terça-feira, 14 de maio de 2013


RITINHA – 20    FINAL 
MILTON   MACIEL 

Final da parte 19
– Ara, mai qui plano mais do bem feito! Foi idéia sua também, Bastião?

– Foi mano Jeremias qui organizô tudo, painho. Falô cum Marta, cum maninha i Gabi, falô cum o home do caminhão, feiz ele telefoná aqui da fazenda pro cunhado, acertô o preço. Porreta, mano Jeremias!

– Pois intão qui seje assim! – decretou, desanuviado, Dito Timbó.

PARTE 20
   Como os filhos lhe explicaram enquanto andavam para a casa-sede, Ritinha havia mudado muito ao saber que o pai ia participar do plano de ajudar Iracema a deixar de ser Gabi. Aliás, agora todos a estavam chamando só de Iracema. Aquilo tinha derretido um pouco do gelo no coração da irmã, quem fizesse algo por Iracema, ganhava acesso ao coração de Ritinha.

   Dito Timbó sentiu um enorme alívio. Osmar, o inteligente, o quase-doutor, o instruiu para ficar na dele, evitar falar com Ritinha, ter paciência, esperar, que a mágoa haveria de passar. Afinal, o esquema pensado por Bastião a deixava junto com a amiga do coração e, ao mesmo tempo, muito perto da mãe e dos irmãos. Manoela, contaram eles, não parava de chorar de alegria, incontáveis vezes havia beijado as mãos e o rosto de Bastião, agradecida. Fizesse painho tudo o que pudesse, o máximo mesmo, por Iracema, por Manoela, por Ritinha também. Cuidasse bem de Marta e dos meninos gêmeos... e pronto! A mágica ia acontecer. Ritinha ia ver que tinha um pai que era um homem bom. Um dia ela poderia aceitar esse pai e se reconciliar com ele. Era só uma questão de tempo, garantia Osmar, concordavam Jeremias e Bastião, satisfeitos. Dito Timbó agora ria, feliz!...

   No outro dia deixaram o município de Barbalha. À noite estavam todos instalados em suas novas casas: Marta, Manoela e os gêmeos com Dito Timbó em Missão Velha. Ritinha e Iracema, felizes por completo na espaçosa casa de Bastião, numa tranqüila rua de Juazeiro do Norte. Fim da prostituição para Iracema, início de vida nova para as duas meninas. Roupas, comida da boa, escola da melhor, respeito de todos às duas irmãs do afamado Bastião Timbó – ele fazia questão de apresentar Iracema como sua irmã também – e enfim a vida sorriu para aquelas duas crianças sofridas, agora felizes, mais unidas do que nunca pelo amor infinito nascido do sofrimento compartilhado    FIM 

Esta página encerra a saga de RITINHA, que começou quando nós postamos o primeira parte do capítulo A NOIVINHA, onde é narrada, em nordestinês puro, a saga da punição do estuprador de Ritinha, seu padrasto João Boto. Na sequência, em RITINHA, tivemos a saga da própria menina, com sua colossal força de caráter e seu amor imenso por sua amiga e salvadora Iracema.

Que era GABI, nome de guerra da quenguinha dos garimpos do Pará e dos postos de gasolina do Nordeste. GABI é IRACEMA é a parte final deste livro “A ESPERA E A NOIVINHA”. Nesta parte, a mais longa de todas,  é contada a pungente história desta pequena guerreira, totalmente baseada em um caso real, de uma menina que foi vendida duas vezes por sua própria mãe. Vou colocar um pequeno trecho desse capítulo aqui,  à guisa de dar fechamento à história conjunta de Ritinha com Iracema/Gabi.De propósito, algumas passagens mais fortes do livro original foram retiradas para a postagem no blog.

(O LIVRO “A ESPERA E A NOIVINHA” pode ser adquirido diretamente de nós, através do e-mail delphos09@terra.com.br . Mande seu e-mail e nós responderemos dando as instruções. Sua aquisição, prezado leitor, prezada leitora,  ajuda o autor a continuar escrevendo para o seu entretenimento e meditação. O preço é extremamente reduzido, para um livro de formato grande, com 240 páginas: 27 reais. Os segmentos dentro deste livro são, além de A NOIVINHA e RITINHA, que já compartilhamos dia-a-dia no blog: GABI É IRACEMA (este capítulo é rigorosamente LEITURA PARA ADULTOS!)  e também A ESPERA, que narra uma tocaia armada por um matador baiano, Nicanor, em Sergipe e seus muitos desdobramentos pitorescos e inesperados,  funcionando como uma sátira política e de costumes).


Gabi é Iracema

   Menina Gabi entrou na casa de Bastião Timbó com o coração apertado. Era emoção demais. Estava sendo acolhida por alguém, pela primeira vez na vida desde que sua mãe a vendera, primeiro ao padrasto, depois ao traficante de meninas. Eram agora três anos e nove meses de abandono, rua, garimpo, rua de novo, Barbalha e, então, o milagre!

   O milagre atendia pelo nome de Ritinha. Colega de abuso e violação, de pancada e desrespeito, quase colega de profissão: quenga! O milagre que era Ritinha chamava-se Amor. Gabi, que era Iracema, amava pela primeira vez na vida. E, sabia, pela primeira vez na vida, que era amada. Ritinha dera todas as demonstrações e provas de amor por ela. E ela, sem deixar qualquer dúvida, pusera à prova todo o imenso amor que sentia pela pequena.

