quinta-feira, 27 de junho de 2013

SEGREDO DE POLICHINELO  
MILTON  MACIEL 

Saquarema, 2 de Janeiro. Por quase toda Região dos Lagos, em quase toda Saquarema e absolutamente em todo Bacaxá, o segredo das infidelidades de Toninha é um segredo de polichinelo. Que é um segredo que todo mundo está careca de saber, só alguns tontos persistem em acreditá-lo realmente desconhecido. No caso, um dos tontos é a própria Toninha, que acha que ninguém, inclusive seu marido Ariosvaldo, sabe de nada. Bom, pelo menos quanto a isso ela está com a razão. De fato o Ariosvaldo não sabe de nada. Portanto o outro tonto é o marido mesmo.

Mas isso é mais do que compreensível, porque dita a boa regra que o marido deve ser o último a saber. Nem tão boa assim, porque há quem discorde. Uns são os maridos em   geral, é óbvio. Mas outra discordância, muito mais importante, é a que vem do falecido Nelson Rodrigues. Ele escreveu: “O marido não deve ser o último a saber. O marido não deve saber NUNCA!”

Pois esse é também o credo da Toninha: O Ariosvaldo não deve saber nunca. Não que ela se importe muito com a reação dele, se souber, porque ela tem certeza que o marido é, no fundo – que no fundo só, que nada, na frente também, inteiro! – um grande banana.

A Toninha faz dele gato e sapato. Mais sapato do que gato, considerando o jeito como ela pisa no infeliz. Ali no bairro todo mundo sabe das aventuras dela com o elenco quase inteiro do Boa Vista, o time de futebol. E também comentam, e não a boca fechada, de como ela costuma passar em revista, um após outro, um bom rol de rapazes estudantes da Escola Técnica, quase vizinha da casa dela. A Toninha é assim, um caso raro de apetite insaciável, marido algum no mundo poderia dar conta de tal Pantagruel de saias, ainda mais que o que ela gosta de comer é fruta de outra natureza.

Uma coisa notável é que ela costuma se divertir com as denúncias que o Ariosvaldo recebe, há ocasiões em que chega mais de uma por dia. Ela coleciona tudo, não deixa destruir nada: bilhetes, cartas anônimas... Ah, disso ela tem um alentado arquivo, que faz questão de manter sempre atualizado. Antes guardava tudo em caixas – e bota caixas nisso! – de sapato. Depois, informatizou-se. Agora ela obriga o tonto do Ariosvaldo a digitar todas as denúncias no computador e salvar em arquivo interno e pendrive. É uma vaidosa, uma narcisista.

Ela justifica, dizendo pra ele que quer reunir o máximo de provas para depois contratar um detetive que seja capaz de identificar cada uma das pessoas autoras daquelas centenas de cartas (sim, são centenas!) e bilhetes maldosos e infamantes. Aí pretende processá-las todas por difamação e calúnia. O marido, achando que já havia material mais do que suficiente, chegou inclusive a lhe trazer um detetive de Niterói, para iniciar a investigação. Mas tudo o que a Toninha fez foi convencer o panaca do Ariosvaldo que ela precisa ir duas vezes por semana a Niterói, para explicar cada uma das cartas, com detalhes, para o detetive. Geralmente vai de manhã é só volta de noite, não quer que o detetive deixe nenhuma carta sem investigar, dá um trabalho!...

Por outro lado, ela está agora passando em revista os possíveis advogados da Região dos Lagos, para decidir quem irá representá-la no processo. Tarefa que também demanda muito tempo, o Ariosvaldo compreende. Inclusive tempo noturno, porque a maior parte dos advogados se recusa a tratar do assunto no escritório durante o expediente diurno. O que ela diz para o marido eu não consigo imaginar mas, seja o que for, o tapado aceita.

Aliás, ele acredita piamente que a mulher tem algumas inimigas impiedosas, que não se conformam com a beleza da Toninha, e que ficam tentando acabar com o casamento feliz que eles têm. Pura inveja, querido! Essas mal-amadas não se conformam com o nosso amor, tão perfeito, tão lindo, tão fiel.

Se é verdade que o pior cego é o que não quer ver, então o Toninho é o pior cego de Saquarema. Devia usar bengala e cachorro o tempo todo, até pra tomar banho. Mas o fato é que ele não acredita em nada que disserem contra a Toninha e fim de papo! E dessa forma o casamento deles já dura cinco anos.

