quinta-feira, 11 de abril de 2013

O CERCO - CAP 43
MILTON  MACIEL
PENÚLTIMO CAPÍTULO

Resumo do cap. 42 – Vérica não permite que Meroveu e Armosic conduzam os francos que sobraram vivos no encalço dos ostrogodos; Ao invés disso ela lhes diz que devem ir imediatamente para a fortaleza. Ela, no entanto, permanece a noite toda no campo de batalha, entre os milhares de mortos, sem mostrar o menor medo. Ao amanhecer, ela encontra o corpo do rei Teodorico I dos visigodos e, pouco depois, mostra-o ao filho dele o príncipe Torismundo. Para este, a jovem sacerdotisa diz que ele deve voltar imediatamente com seus soldados sobreviventes para Toulouse, única maneira de impedir que seus irmãos o matem para evitar que ele assuma o trono como legítimo príncipe herdeiro. Torismundo queima o corpo do pai e parte imediatamente.

ÁTILA EM DESESPERO

O rei dos hunos estava desolado. Essa havia sido sua primeira grande derrota militar. Uma contagem exata era impossível naquela manhã do horror dos horrores, mas os chefes sobreviventes e ele mesmo estimavam que os hunos poderiam ter perdido metade de todo o seu exército em uma única tarde.

Não havia a menor dúvida quanto à derrota total, acachapante. A qual atingira também os ostrogodos. Os efetivos remanescentes deles e dos hunos estavam completamente desmoralizados, exaustos, muitos deles feridos também. Os mais feridos tinham sido abandonados a sua própria sorte, a maioria deles já deveria ter morrido, sem dúvida. Só os que conseguiram ter forças para atingir o refúgio extremo com suas próprias pernas tinham alguma esperança de sobreviver. Isso se tivessem a ventura de curar-se sozinhos, pois não havia quem os pudesse socorrer, nem havia medicações que lhes pudessem ser aplicadas.

Também não havia dúvida alguma, para hunos e ostrogodos, que a derrota estava previamente configurada a partir do momento em que ocorrera a inesperada traição dos gépides. Com a inesperada e inconcebível retirada deles do campo de batalha, todo o exército romano ficara inteiramente livre para cair sobre os hunos. E o fizera pela retaguarda, já que Átila, em seu afã de vingar-se do rei dos alanos, Sangiban, havia conduzido um avanço excessivamente imprudente, deixando-se colher numa armadilha com a fuga apenas parente dos alanos.

Ninguém tinha coragem de falar, mas todos os que entendiam um mínimo de estratégia militar, sabiam que Átila tinha cometido um grande e grosseiro erro. Átila também o sabia, mas ele não mencionava nada. O tempo inteiro limitava-se a imprecar contra Ardaric e os gépides covardes, responsabilizando-os inteiramente pela derrota sofrida.

Quanto mais o sol subia sobre a desolada planície, mais os hunos e os ostrogodos conseguiam ver como era desesperadora sua situação. Com seus efetivos muito provavelmente reduzidos à metade do que tinham no dia anterior, viam que, no lugar onde havia sido o acampamento dos inimigos então, aglomeravam-se ainda grandes contingentes de romanos, visigodos, francos, burgúndios e os malditos alanos, que quase não tiveram perdas.

Era evidente que, assim que conseguissem se organizar, esse inimigos desfechariam um tremendo ataque total, ao qual hunos e ostrogodos não teriam condições de resistir. Átila resolveu se preparar pessoalmente para esse momento. Mandou um pequeno grupo de homens esgueirar-se pelo campo, bem próximo às carroças, e recolher quantas selas pudessem retirar de cavalos mortos.

Quando os homens voltaram com as selas, Átila ordenou-lhe que as empilhassem, formando assim a base para uma fogueira, uma vez que não podiam encontrar madeira para ela. A seus dois generais mais leais ele explicou para que serviria aquilo.

– Em pouco tempo, os inimigos cairão maciçamente sobre nós. É evidente que nós não temos mais condições de vencê-los. Vamos lutar é certo, pois não somos covardes. Mas eu serei o grande troféu que eles esperam levar consigo. Vivo ou morto. Bem, eu lhes digo, nem vivo, nem morto. Eles não terão o corpo de Átila para exibir. No momento em que eles tiverem estabelecido sua superioridade e vierem por mim, não me encontrarão.

– E o que o senhor pretende fazer, rei Átila?

– Quando eles se aproximarem deste nosso último reduto e quiserem transpor a linha de carroças que estaremos defendendo, então vocês colocarão fogo na pilha de selas. E eu, assim que tiver certeza que os inimigos vêm a mim, pularei eu mesmo, sem medo algum, dentro da fogueira de selas. E eles não terão o corpo do rei dos hunos para humilhar e exibir como troféu. É impossível fazer isso com um monte de cinzas e ossos calcinados, que não mostram identidade

– Sábia e corajosa decisão, senhor! Admirável idéia, pois deixará os inimigos frustrados e desagradavelmente surpresos. Eles nunca terão Átila, não poderão humilhá-lo.

