terça-feira, 19 de fevereiro de 2013


O CERCO  – 10 
MILTON   MACIEL    

Resumo do cap. 9 – Alana, em Aurelianum (Orléans), invade o grande salão de reuniões de Teodorico I, que está em discussão com seus aliados romanos e burgúndios. Desfeiteada por um capitão burgúndio, ela aplica-lhe um corretivo exemplar. E depois pede e consegue do rei visigodo a concessão de 200 cavaleiros, que começa a levar, na mesma noite, em direção a Catalauni (Châlons). Tem muita pressa, para chegar a tempo de ajudar no combate aos hunos que cercam e atacam a cidadela.

A cavalgada pela mata e pelo rio

Faltavam duas horas e meia para o sol nascer quando Alana e seus cavaleiros visigodos avistaram uma luz bruxuleante a grande distância. Pelo tamanho, era, certamente, a fogueira do acampamento huno de retaguarda. Daquela fogueira em diante, por muitos quilômetros, haveria hunos acampados, até chegar à sua vanguarda de cavaleiros. E ao nascer do sol, com certeza, eles já estariam em movimento outra vez.

Era preciso que ela e seus seguidores deixassem então a grande estrada e penetrassem na floresta, onde o deslocamento seria particularmente difícil, por causa da escassa luminosidade, proporcionada por uma lua quase minguante. Pelo menos a floresta, naquele trecho que usariam, não era muito densa, permitindo o avanço de cavaleiros montados. Mas a velocidade em que avançariam haveria de ser, naturalmente, muito reduzida. Ainda assim, se não parassem muito, seria suficiente para contornarem o todo das tropas de Átila e seus hunos.

Para os cavalos, a redução da velocidade de um galope acelerado para uma marcha normal cairia como uma bênção. Contudo uma parte considerável de esforço ainda sobrecarregaria suas patas, porque o caminho, desde a entrada na floresta, era de uma subida consideravelmente íngreme. Alana estava conduzindo sua tropa para o terço inferior da montanha, onde sabia que poderia encontrar as corredeiras do grande rio e descer então pela picada íngreme, que a ladeava pela esquerda.

Quando o sol saiu no horizonte da planície de Châlons, Alana e seus cavaleiros ainda marchavam em direção às corredeiras, mas estavam agora a mais de 12 quilômetros da estrada por onde avançavam, com lentidão, os hunos de Átila. A marcha haveria de continuar pelo resto do dia, só que agora Alana podia comandar intervalos de repouso para animais e homens, uma vez que estavam muito longe do inimigo. Os cavalos conseguiam encontrar comida de sobra nos espaços entre os troncos das árvores. E a água corria abundante, livre e tumultuosa nas corredeiras, disponível para todos. Lá pelas oito horas todos pararam e afrouxaram os arreios dos cavalos, levando-os para beber água e liberando-os, vigiados, para que pastassem à vontade. Os homens fizeram um rápido repasto com o material que traziam em suas mochilas de montaria.

E depois de um intervalo de menos de uma hora, em que Alana a todo instante consultava o avanço do sol acima das árvores, para medir o tempo, todos se puseram de novo em marcha, agora começando a difícil tarefa de descer os íngremes e estreitos carreiros que margeavam as corredeiras. Seria aí que despenderiam o maior número de horas de caminhada, mas isso era simplesmente inevitável.

Caía já a tarde, quando Alana sinalizou que era chegado o momento de afastarem-se todos do rio e suas corredeiras, retomando uma trilha pela floresta, em direção à estrada principal outra vez. Nesse trecho, a distância entre o rio, que descia selvagem a montanha, e a estrada era de menos de cinco quilômetros. Mas, em compensação a floresta, além de continuar numa descida íngreme, era muito mais fechada nesse trecho, de forma que a velocidade de avanço foi quase tão lenta quanto a da subida. Mas, pelo menos, a distância a percorrer era muito menor.

Quando a nova noite chegou enfim, a sacerdotisa com um grito de contentamento, dirigiu-se a sua companheira Almarak, que disparou imediatamente a pleno galope. Estavam de nova ao leito da grande estrada, muitíssimo à frente da vanguarda huna, que era forçada a esperar pelo grosso da tropa, a qual estava impossibilitada de um deslocamento rápido como o da cavalaria. Agora que tinha encontrado a retaguarda huna, Alana podia estimar que o avanço dos invasores se dava de um maneira tão lenta que eles levariam mais de oito dias para chegar à grande planície de Châlons.

Já sua situação era muito mais favorável. Sua Almarak era uma recordista de velocidade: À toda brida, numa competição em cancha reta, podia chegar à impressionante velocidade de 50 quilômetros por hora. Ou seja, poderia cobrir a distância entre Orléans e Châlon em apenas quatro horas. Mas, claro, isso era apenas um cálculo vazio, pois nem mesmo Almarak, que dirá outros cavalos, poderia agüentar um tal esforço muscular por mais do que uns poucos minutos. Na prática, Alana se dava por feliz por estarem agora a cerca de 150 quilômetros de Châlons ainda e por terem conseguido se afastar 50 quilômetros de Orléans, pelos difíceis caminhos da floresta e do rio, numa marcha forçada de quase um dia completo, com duas paradas de repouso somente.

