, giram os olhos dos homens para fora das órbitas, giram os olhos de suas mulheres ou namoradas, cenhos cerrados, no inútil afã do patrulhamento. Eles suscitam suspiros e brigas em iguais proporções.

Acho que os baianos de Salvador equacionaram melhor o paradoxo do fio-dental. Sem lhe tirar o poder de fetiche sexual, reduziram-no por outro lado a uma faceta mais... olfativa, digamos. Em Salvador, o fio-dental é chamado de “cordão cheiroso”. É, pelo menos para mim, tira um pouco do encanto, caramba.

Ontem fiz uma experiência comigo mesmo. Dobrei bem uma cuequinha fina, simulei um fio-dental, vesti a peça e a enfiei no rego. Tá certo que minha bunda magra, caída e peluda ficou um pavor no espelho, mas não era isso o que me interessava. O que eu queria saber é como uma mulher se sente quando enfia aquela coisa no rabo.

Foi horrível! Ao menos para o meu. Como elas agüentam é que eu não sei. Acho que se acostumam, são obrigadas, coitadas, desde criancinhas, a enfiar o cordão no reguinho. E passam a sonhar que, ao crescer, terão bundas enormes, glúteos prodigiosos a espalharem-se abundantes dos dois lados do cordão cheiroso. É a moda, que podem elas fazer? Academia, malhação, exercício para os glúteos e, na falta de resultados conclusivos, o milagre do silicone industrial francês. Ah, não, é demais pra minha cabeça!

É por essas e por outras que prefiro a riqueza do meu mundo interior e ignoro essas coisas incongruentes do mundo externo. Afinal, quem tem o privilégio de conviver 24 horas por dia com um gênio, como eu tenho, para que vai perder tempo com o resto?”

E por aí vai.... Esse Evilásio! É mesmo um fenômeno raro.
Ele se acha, mesmo!... 
A MENINA DA LADEIRA – 3ª. Parte  
MILTON  MACIEL

Talvez os olhos da pequena explicassem tudo. Quando olhou dentro deles, sua intuição lhe mostrou que era falso o convite que eles sorriam. Olhando mais fundo, por trás da insinuação, o que viu foi desespero, angústia, carência e muito, muito medo! Por isso teve receio instintivo da garota. Não queria, de jeito algum, voltar a se envolver com qualquer pessoa. Mas o grito de socorro dos olhos da menina continuou ecoando dentro de sua mente, de suas entranhas, do seu sexo mesmo, a ponto de inibir completamente a primeira onda de desejo de que fora acometido por força do cálido convite.
           
Fugiu da garota, refugiou-se em sua ilha, trancou a porta. Mas os olhos castanhos claríssimos continuavam chamando por ele, não saiam de sua mente, ocupavam todos os espaços da sala escura. Quando a viu pelo vão da cortina, apoiada ao muro da casa em frente, assustou-se. A moça chorava copiosamente, todo o seu corpo estremecia convulso, enquanto ela falava palavras para ele ininteligíveis. Foi quando a certeza explodiu dentro dele: danem-se as regras do exílio, tinha que decifrar aquele enigma, tinha que ajudar aquela menina. Por isso a seguiu até o trapiche onde ela oficiava com suas colegas.

Decidiu, ao chegar, que devia dar a si mesmo uma última chance. Antes de mais nada, abordaria a menina como prostituta, proporia o programa. Se esse acontecesse, livrar-se-ia em definitivo daquela incômoda situação, que pressentia de alto risco. Nada poderia ser mais frio e mais profissional. Só que o inesperado veio dar sua contribuição, complicando as coisas ainda mais para o velho.

No exato momento em que ele começava a falar com a moça, freios guincharam, portas bateram, três homens saíram de um automóvel e tomaram o cais de assalto. O que parecia ser o chefe, o velho já o tinha visto, sabia quem era: um cafetão e traficante de mulheres e drogas, indivíduo perigoso, da pior espécie. Os outros dois, óbvios meganhas, armas visíveis, formavam seu esquadrão de assalto.

Os capangas mandaram o velho sumir das vistas deles, juntaram todas as moças no centro da plataforma. Então o chefe explicou-lhes quem era e o que estava sendo ali disposto como nova lei para elas. Dali em diante trabalhariam para o chefe, ele mandaria mais clientes, elas pagariam uma taxa de proteção e mais uma comissão para ele. E, ainda mais importante, passariam a funcionar como ‘mulas’ para o novo senhor delas: entregariam pequenas doses de drogas para consumidores, pelo geral clientes dos programas delas, e cuidariam de trazer o dinheiro muito certinho para o chefe e seus portadores.

O novo dono deixou bem claro que elas não tinham qualquer direito, qualquer possibilidade de recusa. Estariam sendo observadas por outras mulheres, por dedos-duros, por policiais do bando, nada podia ser escondido do chefe. E, para que não pairasse qualquer dúvida, para que a primeira lição fosse muito bem aprendida pelas novas “protegidas”, os três homens passaram a dar uma amostra grátis do tratamento dispensado às insubordinadas. Ordenando que parassem de chorar e que não gritassem nem pedissem socorro em hipótese alguma, começaram a distribuir pancadas em todas as seis mulheres.

O cafetão arrastou a menina mais bonitinha, a que estava conversando com o velho, para o trapiche e ali a forçou a servi-lo, com evidentes requintes de sadismo. O mesmo aconteceu com todas as outras moças, usadas com violência pelos outros dois homens.

Quando os bandidos foram embora, as moças ficaram juntando seus pedaços aos prantos, mais desesperadas do que nunca. Mais uma vez tinham sido todas vilipendiadas, espancadas, estupradas, reduzidas a nada. Aquela conjunção de dor, vergonha, revolta e impotência, que todas elas conheciam tão bem, sempre e sempre repetida, levou-as a dividir solidariamente aquele momento terrível – mais um, sempre havia mais um! Consolaram-se umas às outras, despediram-se com tristeza infinita, a noite tinha acabado para elas, corpos e partes doloridos, almas esfrangalhadas. Tomou cada uma, silente, o seu rumo. Para as moças, três das quais ainda menores de idade, aquela foi uma noite de horror e de derrota. Para os três bandidos, uma noite de sadismo e de sucesso.

