sábado, 23 de fevereiro de 2013


MANUELÃO  DO  PÃO    
MILTON  MACIEL    

O português Manuelão do Pão era um respeitadíssimo comerciante do bairro paulistano do Brás, um autêntico panificador. Apesar de homem experiente e vivido, tinha um registro bastante pobre de conquistas femininas. Primeiro, porque tivera que trabalhar como um escravo desde pequenino, naquele mesmo ramo de negócios que herdara do pai, lá na sua Trás os Montes, em Portugal. Segundo, porque casara ainda muito jovem com sua Catarina, moçoila de buço preto e temperamento do cão, difícil de dominar.

Difícil também nas coisas de cama. Possivelmente porque tivesse sangue mouro, os vastos pentelhos até o umbigo o atestavam, embora não houvesse registro quanto a isso na família dela. Pois essa moça Catarina, o que tinha de pentelhos, tinha também de quentura. Queria sempre mais e mais, era um desparramo, um exagero. Manuel não dava conta.

Tinha ele que levantar às três e meia da madrugada, para preparar o forno e a primeira fornada de pão da manhã. E depois emendava o resto do dia no trabalho pesado, atendendo os fregueses, entregando pão nas casas e estabelecimentos, a pé e de bicicleta. Chegava em casa, ao cair da noite, meio morto de cansaço.

Nem bem chegava, já vinha aquela moura insaciável para cima dele, era um terror! Terror porque Manuel sabia que não ia dar conta, mal conseguia funcionar uma vez – e nem todos os dias – de tão cansado. Mas a moura queria mais e mais. Aí ficavam ambos irritados, ela porque insatisfeita, ele porque chateado com o resultado. Evidentemente, uma situação assim só poderia fazer o casamento degringolar. Catarina perdeu todo o respeito pelo marido e este desandou a comer cada vez mais e a engordar como um porco.

Depois de uns dez anos de casados, ele já tinha o aspecto de uma pipa de vinho apoiada sobre dois finos gambitos. Para piorar, os cabelos deram para cair quase que de repente e, em pouco mais de dois anos, uma careca reluzente se afirmava em meio aos cabelos pretos remanescentes nas laterais da cabeça. Manuel, que nunca fora belo, ficou um espetáculo de feiúra!

Catarina acabou se aquietando, parou de importunar Manuel todos os dias, contentava-se com umazinha só uma vez por semana. Não há mesmo nada como tempo para passar... A paz se fez no lar sem filhos dos Trindade e Gouveia. Sim, sem filhos, essa era outra tristeza de Manuel, já agora chamado de Manuelão, por causa da enorme barriga. Deus não lhe dera a felicidade de um Manuelzito, que usaria esse seu mesmo nome para manter a tradição da família, longa de várias gerações. Um dos dois deveria ser estéril. Ora, evidentemente que só poderia ser aquela diaba louca por cama, mulheres assim nunca dão boas mães. Deus estava vendo isso lá de cima e não permitira que a infeliz pusesse crianças no mundo para serem mal criadas, carentes de mãe.

Mas um dia a paz de Manuelão, conquistada a duras penas, ruiu por terra. Um bilhete anônimo, uma campana e lá estava a safada rolando no paiol com o filho do vizinho, moleque de seus dezesseis anos apenas. Manuel deu uns safanões nos dois, o moleque conseguiu escapar e sumiu do lugar. Mas a mulher teve que agüentar toda a raiva e frustração do marido. Apanhou sem parar de chamá-lo de frouxo, de molengão, de ruim de cama, de gordo broxa e muito mais. Apanhou e bateu. Apanhou de tapa e pontapé. E bateu de boca, de palavras duras, de acusações de incompetência, corno porque merecia; Paneleiro, não podia ser homem de verdade. Ser chamado de paneleiro deixou Manuel completamente possesso e ele reforçou o estoque de pancadas. Aí chegaram os vizinhos e conseguiram apartar o entrevero.

Mas o dano já estava feito. Reputação de corno acabava com qualquer um por ali  e Manuel não era homem de matar ninguém, não lavaria sua honra com sangue, única forma de comprar o indulto daquela gente atrasada. Logo nos primeiros dias, tendo Catarina voltado para a casa dos pais, na cidade do Porto, Manuel viu seu negócio degringolar. Pouca gente ia buscar o pão em seu estabelecimento, a outra panificadora do lugar cresceu com a nova procura, apesar de fazer um pão de sofrível qualidade. Era o fim.

Não lhe restando outra opção, encerrou o negócio, despediu-se dos parentes e embarcou de terceira classe para o Brasil, desembarcando no porto de Santos, dali seguindo para São Paulo. Trazia referências para vários trasmontanos já influentes na capital e foi muito bem recebido pela comunidade. Desta forma, com muito trabalho e muita economia, conseguiu se estabelecer ali no bairro do Brás, prosperou e agora, na quadra dos sessenta anos, podia-se dizer que era um vitorioso.

Quanto a mulher, ficou escaldado com Catarina. Nunca mais quis saber de outra esposa. Usava apenas os serviços profissionais de algumas garotas de programa, ocasionalmente, quando a pressão subia demais nos bagos. Acostumado a economizar cada tostão duramente ganho, Manuelão detestava ter que dar dinheiro a putas. Mas, de vez em quando, que remédio... Mas isso só depois de muito regatear, pedir desconto ao telefone, botar defeito no serviço depois da execução, recusar-se a pagar o taxi. Enfim, toda e qualquer manobra mesquinha que permitisse poupar alguns caraminguás.

Manuel Gouveia, 118 quilos bem montados em cima de um metro e sessenta de altura, tinha sido, sem que o soubesse, um multicorno de longa data, pois o flagrante dado em Catarina com o garoto do vizinho revelara apenas um dos muitos adornos que construíram sua volumosa galhada em terras lusitanas. Manuelão virou um desiludido do amor, descrente da fidelidade das mulheres, descrente também de sua capacidade de satisfazê-las sexualmente, aqueles monstros insaciáveis, libertinas de uma figa, prontas a adornar seus maridos e a se comportarem como putas. Pois, se putas iam ser, putas muito caras lhe sairiam. A bem da segurança e da economia, optara por ficar com as putas propriamente ditas, as profissionais.

(Extraído de  “ATALIBA, UM PAULISTANO FELIZ” – Milton Maciel – IDEL, 2009 – pgs. 50 – 54)

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