O resto da manhã, hunos e ostrogodos esperaram pelo grande ataque dos aliados. Mas este não veio. No meio da manhã eles viram uma grande fogueira acesa no setor que havia sido dos visigodos. Havia ali um grande número desse godos, efetivamente, e uma fogueira alta como aquela só podia ser uma pira heróica. Um grande chefe dos aliados havia então morrido, como predito pelos aúgures que leram o futuro da batalha nas tripas dos animais sacrificados. O morto era um visigodo, não Flávio Aécio, como Átila esperava.

Então, certamente, o morto só podia ser o rei dos visigodos, Teodorico. Se fosse o príncipe, dificilmente lhe prestariam tais honras. Mas o que mais surpreendeu os hunos, pouco depois, foi ver que os visigodos formaram um grande batalhão e começaram a se retirar com todos os seus carros de suprimentos, com toda a sua lendária cavalaria. Qula seria o significado disso?

Os chefes hunos e Átila confabularam e chegaram à conclusão que aquilo poderia ser perfeitamente uma manobra para dar a eles a impressão de que os visigodos iriam embora. Partiriam pela Via Agripa rumo ao sul e logo estacionariam, ocultos pela floresta. E então , quando os outros inimigos atacassem o reduto último dos hunos e ostrogodos, que teriam que dispor seus homens em função dos soldados agressores, os visigodos voltariam rapidamente e cairiam sobre os flancos mais desguarnecidos dos hunos.

Um outro enigma para Átila era a total ausência do seu exército Norte, que havia tido tempo suficiente para voltar das cercanias de Lutécia e poderia ter chegado ao menos ao outro lado do rio Marne. Milhares de homens de coragem, como os hunos, não hesitariam em correr o grande risco de atravessar o rio a nado com seus cavalos, para poderem integrar-se se à batalha. Certamente muitos desses heróis pereceriam na travessia, mas a maioria dos homens chegari ao outro lado e então a história de batalha teria sido completamente diferente.

Contudo, nem só os hunos do Norte não chegaram, como o enorme contingente dos Gépides havia simplesmente abandonado sua aliança com os hunos e os deixado à mercê do exército romano. Em números, isso queria dizer que nem os 25 mil homens do exército Norte chegaram, nem os 6800 gépides enfrentaram os romanos. Haviam desertado covardemente. Uma grossa traição, pois era evidente que um acordo prévio com os romanos teria sido necessário, já que estes não haviam atacado os retirantes.

Dois malditos traidores que ele ainda haveria de justiçar: Sangiban, dos alanos e o maldito Ardaric, dos gépides. Os dedos de Átila crispavam-se sobre o punhal, enquanto ele se imaginava empurrando-o no coração de cada um daqueles dois vermes traidores.

Mas havia mais surpresa desagradável para o rei dos hunos. Subitamente, sem que os hunos sequer tivessem tempo de perguntar-lhe como fizera para chegar ali, o jovem mensageiro ostrogodo, que Átila escolhera pessoalmente para mandar ao encontro do general Uldin, o líder do exército Norte, saltou do cavalo em frente a Átila. O jovem mensageiro, ainda quase um menino, contava que tivera êxito e trazia consigo um anel de Uldin que Átila reconheceu de imediato, pois ele mesmo o presenteara ao general, em agradecimento a sua competência e lealdade.

Lealdade essa que o mensageiro estava botando por terra agora. A história que o rapaz contava era terrível. E só serviu para aumentar o nível de desespero em que o rei dos hunos estava. Até mesmo seu general mais importante o havia traído!

Uldin e Gorthand

Um parêntese se impõe neste instante da narrativa, narrando a façanha de Gorthand, o jovem mensageiro ostrogodo, nas proximidades de Lutécia (Paris). Depois de desempenhar muito bem sua farsa ante os hunos que haviam cercado a cidadela, induzindo-os a fugir em desabalada carreira dos “milhares” de visigodos e das ‘centenas” de bruxas que se multiplicavam, dias atrás, o rapaz havia galopado dia e noite em busca do exército Norte de Átila. Alternado suas roupas, ora vestido como huno, ora como um gaulês comum, andando muito na parte da noite e madrugada, Gorthand conseguiu chegar ao lugar onde o grande exército huno estava acampado, no início de seu cerco a Lutécia. O rapaz trazia consigo uma ordem pessoal, assinada por Átila em pessoa, com seu sinete e lacre, que só poderia ser entregue ao comandante supremo do exército Norte.

O mensageiro foi levado imediatamente à presença do chefe huno, que estava em sua tenda banqueteando-se com outros militares e com três mulheres. Quando lhe indicaram quem era Uldin, o menino estremeceu. Era ÊLE! Ah, enfim acontecera!

Sim, não havia dúvida alguma: aquele era o maldito general huno que havia passado a fio de espada toda a sua família. Por causa daquele amaldiçoado ele servira aos hunos durante dois anos, sempre na esperança de conquistar a confiança deles e chegar um dia a encontrar o bandido. Pois isso acabava de acontecer. Bem ali, à sua frente, estava aquele monstro que era o homem a quem ele mais odiava.