A única coisa ruim para eles foi ter um certo homem velho, a quem se ordenara que sumisse, desacatado a ordem. Escondendo-se, assistiu às cenas de brutalidade, de selvageria covarde. E aquele velho ficou terrivelmente indignado, completamente furioso. Pior: teve para si que entendia, enfim, por que razão se preocupara com a menina da ladeira e a seguira. E, ali mesmo, na sebe em que se ocultara, desfez seu primeiro voto e proferiu um segundo: deixava de ser náufrago ermitão, estava aberto o caminho para que seres humanos entrassem outra vez em sua vida.

E, azar extremo do cafetão e seus asseclas, o homem velho jurou que iria liquidar com eles completamente, aniquilá-los em definitivo. Alguém deveria ter-lhes ensinado que nunca se deve subestimar totalmente um desconhecido, mesmo quando ele parece ser apenas um velho inofensivo. Realmente muito azar dos criminosos, porque, dali mesmo onde estava, o homem fez uma ligação do seu celular para a capital, a 200 km de distância. Chamou um certo Aldrovando, que atendeu todo feliz:

Sim, Delegado, quanta honra, diga o que manda, o senhor não sabe a falta que faz aqui desde que se aposentou, chefe.
(a concluir na próxima postagem)
SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE - 30          Jan. 30
MILTON   MACIEL   (A série termina no cap. 37)
(Cayce Interpreta Sonhos - 9)


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE - 29          Jan. 29
MILTON  MACIEL
(Cayce Interpreta Sonhos - 8)    [A série termina no cap. 37]



A MENINA DA LADEIRA – 2ª. Parte    
MILTON  MACIEL      (continuação)   

...  Aos poucos as palavras, repetidas em voz alta sem parar, começam a fazer o costumeiro exorcismo. Os espectros acabam por se dissolver, a realidade da ladeira se restabelece à vista embaçada, a crueldade do frio chama para o agora, o estômago se retorce ao aguilhão da mesma fome, à náusea da mesma memória. 

Instantes depois a moça está pronta para retomar a caminhada. Limpa como pode o rosto, retocará a pintura borrada quando chegar ao trapiche. A fome é cruel, lembra-se do último chiclete, mas reconhece que tem que guardá-lo para o primeiro cliente, se cliente algum tiver nesta noite. Minutos depois já caminha pelas ruas mais iluminadas e planas, onde passa gente e onde vai ter a recepção costumeira: há homens que a comem com os olhos, outros que se aproximam agressivos, com palavras chulas que lhe trazem sempre mal-estar, por mais que esteja acostumada a recebê-las. 

As mulheres lhe lançam os mesmos olhares de sempre, com os quais lhe dizem que sentem por ela desprezo, nojo, asco, que ela é lixo, puta indecente, vagabunda, piranha, vadia. Muitas não se contentam apenas em falar impropérios com os olhos, preferem fazê-lo em voz alta, o que a fere ainda mais fundo. A menina detesta fazer esta parte da caminhada, baixa os olhos para não ver as pessoas, mas os ouvidos teimam em continuar ouvindo palavras ofensivas, cortantes. 

Faz tão pouco tempo que chegou nesta cidade e também ali já está marcada para sempre! Há homens com interesse no caminho, mas ela sabe que tem que seguir as normas ou será expelida desse lugar. Nada de aceitar abordagens fora do seu ‘ponto’, nada de se prostituir em ruas de gente “decente’”, de pessoas “de bem”, de lojas comerciais. Não, puta tem que saber qual é o seu lugar. Essa é a lei tácita que ela tem que obedecer. Ah, Deus, medo é muito pior que fome, fome passa, medo não passa nunca!...

Finalmente ultrapassa as ruas, chega ao ponto: uma plataforma de uns cem metros quadrados, com balaustradas encimadas por luminárias verdes, de ferro, antiqüíssimas. A plataforma se projeta rio adentro como um trapiche velho de madeira carcomida. É só nela que as moças têm permissão para ofertar seus corpos como mercadoria e fechar seus negócios, sempre difíceis, sempre de alto risco.

A moça chega, reconhece e cumprimenta as colegas e concorrentes, estão as cinco ali, indício de que a noite não vai ser das mais auspiciosas, ninguém conseguiu sair até aquele momento, mau sinal. Francelina, que oficia como Cigana, se chega à menina, faz-lhe festa nos cabelos longos, sente o hálito que conhece tão bem. Então abre sua bolsa e divide, feliz, sua escassez: coloca na boca de garota faminta um sanduíche de queijo e presunto que trouxe para comer mais tarde. 

A criança morde, mal mastiga, engole com sofreguidão, olha comovida para a colega, não pode falar de boca cheia, os olhos lacrimam gratidão. Cigana sorri para ela, dá-lhe um beijo estalado na bochecha e se afasta, lutando para encurtar mais a sainha plissada.
Mal a mocinha termina de mastigar a última porção quando vê, para sua grande
surpresa, que o homem da casinha do penhasco vem andando em sua direção. O que significaria aquilo? Será que ele a tinha seguido?

O Velho

De fato o homem a havia seguido. Logo após o encontro na ladeira, em frente a sua casa, ele ficara observando a menina através da cortina entreaberta, invisível no escuro da sala. Viu que ela tinha parado, começado a chorar, apoiara-se a um muro, dissera palavras em voz alta por um longo tempo – muito estranho.  Entendeu que a moça passava mal. Preparava-se para ir em seu socorro quando ela se recompôs e reencetou a marcha ladeira abaixo. Aí não teve mais dúvidas: deu à jovem uma boa vantagem de distância e saiu no seu encalço. Não podia explicar porque, mas sentia que era o que devia, o que precisava fazer. Algo naquela garota clamava por ele.

