quinta-feira, 9 de maio de 2013

RITINHA - 15  
MILTON  MACIEL

Final da parte 14

  Mas Iracema era muito mais do que isso, muito mais do que maravilhosa. Iracema era a bondade e a pureza em sua máxima expressão. Amava Iracema mais do que a uma irmã, amava-a com todas as forças do seu coraçãozinho ainda infantil e puro, e não nascera irmã ou filha de Iracema. Sabia que amava Iracema acima de tudo e que era amada do mesmo modo. Um amor puro, diferente, de almas gêmeas, de pessoas que precisam estar juntas uma da outra o tempo inteiro.

  Não, Ritinha não iria para Missão Velha, seu lugar era com Iracema. Num quartinho, na rua, num puteiro, numa escola interna, não importa onde. Onde estivesse Iracema, ali estaria, sempre e sempre, o coração de Ritinha. Via isso com toda clareza.

PARTE 15
   Precisava conversar com Iracema a sós. Tinha uma idéia para discutir com ela. Precisavam achar um jeito de ficarem juntas, não deixar que nada as separasse. Pelo que ela ouvira falar das manias do pai, tinha certeza que ele não aceitaria Iracema junto com a família de Marta. Para ele, uma vez quenga, sempre quenga. Iracema não tinha a menor chance. Por isso, ao saber do projeto da mãe, de ir viver com Dito Timbó, desistira de insistir com Iracema para que ficasse, como o tinham feito Manoela e Marta.

   Não, Iracema não ficaria, não poderia ficar. Mais uma vez seria escorraçada como um cão sarnento, como uma leprosa. Por que era quenga. Aquele homem não ia querer saber que ela era só uma criança ferida e abandonada, que tivera que encontrar a sobrevivência na prostituição à que a própria mãe a havia arrojado aos onze anos. Iracema iria embora.

   E quando Iracema fosse embora, ela, Ritinha, iria embora com Iracema. Não haveria força alguma nesse mundo capaz de impedi-la de fazer isso. Por Iracema, faria qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo!

  Precisavam conversar, estabelecer um plano, talvez fugir dali, quem sabe. Ritinha estava disposta a tudo, desde que não tivesse que se separar de Iracema. O coraçãozinho da menina estava em alvoroço, aos pulos, ela estava ansiosíssima para encontrar uma solução para o que iria se mostrar como um grande impasse, tinha certeza.

   Estava nessa agitação mental, nervosíssima, quando viu Iracema se aproximar de Marta e Timbó e puxar assunto. Àquela altura dos acontecimentos, os filhos de Timbó já tinham lhe contado tudo o que acontecera e Bastião e Osmar haviam garantido que a irmã nunca se prostituíra. E que o povo maldoso havia inventado isso porque Ritinha andava com Gabi.

Então Dito Timbó quis saber:

– I por causa di que uma minina di famia foi andá justo cum uma quenga nojenta, disgramada?

   Bastião, o defensor perpétuo, enfureceu-se:

– Painho mi adiscurpe di le retrucá, mai painho num sabe o qui tá dizendo – a frase de Bastião fez Jeremias arregalar os olhos, incrédulo. Dito Timbó franziu o cenho, ofendido.

– Mi adiscurpe, peço di novo, painho. Painho sabe cumo le respeito e adimiro. Mas é qui painho num sabe di todas as coisa, di como qui elas si assucedero. Pois essa minina quenga salvô a vida di nossa irmã! Incontrô ela meio morta na istrada, isvaída em sangue do estrago qui o disgraçado fez nela, num sabe? Pois ela levô Ritinha pro hospital, ficô dias i dias cum ela, depois levô pra casa dela, diz qui é só um quartinho piqueno cum banhero qui ela paga aluguel, i foi trabaiá pra modi comprá os remédio i a cumida pra nossa irmãzinha, qui ficava di cama, toda machucada, cum febre alta.

– Arre égua! – exclamou Dito – pois essa quenga foi muito porreta, si foi!

– Pois é, painho ­ – reforçou Osmar – Veja cumo são as coisa. Ritinha percisava di remédio caro, di cumida ispecial. I aí a coitada di Gabi si matava dando pra tudo qui é home qui lhe aceitava, por quarqué dinhero, só pra podê dá di um tudo di qui Ritinha carecia. Painho vai vê qui mano Bastião tá certo. Essa minina é quenga, mai num é nojenta nem disgramada, não.