Agora a o restante da marcha, pela estrada principal, em suave declive até Châlons, seria uma maravilha, se comparada com a jornada do primeiro dia. Dosando com cuidado o esforço dos animais, poderiam fazer o percurso restante em menos de um dia. Alana esperava cavalgar de noite e de manhã, chegando a seu destino final em algum momento da tarde seguinte. Os membro de sua tropa de visigodos não queriam acreditar que aquela mulher os estivesse conduzindo a seu destino com tal velocidade final. Para eles, aquilo era uma clara impossibilidade. Os cavalos não resistiriam a tão poucos intervalos de recuperação, como os que ela propunha.

No entanto, observaram alguns mais atentos, havia alguma coisa diferente com seus cavalos desta vez. Quando paravam para beber água, comer e descansar, a sacerdotisa vinha com sua égua, que a seguia por onde ela fosse, e parecia que ela – e também a égua – como que conversavam com os animais. Alana, ao invés de descansar ela mesma, ficava andando de cavalo a cavalo, falando alguma coisa para eles o tempo todo. A égua Almarak, a todo instante, emitia relinchos curtos e de baixa intensidade, ao qual muitos dos cavalos respondiam de forma similar. O fato é que, na hora de retomarem a marcha a galope, os cavalos visigodos pareciam totalmente recuperados, como se estivessem na primeira hora da jornada, quando recém saíam de Orléans.

A segunda batalha do “lago”

Em Châlons, os chefes hunos tinham agora um novo plano de batalha. E, como já o esperavam os francos e as sacerdotisas Kyna e Vérica, só poderia ser um: avançar simultaneamente numa manobra em pinça, com a cavalaria contornando o “lago” e caindo sobre as muralhas da cidadela. Ou sobre os próprios francos, fossem eles loucos o suficiente para esperá-los em campo aberto, com sua raquítica infantaria.

Os planos de ataque foram estabelecidos em função da narrativa dos que haviam participado e sobrevivido no primeiro ataque. Eles conseguiram descrever com razoável exatidão a posição dos pontos de onde haviam partido os ataques com flechas, as casamatas protegidas de onde os arqueiros francos haviam atacado os hunos. Era evidente que por ali passavam caminhos sólidos, não alagados, nas margens esquerda e direita do “lago” amaldiçoado dos francos.

Teriam que avançar ainda um pouco às cegas, porque o enorme capim gigante não permitia nenhuma visibilidade até alguém estar totalmente embrenhado dentro dele. Mas agora as probabilidades de sucesso no avanço eram imensamente maiores.

Então, assim que o dia começou, os cavaleiros hunos começaram e se dispor para o ataque. Estavam acampados a cinco quilômetros do rio, o que só permitia uma visibilidade limitada a partir da muralha da fortaleza franca. Mas era o suficiente para perceber que a movimentação significava o apronto para mais uma carga de cavalaria huna.

Os invasores partiram a galope antes das dez horas e atingiram a passagem rasa do rio em poucos instantes. Até ali, nenhuma surpresa por parte dos francos, não havia mais arqueiros a esperá-los. Possivelmente agora, ante sua grande inferioridade, quer numérica, quer por não disporem de cavalaria, eles se limitariam a ficar dentro da cidadela e defendê-la do cerco huno.

Tendo transposto o rio, os hunos puderam, com toda calma, sem serem emboscados por francos desta vez, estudar com cuidado as duas passagens que existiam dos dois lados do “lago”. Ficaram surpresos ao constatarem como essas passagens eram estreitas, menos de 6 metros de largura cada uma, muito sinuosas, só quem as conhecesse muito bem poderia se deslocar por elas sem cair nos perigosos alagados. A passagem por elas teria que ser, obrigatoriamente, realizada em fila, com no máximo dois cavaleiros lado a lado, até que pudessem chegar ao início da parte íngreme da planície, já próxima da cidadela. O reconhecimento e estudo do terreno levou quase duas horas e os chefes levaram outro tanto discutindo entre si a melhor tática a seguir. Por fim concluíram que só havia uma coisa a fazer: dividir a tropa em dois grupos, transpor as passagens estreitas com cuidado e lentidão, reunir todos os cavaleiro do outro lado e começar a subida para a fortaleza. Em resumo, o mesmo plano que haviam estabelecido em teoria, na noite anterior. E o mesmo plano que os francos esperavam que eles seguissem. Exatamente o mesmo.

Eram cerca de duas da tarde quando os cavaleiros hunos começaram a transpor as passagens estreitas, cavalgando lentamente e com o máximo cuidado. Depois de meia hora, já começavam a dispor-se em linha para a primeira grande carga contra a muralha. Alguns cavalos, em comboio, transportavam as escadas de assalto e o pesado aríete.

A essa hora, a brigada visigoda da sacerdotisa Alana estava a menos de uma hora de Châlons.

A segunda batalha do “lago” parecia agora que não teria a participação da área alagada. Disso tinham certeza os hunos quando partiram em sua arremetida a toda velocidade. Mas estavam enganados!

CONTINUA

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