De fato, por ocasião do primeiro encontro, entendera de imediato o convite que os olhos e o sorriso da moça lhe faziam. Sem dúvida alguma, uma jovem prostituta. Mas muito diferente das outras que vira por ali: mais jovem, muito mais bonita, estranhamente atraente. Viu-lhe as pernas e coxas magníficas, o quadril alto, a cintura delicada, o busto perfeito, o rosto bonito, os cabelos esvoaçantes. Desejou-a de imediato e teria partido para realizar seu desejo ali mesmo, dentro de sua casa de homem solitário, se não tivesse cometido o erro de olhar por um tempo excessivo dentro daqueles olhos castanhos claríssimos. Olhou. Abismou-se. E perdeu-se.

Tinha setenta anos e uma forma física exuberante para a idade. Há vários anos havia se afastado da família: ex-esposas, filhos, netos: recíproca ojeriza. Vivia sozinho na cidade grande. Um dia, já retirado de sua estressante profissão, vendeu tudo o que tinha, gerou um pequeno pecúlio e mudou-se para aquela casa rústica na cidade litorânea. Há muito tempo comprara aquele terreno no impulso, com uma pequena construção de madeira que era um primor de despojamento. Acabou por escolher aquele lugar e aquela casa para ali viver a fase final de sua vida. Deixou tudo e todos na capital e trouxe consigo apenas sua aposentadoria, um radinho, um mínimo de roupas, um telefone celular pré-pago e toneladas de livros. Não deu seu novo endereço a ninguém. Ali passou a viver na maior frugalidade, com ínfimas despesas, seu único “luxo” resumindo-se a comprar sempre mais e mais livros. 

Rompeu com seu passado e com todas as relações que nele orbitaram. Estava definitivamente farto de tudo e de todos. E totalmente convencido que sua vida desembocara numa encruzilhada sem jeito, numa passagem sem rumo, num vazio sem futuro. Por isso baniu-se para o exílio naquela cidade, isolou-se naquela casa da qual fez sua ilha de náufrago, tão infenso a qualquer contato humano que nem mesmo uma bola de voleibol que atendesse por Wilson seria aceita ali.

Definitivamente em sua nova vida de velho, de senhor total e absoluto do seu tempo, não havia lugar para outra pessoa, qualquer pessoa. Era isso o que lembrava enquanto caminhava no encalço da jovem prostituta. Estava em plena lua-de-mel com sua nova vida, feliz com seu isolamento, vivendo o êxtase da casa-ilha, Crusoé redivivo. Por que, então, ia agora em busca de outra pessoa? Por que estava agindo desse modo tão incoerente? Sim, porque, por mais atraente que fosse a garota, ele podia reconhecer que não ia em busca da prostituta, mas do ser humano diferente que adivinhara dentro dela. Como explicar a si mesmo tal incongruência?                                                                    ( continua amanhã)

PARA MEU FILHO   
MILTON  MACIEL  

Há exatos 14 anos, 1999, um menininho fazia 9 anos e eu, numa madrugada até 6 da manhã, escrevi para ele um livrinho em poesia, do qual tomo hoje emprestados alguns poucos versos. Era o último dos nossos quatro anos em Maceió, quando fui Secretário de Agricultura. Anos depois, fazendo uma análise vocacional do seu mapa astrológico, concluí que estava frente a uma típica assinatura de escritor. Ele tinha 14 anos e todos sabemos dessa sua vocação desde então. Hoje ele faz 23 anos. Acaba de se graduar em Letras, com notas fantásticas, escreve divinamente, já foi publicado em livro aos 19 anos, em revistas aos 17. Tem um blog de respeito, em dois idiomas (eski de letras), escreve diariamente material para seus livros. Enfim, era exatamente o que estava ali naquele mapa astrológico natal, cujo horário de nascimento é absolutamente exato aos segundos, porque eu, o astrólogo e o pai, estava lá, na sala de partos, com uma câmera na mão e, no pulso, um relógio acertado com relógio atômico do IAG da USP, em São Paulo. Então permitam que um pai arqui-coruja (são cinco filhas e filhos notáveis, cada um admirável por seus méritos) volte um pouco ao passado e recante os versos simplesinhos, feitos para uma criança de nove anos. É minha pequena homenagem, recantada 14 anos depois..

PARA MEU FILHO
I – A Vida – pg. 7:
Querido filho Juliano,
No poema que aqui vai,
Vai o coração de um pai,
Que tanto o ama e admira.
E tudo o que mais aspira
É servi-lo no seu Plano.

Em cada verso o que quero
É lhe dar conhecimento
Do gozo e do sofrimento
Que são a essência da vida,
Ora alegre, ora sofrida,
Que vai de um Jesus a um Nero.

Entre a bondade e a maldade,
Entre a vilania e a fé,
A vida é aquilo que é.
Temos mais é que aceitá-la,
Para podermos vivê-la
Achando a nossa Verdade.

II – Os Enganos – pg 11
Pois saiba, filho querido,
A vida é cheia de enganos,
E aqui, nos seus nove anos,
Lhe dou este testemunho,
Com a experiência que tenho,
Após tanto ter vivido.

É errando que se aprende,
Pois ninguém nasce sabendo.
E assim, ao irmos vivendo,
Ora errando, ora acertando,
Vai o ser evoluindo
E a sua essência depreende.

O ser humano é imperfeito,
Por isso nasce na Terra,
Lugar onde tenta e erra,
Até lograr fazer certo,
Da perfeição chegar perto,
Vencer seu próprio defeito.

III – Os Enganos – pg 14
Uma coisa lhe peço, filho:
Não me tome por modelo
De perfeição ou de zelo,
Pois sou apenas humano
E, aqui neste nosso plano,
Bem discreto foi meu brilho.

Mas se posso ter orgulho,
De algumas coisas na vida,
Vivendo esta dura lida,
Não é de não ter errado,
Mas ter errado e acertado.
A outra, é você meu filho!

De ser seu pai o orgulho
É mais que justificado.
Quer dizer que fui julgado,
Apesar de tudo, à altura
De tão nobre criatura,
Recebê-la como filho.

