domingo, 14 de abril de 2013


A NOIVINHA – 9 
MILTON  MACIEL

Final da parte 8
  – E mecê qué qui eu dê um corretivo no home qui fez isso?

– Foi como lhe escrevi. Você é que é o pai e a ela não tem mais ninguém no mundo que possa defender a coitadinha. Sabe, o homem que fez isso é muito ruim e muito perigoso.

– Pois si é um tar di João Boto, não é? I esse era o marido qui ocê tinha agora, não é?

PARTE 9
– É. Tudo aconteceu do jeito que tá na carta que você leu. Me desculpe  pelos garranchos, foi um custo conseguir escrever aquele tantão de palavras. Mas carece que você tome tento, o homem é muito tinhoso, é perigoso, anda armado. É muito violento, também, me batia muito e nas crianças também.

– Pois mecê num pricisa di si preocupá mais cum esse coisa ruim.

– Ai, Dito, quer dizer que você vai mesmo fazer alguma coisa, castigar o infeliz? Ah, eu tanto que rezei pra Deus me dar ao menos esse gostinho, de ver aquele maldito castigado pelo que fez com nossa menina, tão criancinha ainda! Ele judiou tanto da pobrezinha! E assustou tanto a pequena que ela fugiu de casa e nunca mais voltou!

– I mecê sabe donde qui tá a minina agora?

– Ah, Dito, é tanta da desgraça que acontece com gente pobre que nem nós! Tanta da vergonha! Pois eu tenho até medo de lhe dizer onde nossa filhinha foi parar. Eu bem que tentei ir em socorro dela, mas o desgraçado me surrou e me ameaçou de morte se eu ajudasse. Sabe, ela não quis seguir se dando pra ele e ele tá castigando ela assim, forçando a pobrezinha a cair na vida! Na vida, Dito! Diz que nossa menina tá se vendendo na estrada, desgraça maior não pode acontecer pra uma mulher, imagine pra uma criança! Mas eu não acredito que isso seja verdade...

  E Marta não conseguiu mais se segurar, prorrompendo num choro sentido e desesperado.

– Chore não, mãinha ­– suplicou a menina que estava assistindo a tudo calada até então; chorava também, muito assustada – Deus vai proteger maninha, vai ajudar, você vai ver. E vai castigar aquele desgraçado, você vai ver... Tem que castigar...

– Essa é Manuela, minha menina mais velha, tem quase doze anos – Marta falou entre soluços, enquanto abraçava a garota – Cumprimenta o moço, Manuela, esse é o pai de Ritinha.

   Manuela fungou e mexeu a cabeça, à guisa de um cumprimento. Bem que tentou falar alguma coisa, mas estava muito assustada e muito nervosa, seguia soluçando sem parar.

   Olhando para aquela menina e para a mãe dela, o duro coração de Dito Timbó se abalou. Ficou um tempo encarando a criança fixamente. Era a primeira vez que atentava para a situação que poderia ser a de muitas de suas filhas mulheres, deixadas por ele ao Deus-dará por esse mundo. Estranho, aquela ali nem era a sua filha – se é que a outra o era de fato – mas o homem sentiu uma genuína compaixão por aquela menina-moça. Não tinha podido fazer nada por Ritinha, que agora já não tinha mais jeito, já era mulher-dama. Quem sabe não devia fazer algo por aquela ali, antes que algo parecido lhe acontecesse? Mas não era homem de palavras, não sabia o que dizer em momentos como esse. Então resolveu esperar que as duas parassem de chorar, o que levou ainda uns bons minutos para acontecer.

– Me desculpe, Dito. E a Manuela também. A gente tá tão sofrida agora, você nem pode imaginar. E aquele bandido por aí, ameaçando a gente, me apavorando dizendo que vai fazer o mesmo com esta aqui, impedindo a gente de ajudar a pobre da Ritinha.

– Tá não – foi tudo o que Dito Timbó conseguiu falar. Estava com uma bola esquisita atravessada na garganta, até parecia o dia em que mãinha tinha morrido picada de cobra, quando ele tinha nove anos e os homens chegaram trazendo o corpo dela da caatinga, toda inchada, os olhos abertos e esbugalhados.

– Não entendi o que você disse, Dito. Quem que tá não?

­– Tá não – repetiu Dito com dificuldade, como que ruminando as palavras entre os dentes. A tal da bola continuava na garganta.

– Tá não??...
 
   Por fim o homem conseguir destravar:

– Tá mais por aí, não. A gente já deu um jeito nele, num sabe?

Em João Boto?! Não me diga que você já encontrou o desgraçado, Dito! É verdade ou eu, muito burra, entendi tudo errado?

– Verdade, sim. Nós já incontremo o desinfeliz i já demo um jeito nele. Esse num incomoda mais ninguém. Num tem mais pirigo di fazê mal a essa aí o a mais ninhuma outra.

– Quer dizer que vocês mataram o animal?! – Marta não cabia em si de surpresa e contentamento – O maldito tá morto?! Capado?

– Capado, sim. Morto, não. Ainda não.
CONTINUA

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