Por um momento o menino ostrogodo considerou suas chances. Teria que saltar em cima do desgraçado, já sacando o punhal que tinha escondido sob a roupa. A surpresa não daria tempo de o huno reagir e, antes que os outros hunos o pegassem e matassem, ele teria desferido tantos golpes quando pudesse no odiado inimigo. Era isso que ele havia se prometido desde o dia em que sua família fora covardemente executada por aquele animal cruel e seus homens mais próximos.

Mas foi quando reconheceu em muitos daqueles homens ali dentro vários dos que haviam executado a chacina que dizimou sua família e as de seus vizinhos, que o rapaz ostrogodo decidiu que não devia agir por impulso. Precisava de tempo para pensar. Entregou o documento original de Átila, inconfundível e autêntico para Uldin, mas com o texto alterado por Vérica. E Gorthand recitou todo o texto de cor, em voz bem alta, para que todos os presentes pudesse se inteirar da ordem de Átila. E a ordem era claríssima:

Abandonar o cerco a Lutécia e seguir imediatamente em direção a Aurelianum (Orléans). Lá chegando, impor o cerco à cidade e invadi-la. E aguardar ali, dentro da cidade fortificada conquistada, pela chegada de Átila e seu exército, que estaria voltando depois de ter feito uma retirada estratégica de Aurelianum pela Via Agripa, para atrair romanos e visigodos, dar-lhes batalha e derrotá-los.

Uldin e seus lugares-tenentes estranharam muito a ordem de Átila e começaram a discutir entre si qual poderia ser a razão daquela súbita mudança de objetivo. Mas o mensageiro começou a atuar de novo de forma extraordinária. Pedindo licença para falar, ele relatou que Átila e os hunos, junto com seus aliados, gépides e ostrogodos, já tinham conseguido atrair os romanos e seus aliados para uma armadilha, onde os haviam derrotado completamente. E, imediatamente, haviam retomado a marcha para o Sul, para tomar Aurelianum e entrar por ali no caminho que os levaria até Ravenna e Roma.

Uldin e os outros chefes acabaram convencidos por esse relato e decidiram partir logo na manhã seguinte, para cumprir as determinações de seu rei. O jovem mensageiro foi muito bem recompensado, com moedas de ouro, pelo grande serviço prestado aos hunos. Deixaram-no sentar-se ali com eles e comer e beber do melhor que tinham. Dessa forma Gorthand ficou sabendo de muitas coisas sobre aqueles homens. A primeira coisa foi tratar de decorar os seus nomes.

Então o menino agradeceu a gentileza com que fora tratado e grande recompensa que ganhara, mas falou que precisava partir imediatamente, levando a resposta do general Uldin para rei dos hunos. Com este não sabia ler ou escrever, coube ao próprio mensageiro decorar todas as palavras da mensagem do general a seu rei. O jovem pediu ao general um objeto  que comprovasse que ele havia efetivamente estado com ele. Uldin não teve dúvidas, deu-lhe logo o anel que Átila lhe havia dado, explicando isso ao garoto.

Quando se despediu do odioso Uldin, Gorthand já tinha tudo pronto em sua mente. Seus familiares e vizinhos seriam vingados. E o vingador deles seria o próprio Átila em pessoa. Ou, quiçá, Flávio Aécio.

De volta a Catalauni

Agora, contemplando toda aquela gigantesca desolação que era, à plena luz do dia, o horror dos horrores, Gorthand se sentiu feliz e justificado. Sim, ela fizera a sua parte: nenhum maldito huno viera ou viria ainda de Lutécia para ajudar o malfadado Átila. Mas a mensagem que ele trazia de Uldin para Átila haveria de deixar ao rei dos hunos perplexo e furioso:

– Senhor rei dos hunos, esta é a mensagem que lhe trago do general Uldin:
1 – O general diz não ter mais confiança em sua liderança e temer que o senhor leve os hunos a uma grande derrota.
2 – Por essa razão ele lhe devolve esse anel e rompe suas relações com o senhor e seus generais.
3 – Ele é forte e competente o suficiente para conquistar Lutécia e Aurelianum sem precisar servir a um rei tirano, incompetente e incapaz de ganhar a guerra contra os romanos. Ele tem a lealdade dos melhores generais hunos para com ele.
4- Toda a parte dos saques que está em posse de Uldin, deixa de ser de propriedade de Átila e passa a ser propriedade de Uldin.

Gorthand observou que os olhos pequenos de Átila se cobriram de tristeza primeiro e de ódio depois. Sem dúvida, sua idéia de vingança estava completa. Nem ele precisara colocar sua vida em risco nem tivera que sujar suas mãos com sangue de bandidos. Átila haveria de fazer isso. Uldin e seus comandantes estavam com seus dias contados. Primeiro cairiam nas mãos dos visigodos, alanos e romanos, que os iriam esperar em Aurelianum. E, os que lograssem escapar, voltando ingenuamente em direção a Átila, seriam recebidos por ele como traidores e, certamente, no melhor sistema huno, executados a flechadas antes mesmo que tivessem tempo de descer dos cavalos.

CONTINUA

 




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