E assim minha vida vai,
Seguindo dia após dia,
No esforço, na porfia,
Tentando me melhorar,
Tratando de merecer
A honra de ser seu pai.

IV – O Saber - pg 25
Meu filho, a Sabedoria
Deve ser sempre sua meta.
Sua mente, como uma seta,
Deve ser sempre aguçada,
Brilhante, sincronizada,
Como um sol de meio-dia.

Para usar a inteligência
Com que você já nasceu
(porque tanto já viveu),
É preciso estar alerta,
Ter a mente sempre aberta
E também ter paciência.

Pois muito esforço é preciso:
Muita leitura, muito escrito,
Muita história, muito mito
E muita ciência também.
Depois é a arte que vem
Nos dar equilíbrio ao juízo.

Leia tudo o que conseguir!
Nunca o ler é em demasia,
Romance, conto, poesia,
Crítica, ensaio ou cordel.
Sorva tudo como um mel
Que sua mente vai nutrir.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

UM PREFÁCIO MUITO LOUCO    
MILTON  MACIEL

  Confesso que já li prefácios adoráveis. É maravilhoso ver um personagem conhecido, daqueles que são realmente fazedores de opinião, de preferência uma autoridade, escrever um par de páginas tecendo elogios ao autor e a seu livro. Extrair uma frase forte desse texto e imprimi-la na última capa do livro é uma quase garantia de sucesso e de vendagem. 

   Meu editor, um mercenário sanguessuga e mesquinho, exigiu-me, como uma de suas muitas draconianas condições para que aceitasse publicar este livro, que eu lhe arranjasse esse tipo de testemunho de um famoso qualquer. Não sei por que cargas d’água, o homem encasquetou que tinha que ser uma personalidade do sexo masculino: Olhe lá, mulher não serve! 

   Pudera, eu sempre achei que esse pernóstico é um machista miserável. Azar meu, pois eu poderia conseguir o testemunho de minha mãe, que, afinal, é diretora de uma escola municipal em Faxinal do Soturno, no Rio Grande do Sul, uma autoridade da educação, portanto.

   Confesso também que escrevi eu mesmo um prefácio adorável, daqueles cheios de elogios ao autor. Tenho certeza que, ainda que com certa dificuldade, poderia convencer minha mãe a assiná-lo, tendo, na certa, que pagar-lhe uma quantia em dinheiro. Mas, mãe é mãe e o preço seria de mãe para filho; além disso, eu tenho certeza que ela me facilitaria o pagamento em até seis prestações, desde que eu concordasse, é claro, com os seus juros, que remédio!

   Mas com a exigência do meu editor – um unha-de-fome que me fez assinar o contrato mais leonino que eu já vi ser enfiado goela abaixo num escritor desesperado, a ponto de o adiantamento ser pago em cestas básicas e, assim mesmo, somente duas  – fui obrigado a sair a campo para conseguir um prefaciador famoso. Um homem!

   Bem, não foi fácil. Começa que nenhum famoso quis me receber. E, dos quatorze a quem enviei o manuscrito do meu livro, não recebi jamais qualquer resposta. Consegui, a caro custo, cair nas boas graças da empregada de um deles, pedindo-lhe que rastreasse meu manuscrito no escritório do douto senhor. Mas tudo o que obtive foi a informação de que ele estava, com envelope e tudo, servindo de calço a uma velha mesa de pernas desconjuntadas.

   Ao penúltimo endereçado, resolvi fazer eu mesmo um cerco indireto. Indireto, porque se baseava em observações levadas a efeito do lado de fora da casa do nobre acadêmico estadual. Como eu receava, encontrei meu material, dias depois, na lata de lixo do safado.

Ofendido, retirei-o dali e fui negociar minha derradeira alternativa: um poeta bêbado que já tivera dois livros publicados, há coisa de vinte anos, antes da decadência. Caramba, era melhor do que nada! Aceitei pagar toda a enorme quantia que o abusado me pediu, embora ele se recusasse terminantemente a ler meu livro (Não tenho saco pra isso, pague que eu assino qualquer porcaria, pô!).  Mas, imagine só, meu editor, o bestalhão, não aceitou o vate como meu prefaciador.
 
   Aí entrei em desespero e escrevi esta peça aqui como desabafo. Pois o doido do editor viu, adorou e resolveu colocá-la como prefácio do livro. Perguntei se ele não se ofendia com os meus termos e ele disse que sim. Chamei-o de masoquista e ele concordou. Durma-se com um barulho desses!

PREFÁCIO DO LIVRO:

ATALIBA, UM PAULISTANO FELIZ
Milton Maciel – IDEL, 2009 – 240 pgs
Um romance bem humorado sobre o paulistano que mais adora sua cidade: Ataliba, que nada possui e que não trabalha há 936 semanas. Tem, assim, todo o tempo do mundo à sua disposição. Com ele, Ataliba se dedica a levar aos outros habitantes da metrópole, sempre angustiados e assustados na louca corrida pelo dinheiro, pela segurança e pelo próprio tempo, um pouco do seu inesgotável bom humor, de sua infinita alegria de viver e de sua capacidade de descomplicar tudo ao seu redor. Mestre Ataliba distribui amor a suas “redonzelas”, mulheres tornadas donzelas novamente, só que agora na alma, por causa das grandes desilusões amorosas sofridas.