   Gabi sempre esperou por um homem para amar. Um homem forte, bonito, destemido, que a viria resgatar da rua, do puteiro, que a haveria de levar consigo, casar com ela, fazer dela uma mulher de respeito, uma mãe de muitos filhos. Com isso sonhara Gabi infinitas vezes em suas noites sem fim de agruras, fingindo gemer orgasmos debaixo de um homem nojento qualquer. Imaginar que aquele podia ser o seu príncipe ajudava a agüentar as porcarias do desgraçado a quem tinha que servir, ora por míseros trocados, ora por comida ou remédio somente, ora para escapar das pancadas e palmatórias da Polícia.

   Mas quando o amor chegou, não era um homem o seu objeto. Era uma mulher! E esta mulher era uma criança! Mas Gabi, agora outra vez Iracema, era uma criança também. Os anos de sofrimento e desespero a haviam feito esquecer isso. Ficara mulher de repente, perdera o tempo, perdera o jeito, perdera o direito de ser criança. Tivera que ficar mulher na marra, mulher com peito e pelos lá em baixo, mulher que sabia fazer de um tudo o que os homens queriam. Mulher que tinha que saber abrir as pernas, em não poucas ocasiões muitas vezes por dia. (............................................................................................................) Mulher que tinha que brigar e, às vezes, levar pancada porque não queria transar sem camisinha. Essa mulher era Gabi, uma Iracema precocemente envelhecida, Iracema desrespeitada, Iracema agredida, Iracema vendida pela mãe, Iracema escrava sexual no garimpo.

   Essa Iracema era, contudo, apenas uma criança pura, uma alma luminosa, sem maldade, sempre pronta a ajudar, sempre ávida de amar. Mas essa criança foi arrastada para o abismo e ali sacrificada, como se fosse uma vítima de um holocausto maia. Iracema era uma menina inteligente, sensível, que adorava ir à escola e ler, ler muito. Era uma excelente aluna e uma colega maravilhosa. Mas essa criança fora destroçada, partida em pedaços, vilipendiada e reduzida a nada como ser humano. Então nascera Gabi.

   Gabi era forte. Gabi era uma mulher, não uma criança. Gabi era uma quenga que sabia o seu ofício e conhecia qual era o seu lugar. E seu lugar era com as putas, na rua, no puteiro, no garimpo, no hospital. Gabi sabia fazer o que os homens queriam, sabia se abrir por inteiro, (..........................................................................................), já que assim os senhores do dinheiro ou os senhores dos prostíbulos o exigiam. Gabi não sofria mais, apenas aceitava. Iracema fora uma menina pura, uma menina ingênua, uma sonhadora romântica. Uma sonsa, em suma, ante uma Gabi.

   Mas Gabi viera em seu socorro. Era forte, calejada, não sofria mais. Aprendera a apanhar sem berrar, a encarar homem de coisa enorme sem gemer. Aprendera, afinal, a aceitar a vida come ela era: dura, cruel, sofrida, sem volta. Gabi havia aprendido sim, sabia como eram as coisas. Não tinha mais vontades, fora a fantasia do príncipe quando tinha que transar. Sonhos? Besteira!A vida não permite sonhar, a vida é realidade, só realidade, realidade da pior, da mais brutal, sempre muito pior amanhã do que foi ontem.

   Esperança? Esperança de que? Sabia que sua fantasia do príncipe era só uma bobagem, uma forma de se evadir do quarto ou da cabine do caminhão enquanto tinha que fingir para o cliente do momento. Então Gabi gozava como ninguém! Gemia, suspirava, urrava, pedia mais, elogiava o macho, deixava o cliente satisfeito e orgulhoso como o que. Isso ela fazia por fora. Por dentro, ela fantasiava com o príncipe, o que a viria resgatar, donzela ainda pura, de sob os homens que a emporcalhavam de sêmen, suor e baba.

   Lá nas partes, Gabi era blindada. Não sentia absolutamente nada. Não gozava, não tinha orgasmos, não tinha nem tesão. De início tivera dores, dores atrozes. Depois, se acostumara com aquilo, não sentia mais dor, só desconforto. Com o passar do tempo, nem isso. Deixou de sentir qualquer coisa. Blindou-se. Nem sabia se já tinha sido penetrada ou não. Desligava-se. Mas, ao mesmo tempo, refinara ao máximo sua técnica de fingir. Fingir interesse no homem, fingir que aceitava aquelas mãos imundas de macaco pelo seu corpo, aqueles dedos grosseiros apertando suas dobras delicadas, aqueles beiços com dentes ou sem dentes, com bigode ou sem bigode, com mau hálito, bafo de cachaça, fedor de cigarro, dizendo sujeiras e mordendo sua boca inerte ou seus bicos e seios anestesiados. O príncipe era só um truque, mas o nojo era real.

   Nojo de homem! Nojo de homem! Sim, aquele era o sentimento real. Os homens tinham sido a causa de sua danação. Malditos monstros, bichos primitivos, só pensando o tempo inteiro em enfiar aquela coisa dura em algum buraco de mulher. Não tinham cabeça, não tinham sentimento. A quase totalidade dos que a procuravam era homens casados. Inúmeros tinham em casa filhas da idade dela. Mesmo assim os malditos estavam sempre lá, sempre querendo enfiar nela e nas outras putas.

   E, não contentes com enfiar nas putas, queriam também espetar aquilo em qualquer outro buraco que tivesse vida. Qualquer mulher, moça, casada, velha, criança. Para alguns, podia ser menino também. E aí faziam as coisas mais nojentas do mundo, faziam qualquer coisa, compravam, ameaçavam, batiam, estupravam, matavam até. Esses eram os homens, tais quais os conhecera desde o começo. E que começo!

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