quinta-feira, 2 de maio de 2013

RITINHA - 8  Uma saga na prostituição infantil  
MILTON  MACIEL

Final da parte 7

   Iracema se opôs veementemente. Achava Ritinha jovem demais. Achava que não seria preciso. Argumentava que bastava ela nessa vida, que estava dando perfeitamente para as duas viverem. Ritinha retorquia que Iracema tinha a mesma idade, onze anos, quando havia começado na prostituição. Sim, retornava Iracema, mas havia sido muito diferente: ela havia sido obrigada a se prostituir por sua própria mãe, não o fizera porque tinha vontade. Já Ritinha queria entrar naquilo espontaneamente, sem ninguém que a forçasse. E até sem precisar, por incrível que parecesse.

PARTE 8
Com o passar dos dias, no entanto, a persistência de Ritinha acabou por dobrar a resistência da amiga. Um dia, dando um suspiro de cansaço, Iracema cedeu:

– Está bem, você venceu. Tá bom, então vamos começar. Por onde, mesmo?

– Boquete! Você tem que me explicar o que é isso, como funciona.

– Tá certo. Vá buscar uma banana então, vamos começar a primeira aula.

   E por aí foi. A experiente e decidida Gabi/Iracema começou a ensinar tudo à discípula atenta. Ela aprendeu como usar as mãos e a boca com habilidade. As bananas foram o material didático de apoio, o material para o laboratório prático de aprendizagem. As partes baixas da pequena continuavam interditadas, apesar de já devidamente inauguradas. Ou melhor, exatamente por causa da brutalidade da inauguração. Alguns homens sabiam apreciar as carícias iniciais, poderiam passar sem a consumação, desde que Ritinha lhes explicasse tudo previamente, na hora de fazer o trato, de combinar o preço.

     Dessa forma, três semanas após ter recebido a agressão de João Boto, Ritinha estreou na ‘vida’. Gabi a levou a um de seus fregueses mais bem educados e que tinha sido cuidadosamente instruído por ela a respeito da menina principiante. A primeira exigência foi que o homem deveria se banhar e perfumar convenientemente. O caminhoneiro foi paciente e delicado, bastava-lhe a enorme satisfação de saber que estava sendo o primeiro na vida profissional da estreante.

   Na hora H, assustou-se com a pouca idade da garota, quando esta entrou na cabine do caminhão. Mas isso, ao mesmo tempo, excitava sua curiosidade e seu desejo. Naquele lugar nem polícia nem ninguém se importava com pedofilia. Ainda assim, conseguiu conter-se e executou tudo como Gabi lhe havia exigido. Levou mais de uma hora até que Ritinha tivesse coragem de começar a atividade. O homem esperou pacientemente, ardendo de desejo, mas sem nada forçar. Sabia o inferno pelo qual a garota havia passado. Aos poucos a menina foi ficando menos apavorada e conseguiu usar as mãos, as duas, como Gabi a havia ensinado a fazer, usando as bananas. Na hora de usar a boca, foi um caro custo. Várias vezes tentou chegar perto, outras tantas desistiu. No fim pediu para deixar aquilo para uma outra oportunidade, com o que o motorista concordou. No final, para sua surpresa e encantamento, o homem tirou uma nota de cinqüenta reais da carteira e colocou na mão ainda molhada de Ritinha. A menina nem podia acreditar: aquilo era dez vezes mais do que valia um programa completo naquele lugar!

– Tome, isso é para você se lembrar sempre de mim, porque eu vou lembrar sempre de você. Cuide bem desse dinheiro, cuide principalmente da sua alimentação. E aprenda a guardar sempre um pouco, nunca se sabe quando se precisa de um remédio, sabe como é...

   Ritinha agradeceu ao homem efusivamente e desceu do caminhão com o coração na boca, correndo para encontrar Gabi, que estava escondida atrás de outro veículo bem próximo, ali mesmo no posto de gasolina, ouvindo atenta, pronta para intervir se sua amiguinha gritasse por socorro, conforme haviam combinado.

   Ali, emocionada, a menina estendeu a nota, estalando de nova, à amiga, que não podia acreditar no que via. Falaram em voz baixa, excitadíssimas:

– Menina! O que é isso? Você ganhou na loteria?!

– O homem deu tudo isso pra mim, Iracema! Não é o máximo?

– Caramba, pequena! Você estreou com o pé direito. Vai ver você tem mesmo vocação pra coisa. Se eu um dia lhe contar como foi o meu começo, você vai morrer de rir, não teve nada desses faturamentos altos não. Mas você, francamente... O que será que deu no Nelson?