A MENINA DA LADEIRA  - 1ª. Parte
MILTON  MACIEL
Blush, rímel, sombra, batom – pronto, já pode sair. Se pudesse não iria, a noite de sábado está fria, tem vento, vai penar com esse vestidinho mínimo. Mas que remédio? A fome não lhe deixa opção, tem que ir à luta. Abre a bolsinha, tira o penúltimo chiclete: ajuda a enganar o estômago, suaviza o hálito. São sete e meia e ela desce agora a ladeira mal iluminada, com passos firmes, apressados. Lá embaixo, mais dois quilômetros de caminhada por ruas planas e chegará ao ponto, junto ao trapiche do rio, onde as outras meninas e mulheres com certeza já estão, na triste espera de todas as noites. Acelera ainda mais o passo, está atrasada. O esforço maior ajuda a esquentar o corpo, engana o frio. As lembranças querem voltar, insistentes, dolorosas, precisa espantá-las já. Começa mecanicamente a repetir sua ladainha de todas as noites:
   Deus, tenha pena de mim. Me deixe ter um cliente hoje, um só que seja. Que ele não seja bruto. Que ele não seja sujo. Que ele não seja enorme. Que aceite a proteção, que não me passe coisa ruim. Deus, tenha pena de mim. Me ajude, por favor. Que eu não seja assaltada. Que eu não tenha aquelas lembranças. As lembranças... Deus, tenha pena de mim...
A garota repete as palavras incansavelmente, em voz alta, ninguém além dela para ouvi-la naquele trecho da ladeira. A repetição afasta as memórias ruins, a prece produz a ilusão de que esta noite pode, quem sabe, ser melhor. No meio da descida, cruza com o velho da casinha de madeira sobre o penhasco. Alto, forte, espigado, ainda um homem de bela presença, ele está prestes a entrar em casa.
 Ela lhe sorri um convite, requebra mais, por um momento interrompe a descida. Quem sabe não tem a sorte de se acertar com o homem, nunca esteve frente a frente com ele. Vê que ele lhe lança um olhar interessado, encara suas coxas roliças. O coração da garota dispara: sim, se ele quiser, ela não precisa ir para o ponto, entra na casa, mata o desejo dele, pega o dinheiro e corre para matar sua fome muito mais cedo. Deus, permita que ele me queira, tô com tanta fome!...
Mas o homem nada fala, está olhando fundo dentro dos olhos dela, o que a faz sentir-se estranhamente perturbada. Fica sem jeito, balbucia um “boa noite” tímido. Estranho: o velho parece mais perturbado ainda do que ela, baixa o olhar, hesita, depois retoma os passos em direção à porta, transpõe a soleira, gira a chave na fechadura. E, sem voltar a encará-la nos olhos, gagueja um “boa noite, moça” em voz quase inaudível.
Não deu certo! Paciência, já está acostumada com rejeição, incontáveis vezes a conheceu nestes três anos de profissão. Tem agora quatorze, sua mãe forçou-a a prostituir-se aos onze. Mas a decepção, embora seja só mais uma, acaba por vencer suas frágeis defesas e as lembranças ruins rompem a barreira, incoercíveis.
 Mais uma vez se sente estremecer, as mãos do cunhado fecham sua boca e suas narinas, ela tem dez anos, sufoca, desfalece. Ela tem onze anos, o macaco peludo para o qual a mãe a vendeu arranca sua calcinha à força, no próprio quarto dela. A tremedeira de novo, o frio é maior porque vem de dentro agora. As mãos do marido da irmã profanam seu corpo sem curvas de criança; as mãos peludas do amante da mãe machucam suas dobras delicadas. O cunhado a violou. E a mãe a traiu, vendeu-a duas vezes, duplo Judas!
A vertigem volta, sempre vem quando a lembrança irrompe, agora é mais forte por causa da fome, treme mais por causa do frio, por mais que suas mãos delicadas apertem os braços enregelados. Irreprimíveis, lágrimas rolam quentes sobre um rosto gelado, a vista se turva, a ladeira desaparece, os dois homens e a mãe giram-lhe ao redor como espectros inevitáveis, mais uma vez roubam o seu presente.
A menina pára. Sabe que tem que esperar que a vertigem passe, tem medo de cair, desmaiar, se machucar como em outras vezes. Apóia-se no muro de uma casa, respira ofegante, precisa se acalmar, os fantasmas têm que ir embora. Recomeça a ladainha, mais desesperada que nunca: Deus tenha pena de mim. Tire as visões... por favor... as visões...
(continua amanhã)
SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE - 28         Jan. 28  
MILTON  MACIEL  
(Cayce Interpreta Sonhos - 7)


domingo, 27 de janeiro de 2013


A  CULPA É DAS MINA 
(Elas Me Bota Quebranto) 
MILTON  MACIEL     

Os povo são muito ingrato
Eles não sabe o que diz.
Mesmo assim mete o nariz:
Eles afirma que é um fato
Que eu vivo só no barato,
Que eu sô um puta vagabundo,
O mais vagal deste mundo!
Eles diz que eu não trabalho,
Que eu vivo só do baralho,
Mas isso é uma judiaria!
Afinal, que eu não trabalho,
Faz só mil e onze dia.(*)

Antes disso eu tinha emprego,
Que era na Prefeitura
Orra, que vida mais dura!
Porque uma vez, todo mês,
Eu tinha que aparecê
Pra recebê o salário.
Mas, no desempenho diário,
Outro assinava por mim
E eu ganhava a vida assim.

Só que, depois de seis ano,
Mudô o prefeito e o sacana
Resolveu me atazaná.
E o filho de ratazana
Atrapalhô os meus plano
Me obrigando a trabalhá.
Ele disse que acabava
Com funcionário fantasma.
Eu, vendo o que se passava,
Tive um ataque de asma,
De pressão alta e gastrite
Somei uma bruta gripe,
Precisei ser internado!
Aí eu fiquei encostado,
Por mais dois ano somente,
Porque morreu de repente
O doutor que me atestava,
Que era com quem eu rachava
O salário que eu recebia.

Depois disso, que remédio?
Fui trabalhar, mas que tédio!
Eu tentei, mas foi um horror
Dá uma de trabalhador.
Eu só agüentei uns três dia:
Me deu uma bruta alergia,
Porque afinal, camarado,
Nunca eu tinha trabalhado
E a minha saúde fraca
Não aguentou a urucubaca.

E o prefeito, que maçada!,
Arranja umas papelada,
Me põe no olho da rua
Com uns papel que me autua
Por funcionário fantasma.
Tive outro ataque de asma
E o desgraçado só se riu
E me mandou, na gargalhada,
Lá pra puta que pariu!