   Até Jeremias acabou reforçando o coro dos irmãos, para surpresa de todos, especialmente de Dito Timbó:

– Os mano tá cum a razão painho. Essa minina não é cumo uma quenga comum, que num vale nada, só serve pra gente infiá i gozá, num si dá o respeito. Eu nunca tinha visto nada assim. Ela si matô i si mata pra ajudá i protegê Ritinha. Na hora qui a gente tava vindo imbora pra cá, o home do posto qui nos troxe no caminhão mi falô qui ele mesmo cumeu Gabi duas veiz no mesmo dia, só por prato di cumida, qui ele buscava na lanchonete. I ele viu qui, nas duas veiz, a minina não tocô em nada, guardô tudo i foi correndo levá pra Ritinha, no quartinho delas. Quando ela vortô pela terceira veiz, ele, qui já tava broxa di um tudo, ficô foi é cum dó i buscô mais cumida, mas obrigô ela a cumê na frente dele. Ele disse qui ela parecia qui tava morta di fome, di tão dipressa qui ingulia. Ele acha qui ela não cumia há mais de qui um par di dia. Pois painho acridita qui ela, ao mesmo tempo qui tava matando a fome finarmente, ainda tava jogando cumida no colo, pra iscondê í levá mais um bucadinho pra nossa Ritinha?

   Dito Timbó estava estarrecido:

– Ara! Mai qui coisa mais istranha! Ocês tá certo em mi retrucá, Bastião tinha razão di não concordá. Essa minina é mesmo um caso deferente. E tem mais: ela sarvô uma pessoa da famia Timbó. Intão nós tem qui mostrá qui nóis num é ingrato. Nóis tem qui dá uma recompensa pra essa garota. Quantos ano qui ela tem mesmo?

– Diz que quatorze, painho. Quase uma criança ainda. Diz que o caso dela é qui nem qui o de Ritinha. Istruparo ela também, dispois a mãe obrigô ela a fazê a vida, diz que vendeu a fia pra um traficante di criança, qui levaro ela pra sê iscrava nos putero dum garimpo, lá pras bandas do Pará. Esse mundo tá perdido, painho. A própia mãe dela!

– Ocê tem razão, minino. Isso é muito nojento. Isso é qui é nojento, não a pobre da minina. O qui essa mãe feiz é pio qui o feito di João Boto. Afinal, ele era padrasto, a otra era mãe. A mãe! Ah, si eu tivesse conhecimento di uma coisa dessas!  Nem sei di qui jeito qui eu ia picava a disgramada na pexera. Mai num dexava um pedacinho sem cortá, ah, si dexava!

– Pois painho veja só, cumo qui nós tem qui tratá essa minina muito que bem – observou Osmar – Nóis tem obrigação di ajudá ela tanto quanto temo cum Ritinha. O que qui ocês acha?

– Como Ritinha já é ixagero, mano Osmar – foi a opinião de Jeremias – Ritinha é nossa irmã!

– I si nóis tirasse ela da vida? – propôs Bastião, subitamente.

– Sei não, fio. Uma veiz quenga, sempre quenga. Será qui ela vai querê saí dessa vida? I, si saí, será qui num vai querê vortá? – era Dito Timbó e sua irredutível posição.

– Sei não, painho. Mai eu aqui tô pensando qui vô oferecê pra ela i s’imbora pra Juazero comigo.

– Oi só gentes, o mano Bastião tá pensando em si casá! – foi a observação galhofeira de Osmar, que arrancou gargalhadas de todos os Timbós, menos de Bastião.

– Num si faiz di besta, mano Osmar. Eu num sô como ocê qui pensa cum os bago. Eu só quero ajudá essa moça. Tirá ela deste lugar onde ela tá tão manjada, levá pra onde ninguém sabe qui ela foi quenga. I aí nossa famia ajuda ela, dá uma moradia decente i põe pra istudá. Aí nós garante qui ela num vai mais sê quenga.

– Mano Bastião até qui tem razão, si tem – concordou Osmar imediatamente. Acho qui é uma idéia muito da pai-d’égua. Mano Bastião é inteligente também!

   Bastião não coube em si de contente: então Osmar, que era
CONTINUA 

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