domingo, 19 de maio de 2013


UMA MUDANÇA DE PARADIGMA - 8  
Os sérios problemas que vieram 
com a Agricultura Série transcrita dos livros
"A SOPA QUÍMICA"/“THE CHEMICAL BROTH 
- Milton Maciel – Idel - 2008/2013 (Broth = Caldo)

O Desequilíbrio Essencial (continuação)

   Para nós, atualmente, carne de ave quer dizer, quase exclusivamente, carne de frangos criados em confinamento, alimentados somente com grãos (via rações industriais), estimulados com hormônios, defendidos preventivamente com antibióticos e sacrificados com um mês e meio de vida em linhas industriais que os abatem à taxa de 200 mil a meio milhão por dia, por abatedouro. Foi-se a diversidade de espécies, vieram a gordura saturada extrema, os resíduos de agrotóxicos nos grãos que originaram a ração industrial e os resíduos de antibióticos e hormônios que passam para nós através de sua carne, como se vê na abordagem que será feita ao Desequilíbrio Residual.

   Nossas aves são diferentes das de nossos antecessores: vivem presas, não voam mais, não se exercitam, são gordas, poluídas por resíduos químicos e biológicos (salmonelas, por exemplo) e sujeitas a muitas doenças. Como óbvia conseqüência, suas carnes nos fazem gordos – ou obesos – e suscetíveis a muitas doenças, como as que se menciona neste trabalho.

  Situação muito semelhante ocorre quando comparamos os OVOS consumidos nas duas dietas.

   Para os caçadores-coletores paleolíticos (que é o que nós somos, ainda hoje, constitucionalmente, geneticamente) ovos eram apanhados diretamente dos ninhos das aves, no alto das árvores. E comidos de imediato, fresquinhos e crus!

  Mas para nós, os modernos, ovos são especificamente os produzidos por galinhas criadas em gaiolas suspensas, em grandes confinamentos com dezenas ou centenas de milhares de aves apinhadas, comendo ração à base exclusiva de grãos e, obviamente, recebendo também doses de hormônios e antibióticos através dessas rações. A diferença é que não precisamos mais subir nas árvores para consegui-los.

   Para todos os efeitos, ovos são, para nós, alimentos de formato característico ovóide, que dão em caixinhas de plástico expandido ou de papelão, em dúzia exatas, encontráveis nos supermercados. Para obtê-los, ao invés do desconforto de trepar em árvores, precisamos apenas dirigir nossos automóveis até o supermercado mais próximo, gastando para isso uma certa quantidade de petróleo, às vezes similar àquela que foi gasta para produzir, embalar e transportar esses ovos até colocá-los ao alcance do nosso cartão de crédito.

   Como os pregos, os tapetes ou os telefones celulares, ovos são simplesmente produtos industrializados, produzidos em grandes linhas de montagem. De vez em quando acontecem alguns problemas numa dessas linhas e é preciso, como com qualquer produto industrial, produzir um recall de ovos com defeito – o mais comum deles, que hoje produz um medo considerável nos consumidores mais esclarecidos, sendo a contaminação com Salmonelas.

   Para centenas de milhões de crianças urbanas, ovos e frangos são, efetivamente, coisas que dão em supermercados: os ovos nascem em dúzias dentro de caixinhas e os frangos são aquelas coisas esquisitas, peladas, esbranquiçadas, sem pé nem cabeça, envoltas em plástico com muita água congelada por dentro, que dão em gôndolas refrigeradas de supermercado. Do animal em si, formam uma idéia aproximada, mais para as imagens vistas em desenhos animados da TV ou filmes de animação digital dos cinemas do que para a realidade do bicho galináceo.

  Meu filho Leandro, quando criança, gostava de comer churrasco. Para ele, isso queria dizer comer carne de churrasco. Depois de alguns anos ele veio me falar, muito surpreso, que ficara chocado ao descobrir que churrasco significava apenas carne assada. Pois para ele, durante muito tempo, churrasco era um bicho de cuja carne ele gostava. Ele o imaginava como sendo um animal pequeno, preto, peludo, com o formato de uma bola de futebol americano um pouco exagerada e, por alguma razão misteriosa, dotado de seis patas! Por extensão, churrascaria era o lugar onde criavam, abatiam, assavam e serviam a deliciosa carne de churrascos de seis patas, aqueles estranhos e oblongos bichos pretos.

   Já me surpreendi mais de uma vez, em um shopping center ou em um aeroporto, imaginando divertido o alvoroço que haveria de criar, entre as crianças, um bando de frangos e galinhas soltos de repente no hall principal. A maioria delas, possivelmente, iria correr assustada, com medo daqueles monstros pequenos, bicudos e perigosos, estranhos e não identificáveis, porque muito diferentes daqueles que conhecem de suas telas de cinema, TV ou computador.