Assim foi que eu, azarado,
Acabei desempregado,
Não tendo culpa de nada.
Oito ano e caquerada
De funcionário exemplar
E lá fui eu se danar,
Por culpa de um mau prefeito,
Que quis fazer seu cartaz
Em cima de um home direito
E acabô com a minha paz.

Hoje eu tento trabalhar,
Mas não tá fácil serviço!
Eu me preocupo com isso,
Chego até a procurar
Umas duas vez por ano.
Mas eu é que não me engano,
Pois, quando tem bom salário,
Tem que tê um trampo diário.
E a minha saúde é fraca:
Não resiste, logo ataca,
Se trabalhar todo dia,
A maldita da alergia!


Agora o povo, os danado,
Fala que eu sô é um folgado,
Que eu vivo só pra orgia.
Que eu durmo até meio dia
E ainda acordo sonado.
E mais, que eu sô sustentado
Pelas cabrocha que eu trato.
Eu trato elas bem de fato,
Sei dá chamego e carinho.
Se elas me dá uns presente
E até mesmo uns troquinho,
Eu aceito bem contente,
Pro rango e pra gasolina
Do carrinho que eu ganhei
Da velha lá da oficina.
E dizem que não trabalhei!
O povo não sabe nada,
Não sabe o duro danado
Que eu dô, por que sô obrigado:
Não viu a velha pelada!

Eles por cima ainda fala
Que eu só vivo bocejando.
Ora, por que eles não se cala?
Tão sempre me caluniando.
Eles não sabe, afinal,
Que se eu bocejo assim,
Não é por que eu durmo mal
Mas é que as mina tem, por mim,
Verdadeira fixação. 
Deixa eu explicá, então,
Porque que que eu bocejo tanto.
Os que diz que é só preguiça,
Não sabe a metade da missa!
Não, a coisa é um espanto,
Coisa que nunca termina,
Porque a culpa é só das mina:
Que ELAS ME BOTA QUEBRANTO!

(*) 1011 dias = 2 anos, 9 meses e 6 dias  

LATA D’ÁGUA E MUITO AMOR:  
Você sabe o que é isso? 
MILTON  MACIEL 

“Lata d’água na cabeça, lá vai Maria, lá vai Maria.” (*)

Maria vai subindo o morro, subindo todos os morros do mundo, andando todas as caatingas, todos os sertões, todos os agrestes, todos os desertos, todos os vilarejos, todas as favelas de todas as cidades. Sabe, se você tivesse olhos de ver, veria que Maria mora aí bem perto de você.

Lá vai Maria, vilipendiada e destituída dos seus mais básicos direitos, como esse de ter acesso a água de qualidade. Ou a qualquer água que seja. Pela mão leva a criança e...

(Como? Ah, você quer que eu espere um pouquinho, não é que não esteja interessado no resto, mas é que você quer um tempinho pra pegar uma cervejinha gelada pra você e uma agüinha com gás pra patroa. Não, tudo certo, vai firme, eu espero). 

Bem, eu estava dizendo que lá vai Maria, no caso dela, uma Maria carioca,  morro acima. “Sobe o morro e não se cansa, Pela mão leva a criança...”

Pois é, que adianta Maria se cansar? Que adianta Maria reclamar. Pra quem? Sabe, ela está acostumada, faz isso desde criancinha. Tá, com uma vasilha menor, então, concordo. Mas você acha que isso é justo para uma criança? Acha que é certo que uma menina tenha que aprender desde cedo a andar com um fardo cada vez maior na cabeça, comprimindo sua coluna vertebral em desenvolvimento? A menina cresce, crescem o tamanho e o peso da lata cheia. E Maria sobe o morro todos os dias: menina, adolescente, grávida, mulher, mãe. Nessa ordem... Então, pela mão leva a criança e...

(Como? Quem mandou ficar grávida? Quem mandou abrir as pernas? Deu por que quis!  É isso que você está dizendo? Cara, você está me decepcionando. Será que além de insensível, você é tão burro assim? Pois deixe eu lhe refrescar a memória: Quantas menininhas abriram as pernas prá você, desde a sua puberdade e, quem sabe, se não até hoje, agora que você tem grana? Elas também deram por que quiseram, não foi? Eu espero que você nunca tenho forçado nenhuma, porque se eu souber, perco o controle e quebro essa sua cara gorda na mesma hora. Pára de coçar esse barrigão e me escuta direito, sem fazer observação imbecil. Senão eu perco o controle e...).

Bem, retomando depois da sua interrupção idiota:  Maria sobe o morro e pela mão leva a criança. Sim, porque ela, mãe solteira, assumiu seu filho com toda a dignidade e com todo o amor de que só em uma mulher-mãe é capaz. Não abandonou seu bebê. Não o deu pra ninguém criar. Não aceitou vendê-lo para adoção.

(Cara, Maria é digna, Maria é Mãe! Muito mais mãe do que aquela sua velha embotoxada que, quando você era criança, deixava você com as babás e sumia no mundo pra farrear).

Pois é, “Maria sobe o morro e não se cansa, pela mão leva a criança”. Que vai crescendo assim, aos trancos e barrancos, vendo o sacrifício da mãe, se acostumando com a pobreza e a fome. Sabe o  que Maria faz para sobreviver??

“Maria lava roupa lá no alto, lutando pelo pão de cada dia”. Pois é, dureza! Lava lá no alto, tem que buscar água cá em baixo. Todo dia. Não tem feriado, não tem domingo. Lata d’água na cabeça, esforço que nenhum malandro agüenta fazer por muito tempo. Só Maria, que é forte, mais do que qualquer homem do pedaço.

(Você duvida? Pô, sua besta, ela é forte também POR DENTRO, na alma, é uma lutadora. E tem mais, tem uma coisa que nunca vai se poder dizer de você, seu molenga: Maria é HONESTA! Você é um verme esbanjador, um comilão, e um baita dum trambiqueiro. O dinheiro que você sonega não permite que Maria tenha água lá no barraco dela, lá em cima, sabia? É: o que você sonega e o que os seus parceiros ladrões, aquela curriola de políticos sanguessugas, desviam. Você, além de trambiqueiro nos negócios, é um explorador, paga salário de fome pros seus empregados e se vangloria disso com seu colegas de ramo. Como você é desprezível, sujeito!).