Eu mesmo já andei naquelas águas revoltas e gostosas da mulher do Ariovaldo. Por baixo (desculpem o trocadilho), uma cinco vezes. Ou seis, sei lá se dá pra contar aquela ligeirinha de pé na sacristia, quando tive que me arrancar (literalmente!) com um salto ornamental, quase que o Padre Sebastião nos pega em flagrante.

Pois é, como digo, esse é o segredo de Polichinelo de Saquarema. No fundo, todo mundo sabe e centenas de pessoas se comprazem em denunciar o tal segredo ao corno do Ariovaldo. Mas não adianta. O que fazer, se na verdade até o Padre Sebastião sabe de tudo, mas é obrigado a calar pelo segredo de confessionário?

Sim, porque a maluca da Toninha se confessa todas as semanas e é claro que conta tudo pro padre. Aliás, acho que tem o maior prazer (é literal, também!) fazendo isso. Explico: Tão devota ela é, que não precisa mais se ajoelhar em frente ao confessionário na igreja. Como deferência toda especial a sua fiel (?!) paroquiana, a Toninha agora pode se confessar na casa paroquial, nas quartas-feiras, quando o padre fica sozinho, coitado. Pois é!... acho que isso nunca vai mudar...

Saquarema, 12 de Janeiro. Errei feio. Hoje tudo mudou! A Toninha está chorando pelos cantos, inconsolável. Pagou pela sua bazófia, pela sua imprudênca, pela sua vaidade. Pois o Ariosavaldo entrou ontem à tardinha com um processo de divórcio por traição contumaz. Entregou as caixas antigas e o pendrive atualizado com centenas de denúncias anônimas e comprou o tal detetive, que acabou trabalhando pro marido. Comprovou um monte de casos da Toninha. Agora ela está perdida, vão arrancar metade de tudo o que ela tiver. Bem, isso não é surpresa, afinal. Tem sempre um dia em que a casa cai, nesses casos.

Mas o mais estarrecedor foi o que eu fiquei sabendo, isso sim a boca fechada (já explico!). E esse não é, de maneira nenhuma, um segredo de polichinelo. Esse esteve o tempo todo guardado a sete chaves. E é chocante.

Sabe o Dr. Bernardino, o representante do Ariosvaldo? Pois é, ele estava armando a coisa toda há um bom tempo, na moita, na surdina. E eu acabo de saber em primeira mão, revelação de uma pessoa chegadíssima ao advogado (na verdade acho que o cara é um pistoleiro de aluguel), que ele e o Ariosvaldo são AMANTES desde antes do casamento deste. Na verdade, parece que armaram tudo pro Ariosvaldo dar o golpe do baú, porque a Toninha já era rica e foi herdando um monte de propriedades depois de casada, com a morte dos parentes. Casaram com comunhão de bens.

Ora a Toninha sempre teve aquele fogaréu, aquele furor uterino. E se encantou com a evidente vocação do pretendente Ariosvaldo para ser um grande corno manso. Por isso acabou casando com ele, apesar de ele ser um pé-rapado. E como a vocação não só se confirmou, como foi valentemente mantida e ampliada ao longo de cinco anos, o casamento se manteve firme como uma rocha todo esse tempo, enquanto o casal de malandros esperava a morte sucessiva dos parentes da Toninha.

Ora, o Ariosvaldo, quem diria! , Além de tão corno, parecia tão macho! E o Dr. Bernardino, então?! Não, ninguém podia desconfiar disso. Nunca! Nem eu, que conheço os dois há tanto tempo. E o pior é que eu não posso contar nada do que fiquei sabendo sobre o caso deles, sobre a armação safada deles. A pessoa que me contou, depois que o fez, encostou o cano de um revólver na minha barriga e disse, com voz sinistra: “Experimente abrir esse bico, que eu fecho com chumbo de 44Se alguém mais ficar sabendo, é porque VOCÊ deu com a língua nos dentes, meu camarada. E aí...” 

Gelei. Não sei de nada! Esqueci tudo...

Mas, por via das dúvidas, como não resisto à tentação de mostrar que eu sabia de toda a trama, estou escrevendo isto aqui. Vou esconder num cofre de banco e deixar instrução para que só seja aberto em caso de morte minha. Quem sabe? Aí o povo vai ver que eu era um cara bem informado. E prudente! 

Agora, se vocês estiverem lendo isto, então... quer dizer que eu dancei. E sem ter culpa de nada, eu que não ia ser idiota de abrir o bico!

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