   Pois esta pequena digressão serve perfeitamente para mostrar o grande grau de dissociação que se produziu, nos nossos dias, entre as fontes de nossos alimentos e nosso conhecimento a respeito delas. O homem paleolítico sabia muito bem de onde vinha aquilo que comia: vinha de sua própria busca e esforço de caça ou coleta. Mesmo nossos avós tinham ainda uma noção razoavelmente clara de onde provinha aquilo que comiam. Hoje as coisas mudaram bastante: nossos alimentos vêm do supermercado e suas origens estão apenas nos respectivos códigos de barra. Às vezes o fabricante se identifica para o consumidor apenas com um número de CNPJ.

   Isso tudo nos leva a observar que a catástrofe original da dissonância genética entre as dietas do paleo e do neolítico, ou seja, a abrupta transição da base alimentar do caçador-coletor para a do agricultor-criador foi agravada – e muitíssimo – pela industrialização dos alimentos, começada a pouco mais de duzentos anos atrás e consumada nos últimos trinta com o advento da junk food.

   Em outras palavras, nós estamos cada vez mais longe da alimentação que construiu nossos corpos, aumentou nossos cérebros e estaturas e criou nosso código genético. E, quanto mais nos distanciamos de nossa base, mais pagamos o preço na forma das chamadas doenças da civilização: moléstias não-transmissíveis, crônicas, auto-imunes e a grande, a assustadora epidemia mundial de obesidade, cuja raiz maior provém do Desequilíbrio Essencial.

Uma revolução alimentar

   Começando há cerca de dez mil anos atrás no Oriente Médio, o cultivo de capins que dão sementes (os grãos) e a criação de animais em cativeiro foi se espalhando aos poucos pelo mundo afora, tendo chegado à Escandinávia e às Ilhas Britânicas apenas há seis mil anos.

   Datam dessa mesma época também as primeiras evidências arqueológicas do consumo de leite e seus derivados de forma sistemática, gerando aquilo que pode ser chamado de laticínio, como manteiga, coalhada e queijo. Pode-se ver, assim, como é realmente novo, na história de milênios da dieta humana, o ingresso dos produtos da agricultura na nossa alimentação.

   Ainda hoje temos vários remanescentes de povos que não passaram por essa transição em suas dietas, permanecendo rigorosamente caçadores-coletores, com dietas idênticas às de nossos ancestrais paleolíticos. O estudo comparado das condições de saúde dessas populações com as de nossa civilização moderna, permite chegar a evidências científicas muito sólidas a favor daqueles que ainda hoje conservam a alimentação primitiva.

Indígenas brasileiros, uma cultura em transição

   Os índios do Brasil, em sua maioria, são exemplos marcantes de culturas de transição. Caçavam e coletavam alimentos na selva e nos rios, mas já começavam a desenvolver uma agricultura incipiente, com o cultivo sistemático de milho e mandioca. Esta foi domesticada por eles na Amazônia, há algo entre 4000 e 5000 anos atrás. Para livrá-la do venenoso ácido cianídrico que ela contém (mandioca brava), os indígenas desenvolveram técnicas elaboradas: deixavam-na de molho na água, depois descascavam, ralavam e secavam, obtendo a farinha. Desta faziam o pão indígena (beiju). Também da mandioca faziam sua bebida alcoólica, o cauim. Como a propagação da mandioca é vegetativa (dá-se pela simples colocação de “ramas” – pedaços de caule – no solo), a técnica de cultivo era extremamente rústica e simples, pouca coisa mais do que uma coleta de raiz silvestre. Isso garantiu à mandioca o papel de produto agrícola mais importante da cultura indígena brasileira.

   Os grupos mais aculturados foram os Tupis (distribuídos pelo litoral, desde o Ceará até Cananéia, em São Paulo) e os Guaranis (distribuídos pelo litoral sul e pelo interior, nas bacias dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai).

   Já os mais rústicos, pertencentes ao grupo Tapuia (distribuídos mais nas grandes florestas das atuais regiões Norte e Centro-Oeste) não tinham cultivos, comiam carne crua com as mãos, não usavam nem o fogo nem instrumentos cortantes, fabricados pelos grupos mais aculturados. Ou seja, os Tapuias ainda eram plenamente paleolíticos.

   Mas todos os indígenas brasileiros aproveitavam qualquer tipo de animal na alimentação, incluindo mosquitos, piolhos, larvas, lagartas, gafanhotos, formigas, cupins e lagartixas, além dos óbvios macacos, antas, capivaras, porcos do mato, cobras, aves (e seus ovos) e muitos outros animais que caçavam. Os rios e lagos lhes proporcionavam fartos estoques de peixes, sapos, rãs, enguias e jacarés.
CONTINUA



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