Pela mão leva a criança e nunca deixa essa criança longe dos seus olhos, dos seus cuidados. Por mais trabalho que dê, ela vai educando a criança, trabalha com ela ali no pé do tanque, finge uma alegria que não sente, canta samba pra ela o tempo todo, falando de coisas alegres, falando de esperança, explicando que a vida não é só dinheiro, mas que é carinho e amor também.

(Carinho e amor. Você sabe o que é isso? Não, tá na cara que não sabe. Essa sua mulher bonita e gostosa, cá pra nós, o despreza. Pô, você tá careca, barrigudo, gordão, feio pra burro. Além do mais, você tem o papo mais cacete do planeta, sujeito. Pra te aturar, só pela grana, mesmo. Coitada dela, se não fossem os primos que ela, de vez em quando, reencontra por aí, família enorme essa dela, não?)

Maria ama a criança, todo mundo percebe isso, sabe disso. Mas é só olhar nos olhinhos da criança para se ver que ela ADORA a mãe. Ah, mas é de adorar mesmo. Mãe valente, lutadora e, ao mesmo tempo, carinhosa igual a essa não existe fácil por aí, não. Ainda mais quando a luta é contra a miséria, é contra a falta d’água, é contra a gravidade, subindo morro várias vezes por dia com aquela enorme lata d’água na cabeça, subindo e descendo morro com aquela enorme trouxa de roupa na cabeça... Maria trabalha, ama e cuida, cara!

(Pois é, balofo molengão, você com certeza nunca conseguiu olhar os olhos de sua mãe com o amor, com a adoração que aquela criança tem no olhar quando contempla a mãe dela. Claro, Maria é Mãe, já falei! A sua... Bem, aquela velha embotoxada, empitanguizada de hoje foi o cão, péssima mãe!  Não é à toa que você está aí com a cara toda lambuzada, o barrigão todo respingado desse enorme pote de sorvete que você está devorando sozinho. Cara, não faz nem meia hora que você comeu como um porco. Dê-lhe carência afetiva! Olha o infarto, sujeito. Desse jeito ele não tarda. Não, pensando bem, vai em frente, Melhor assim. Assim você nos livra logo dessa sua presença asquerosa. Isso aí. Vai atacando seu sorvetinho, tem mais potes de dois quilos no freezer. Bom, chega de papo com você, não vou mais perder tempo com uma coisa amorfa e gelatinosa assim. Passar mal!)

E Maria sobe e desce o morro, lava roupa lá no alto, busca roupa cá em baixo. “Sonhando com a vida do asfalto, que acaba, quando o morro principia.” E ama sua criança, e cuida dela com amor, e passa fome para que ela não passe, e, ainda assim sonha com dias melhores pra sua criança, lá embaixo, no asfalto, que começa onde o morro principia. Ah, Maria, você não existe, criatura! Você é boa demais...

(*) LATA D’ÁGUA  - samba

Compositores: Luís Antônio - Jota Jr

Lata d'água na cabeça,
Lá vai Maria,
Lá vai Maria.
Sobe o morro e não se cansa,
Pela mão leva a criança,
Lá vai Maria

Maria 
Lava roupa lá no alto,
Lutando 
Pelo pão de cada dia, 
Sonhando 
Com a vida do asfalto,
Que acaba 
Onde o morro principia.

Link
:    http://www.vagalume.com.br/marlene/lata-dagua.html#ixzz2JAt1Djhq
SONO, SONHOS E AUTOCONTROLE - 27          Jan. 27
MILTON  MACIEL
(Cayce Interpreta Sonhos - 6)


sábado, 26 de janeiro de 2013


EM  NOITES DE LUA NOVA 
MILTON  MACIEL 

Em noites de Lua Nova,
Eu sorvo estrelas no alto,
Em negros tons de cobalto:
Todo o meu ser se renova.

Meu peito se expande em trova
De amor a esse firmamento
E, num andamento lento,
Eu canto pra Lua Nova.

Em versos, cujo acento,
É de puro encantamento, 
Minha alegria comprova:
Meu ser todo se renova!

LOLITA DE ARACAJU,
A Mais Jovem Dona de Bordel do Mundo
MILTON MACIEL

(trecho):  Madame Lammounier, Elza do Crato

   Madame Lammounier foi uma lenda viva em Aracaju. Uma legítima francesa, que chegara no esplendor da forma e da beleza ao Brasil, para fazer a vida em grande estilo. Muitos homens se apaixonaram perdidamente por essa Elise Lammounier, muita peixeira foi puxada em duelos por sua preferência. Mas, acima de tudo, muitos cruzeiros, cruzados, cruzados novos, URVs, reais e dólares haviam corrido das mãos de ricos coronéis, de fortes negociantes, de mal remediados empregados do comércio, para engordar a polpuda conta bancária da belíssima francesa. Até mesmo um grande desfalque foi dado em sua honra, por um desatinado gerente do Banco do Brasil que, descoberto, acabou capando o gato e se escafedendo lá para as bandas do Seridó do Rio Grande do Norte.

   O dinheiro da herança de Jean Jacques, os conselhos da bondosa cafetina de Pituba e a colaboração inestimável de duas velhas quengas aposentadas de Aracaju acabaram dando, bastante cedo, a Elise Lammounier a possibilidade de tornar-se, ela mesma, dona de castelo. Com suas reservas, adquiriu uma casa grande e a reformou, adaptando-a para as necessidades de funcionamento de um castelo de categoria. Depois de um ano apenas, o negócio e os lucros cresceram tanto que Elise comprou uma casa muito maior e a reformou graças um irregularíssimo empréstimo concedido por aquele mal-fadado gerente. Quando o dinheiro do empréstimo revelou-se insuficiente para a decoração requintada da casa, o providencial desfalque veio complementá-lo e, assim, a segunda casa de Madame Lammounier foi inaugurada em grande estilo. Mas, como este mundo é mesmo cheio de injustiças, o pobre gerente não pôde estar presente à grandiosa festa de inauguração, posto que já tivera que correr do banco e da polícia, dedicado a salvar a liberdade na caatinga potiguar.