– Não sei. Eu fiquei tão surpresa, tão boba, que fiquei parada, não sabia o que dizer. Eu nunca tinha tocado em uma nota de dinheiro assim, de tanto valor. É emocionante, sabe...

– É, eu imagino. É tão legal quando a surpresa é boa assim. O mais bacana é que agora você não precisa fazer programa por uns bons dias, só faz quando esta grana acabar. Mas eu ainda preciso ganhar o meu de hoje, então tenho que andar já para a estrada. Tome, pegue o seu dinheiro e dê graças a Deus. Se eu tiver sorte, não demoro muito e apareço lá em casa a tempo de lhe achar acordada, pra gente comemorar.

Meu dinheiro, Iracema?! Você diz que é meu dinheiro? Mas o que é isso, criatura? Não diga uma coisa dessas! Essa nota está na sua mão e vai continuar aí. É o nosso dinheiro. E, na verdade, devia ser o seu dinheiro, porque você não parou de gastar comigo todo este tempo, desde que nós estamos juntas. Eu quero que você pegue esse dinheiro e use como você acha que deve usar... Use para nós ou use só para você, como achar melhor. O que você fizer, está bem feito. Eu confio totalmente em você, Iracema, eu sei que você sempre faz o que é bom para mim.

– Mas pequena, não é justo, foi dinheiro que você ganhou com o seu trabalho, ainda mais que foi o primeiro.

– Ah, é? E quando você ajoelhou no provador e fez o boquete no dono da loja para me arranjar umas roupas, o ‘dinheiro’ não era seu? E o que a gente comeu e bebeu todos esses dias, por acaso o dinheiro não era seu também, não foi você que ganhou com o seu trabalho, dando pra um monte de caras?

– Foi, mas... Bem, é diferente. Eu já sou mais velha, mais tarimbada, sabe como é? Além do mais, eu prometi a mim mesma que ia cuidar de você, então é minha obrigação...

   Ritinha cortou a palavra da amiga com veemência:

– Sua obrigação coisíssima nenhuma! Você cuida de mim porque você é um amor de criatura, é a pessoa mais legal deste mundo, a mais carinhosa também. Ah, Iracema, o que seria de mim sem você? Por favor, pegue esse dinheiro e não se fala mais no assunto, tá?

    Iracema guardou a nota na bolsinha, com os olhos cheios de lagrimas. A atitude da menina a havia colhido de surpresa, jamais poderia esperar que aquela criança fosse capaz de um gesto assim, de tanto desprendimento e, ao mesmo tempo, de tanta gratidão e tanta doçura.

– Tá. Se você quer assim. Eu vou guardar comigo e vou gastar para nós duas, lhe mostro sempre no que vou gastar. E você, por favor, se quiser alguma coisa, não deixe de me falar, não deixe de pedir, porque você tem todo o direito sobre esta grana, tá? Falando nisso: não tem alguma coisa que você gostaria de pedir agora mesmo, alguma coisa que você queria ter e não dava? Agora, conforme o preço, a gente pode comprar para você.

– Eu posso pedir, então? Uma coisa muito, muito barata?

– Claro que pode, Ritinha. Eu já falei. Diga o que você quer.

– Eu posso pedir uma coisa... Qualquer coisa?

– Pode, meu amor. Se custar até cinqüenta reais a gente compra já. Se custar um pouco mais, eu tento arranjar a diferença esta noite e mais amanhã. Peça o que você quiser. Eu prometo que dou.

– Pois então eu vou pedir e você não vai poder dizer que não. Está aqui o que eu quero: Eu quero que você não vá trabalhar hoje, que você volte comigo para casa agora mesmo. Como você mesma disse, aí tem dinheiro para vários dias. Pois então... Não vá hoje, por favor. Fique comigo. Vamos assistir à novela juntas. A gente passa na padaria e compra umas coisinhas bobas para comer e ficamos curtindo em casa. Combinado? Ó, você prometeu, não pode negar agora!

   Gabi abraçou Ritinha suavemente. Depois, apertou mais e mais o abraço, enquanto sua emoção era extravasada em um choro contido e suave. Era a primeira vez que elas se abraçavam assim.

– Ah, Ritinha... Você foi a melhor coisa que aconteceu nesta minha vida desgraçada, sabe? Há quanto tempo, quanto anos, que ninguém pede pela minha companhia? Fui escorraçada e mal tratada em tantos lugares. Minha companhia só foi procurada por homens querendo sexo. Nunca ninguém quis saber de mim, de mim como pessoa, entende? Como você está fazendo agora! – e Gabi se desmanchava em lágrimas mais do que sentidas.
CONTINUA 

Nenhum comentário:

Postar um comentário