   O castelo de Madame Lammounier prosperou de imediato e, em pouco tempo, tornou-se referência para toda a região. Até mesmo de Salvador e do Recife afluíam clientes importantes, abastados fazendeiros deixavam suas grotas de cana, de gado ou de cacau e viajavam centenas de quilômetros para poderem desfrutar os múltiplos prazeres do novo jardim das delícias nordestino.

   Mulheres jovens e fantásticas, belas, limpas, sofisticadas, eram importadas por Madame de distantes cidades européias. A estas se somavam sensuais mulatas da capital federal, polacas do Paraná, altas e esguias gaúchas, argentinas e uruguaias que emocionavam no tango, cubanas na rumba. Qualidade e quantidade não se entrechocaram na casa de Elise e, por isso, ela cresceu em nome e influência por toda a região. Ser aceita na casa de Madame Lammounier era uma grande honra para uma mulher que fizesse a vida. Além disso, se tivesse a ventura de receber tal oportunidade, ela estaria com a vida feita: os ganhos eram garantidos, certos, polpudos, constantes, originados sempre de homens ricos ou, no mínimo, de classe média bem alta.

  Gerações e gerações de profissionais e de clientes se sucederam sob a sábia batuta de Elise. Jovens estudantes, que estouravam ali suas gordas mesadas, graduaram-se e se tornaram expoentes em suas respectivas profissões. Tenentes fizeram-se coronéis, um até a general chegou. Todas as correntes políticas fartaram-se nas generosas carnes da casa, de tal forma que, fosse qual fosse a curriola na situação e na oposição, Elise estava sempre por cima, assim com prefeitos, deputados, governadores, senadores.

  A casa se consagrou, Madame Lammounier inscreveu seu nome na história do Nordeste brasileiro. E Elise, a francesa, enriqueceu sempre mais com o passar dos anos. Aliás, este último – o passar dos anos – foi o único problema de Elise: envelheceu. Mas o fez com tal classe e com tal suavidade, que muitos nem sequer perceberam seu lento fenecer. Sempre manteve um rol de apaixonados, mesmo ao ultrapassar a perigosa barreira dos sessenta anos. Alguns de seus clientes mais importantes envelheceram também com ela, porém muito mais gastos e maltratados pelo tempo do que ela: largas barrigas, luzidias carecas, leques de rugas, falhas nos dentes, deficiências de audição. Mas mantiveram a admiração por sua musa, que parecia conservar-se infensa e indiferente ao passar do tempo.

   Também com o pior problema dos clientes envelhecidos, a progressiva impotência, Elise sabia lidar como ninguém. Dava a esses menos afortunados prazeres novos e diferentes, deixava-os felizes e confiantes, sabedores que existia vida além da ereção e que – ainda mais importante – seu embaraçoso segredo estava para sempre guardado a sete chaves com a discretíssima francesa, naqueles heróicos tempos em que ainda não havia o maravilhoso comprimido azul.

   Por tudo isso, sabedoria, técnica, encanto, inteligência e, inegavelmente, talento para os negócios e para a política, Elise mereceu chegar onde chegou, tornando-se uma lenda viva no Nordeste. Teve também sabedoria ao reconhecer a hora de parar, fazendo-o enquanto ainda estava por cima. No mais completo sigilo vendeu seu castelo, com nome, freguesia e fundo de comércio inteiro, à amante paulista de um senador usineiro de Alagoas.

   Na noite final, deu a maior festa de que a cidade tivera notícia até então. Escolheu obviamente o dia do seu aniversário, data das mais importantes do calendário estadual, quando centenas de pessoas importantes compareciam para o beija-mão, em longas noitadas de pacífica convivência entre governo e oposição

   No dia seguinte, Elise Lammounier desapareceu para sempre de Aracaju. Para a cidade deixara a notícia de uma longa viagem à Europa, mais do que merecidas férias. A nova proprietária apresentou-se somente como uma competente gerente, recém-chegada de São Paulo, para dar a Elise a oportunidade de descansar e passear por longos meses. A manobra, obviamente nascida da mente brilhante da francesa, funcionou perfeitamente. A paulista teve tempo de cativar a clientela, entender-se com as moças, introduzir aos poucos suas inovações, assenhorear-se, enfim, do negócio.

   A transição foi suave e lenta; a paulista, também dotada de encantos e classe, foi aos poucos cativando os clientes, impondo a força de sua carne nova e apetitosa ao desejo dos lúbricos coronéis, políticos, militares e negociantes. Hábil estrategista ela também, soube manter o restante dentro do padrão de excelsa qualidade elisiana. Até mesmo a festa de aniversário da francesa foi mantida por longos anos, ainda que a aniversariante estivesse sempre ausente, encantada com sua nova residência européia, de endereço jamais revelado, por mais que o demandassem as mais importantes personalidades locais e de outros estados. Tiveram, enfim, que se conformar: Elise Lammounier retirara-se para sempre dos negócios, gozava agora sua fortuna, em justa e merecida aposentadoria, em algum lugar de sua França querida.

   Na verdade, em algum lugar não revelado do seu querido Cariri, no Ceará. Para ali se retirara Madame Lammounier ao fim de sua longa e próspera vida comercial. Deixara Aracaju na companhia de sua ajudante de confiança, Zezé, seu braço direito, a única que conhecia sua verdadeira identidade: Elza Conceição da Silva, nascida em Crato, criada em Missão Velha, alguns poucos meses como empregada doméstica em Juazeiro do Norte.

E dali retirada pela paixão fulminante e pela generosidade de Jean Jacques Lammounier, fotógrafo suíço em viagem pelo Brasil, que a protegeu, amou e instruiu até que a morte o colhesse tão cedo em Salvador, Bahia.