quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ABANDONADO   
MILTON  MACIEL 

- Não adianta!  Tarde demais!...

   Tarde demais. O escaler era uma pequena sombra que as ondas mostravam e escondiam capricho-samente, delineada contra o halo de luz fantasmagórica da noite oceânica. Tarde demais.

   Estava irremediavelmente abandonado naquele lugar. Uma ilha deserta, confirmara-lhe um dos marinheiros na viagem de vinda, enquanto remavam e tentavam chegar com o escaler à praia. Ali instalariam dois sinalizadores, alimentados por energia solar. Seu trabalho seria justamente o de instalar as placas fotovoltaicas e os acumuladores. Depois, ao cair da noite, ligaria os transmissores e faria os contatos com o navio e com as sondas.

  Os homens passaram o dia fazendo escavações, erguendo os postes das torres, fixando os painéis solares e as caixarias de instrumentação. Os sinalizadores foram instalados a 500 metros um do outro. Ao final do dia, todo o trabalho estava concluído. Restava somente esperar a hora aprazada para começar os testes de contato. Vinte minutos antes ele havia feito os preparativos na primeira torre. Ligou todos os circuitos, fez as leituras de tensão e de forma de onda com os medidores portáteis. Tudo perfeito.

  Às 19 horas em ponto, como combinado, emitiu o primeiro sinal para o navio. A resposta veio imediata, com excelente qualidade de sinal. Pelo rádio portátil recebeu os cumprimentos do capitão. Agora era dirigir-se para a segunda torre, aquela que ficava numa pequena elevação já dentro da pequena capoeira de mata, afastada da praia. Dirigiu-se para lá sem problemas, a vegetação era rala e a lua complementava a luz de sua lanterna especial. Várias vezes percorrera a picada aberta pelos homens durante o dia, procurando memorizar cada detalhe do curto caminho de poucas centenas de metros entre as duas torres.

  O contato da segunda torre com o navio devia ser estabelecido às 20 horas. Por isso rumou calmamente para a torre dois, levando seu equipamento portátil e a grande lanterna. Bem antes das 20 horas já havia testado todos os circuitos e tudo funcionou a contento. Na hora exata, emitiu o sinal para o navio. De novo a resposta instantânea, o sinal límpido, a forma de onda perfeita. Ligou o rádio e se comunicou com o capitão. Enquanto aguardava, pareceu-lhe ouvir um estranho apito na praia. Logo ouviu o que lhe pareceu serem gritos excitadas dos marinheiros, mas tratou de se concentrar no que lhe dizia o capitão. E que parecia a coisa mais sem sentido do mundo:

   - Olhe, de minha parte é a garrafa de uísque. Tem água e comida para um tempo, até você aprender a se virar sozinho. Mandei deixar todo o material das embalagens, vai ser útil, você vai ver. Você é um bom homem, Melles, acho uma sacanagem aqueles dois fazerem isso com você. Se eu pudesse, evitava. Mas... Bom, então adeus. Boa sorte!

  - Capitão! Capitão! Alô, alô, capitão! Alô! Capitão, que quer dizer essa coisa? Que negócio é esse de uísque, de embalagens? Que adeus, capitão?!

   Do outro lado nenhuma resposta. Mandou um sinal pela torre, aflito. Nenhuma resposta também. Então uma idéia passou-lhe rapidamente à consciência e ele deitou a correr em direção à praia, gritando para o pessoal que estaria à espera. Foi uma corrida terrível, errou o caminho na precipitação, perdeu-se da trilha, embrenhou-se em mato mais alto, caiu várias vezes no escuro, uma sensação de perigo e de pânico crescendo a cada metro, um suor frio a tomar conta do rosto e do corpo. Seria possível que...

  Era possível sim! A horrível verdade surgiu ante seus olhos quando chegou a 50 metros da praia, desembocando da capoeira em um ponto felizmente bem próximo da primeira torre. Não havia mais ninguém à sua espera e o escaler havia sumido. Com o coração aos pulos continuou correndo os últimos metros até tocar a água com os pés, enquanto firmava os olhos em direção ao mar. E aí lhe veio a confirmação monstruosa: oscilando a umas duas centenas de metros da orla, o escaler avançava firme na escuridão em direção ao navio. Abandonado!

-  Não adianta! Tarde demais...

   Deixou-se cair ao chão. A água ia e vinha molhando-lhe corpo e roupas, a cabeça girava-lhe ,latejando numa dor insuportável. Abandonado... Mas... por que?! 

Aqueles dois! Aqueles dois... quem?! Que coisa horrível o que tinham feito com ele! Abandonado em uma ilha quase desconhecida, pequena, inexpressiva, onde nunca vinha nenhuma embarcação. Como iria sobreviver ali? Teria ela animais perigosos? Arranjaria o que comer? E como iria se abrigar do frio e das intempéries?

Aqueles dois?! Mas quem? Quem eram os dois que armaram essa pra cima dele? Se o capitão não podia fazer nada, é porque estava recebendo dinheiro para abandoná-lo ali. Ou, quem sabe, recebera uma ordem superior, contra a qual não podia se rebelar? Talvez fosse algo assim, porque o capitão lhe havia falado aquilo e havia deixado coisas para ele, provavelmente sem conhecimento daqueles dois!

A cabeça parecia explodir, as têmporas latejando, o corpo enregelado pela água fria.  Aqueles dois. Alguém acima do capitão. Era um navio mercante, acima do capitão, só o dono da frota. O dono da frota! O armador irlandês? Mas por que razão ele ia querer abandoná-lo à morte quase certa numa ilha perdida?...

Lembrou-se enfim de ir conferir o que o capitão havia deixado para ele. Precisava desesperadamente da garrafa de uísque. Para se aquecer e para sair fora de órbita por um tempo. Fugir daquele maldito pesadelo.

Caminhou até o grande caixote que agora estava conseguindo ver, colocado sobre uma das pedras grandes da praia. A tampa estava despregada. A garrafa de uísque bem em cima de tudo. Melles nào quis ver o resto, girou a tampa da garrafa e despejou boa parte do conteúdo em sua garganta rapidmente. Precisava ficar bêbado!

Foi quando ia depositar a garrafa no mesmo lugar, mecanicamente, dentro do caixote, que viu o pedaço de papel dobrado. Apanhou-o e, desdobrando-o, leu o conteúdo:

"Professor Melles,

Tem uns caras armados aqui com a tripulação, eu vi quando eles levaram o capitão para a cabine e encostaram uma arma na barriga dele. E aí dei a volta para poder ouvir pela escotilha. O chefe deu ordem para deixarem o senhor na ilha, professor. O chefe, o dono do navio. O cara da arma mencionou uma tal de Nancy, tenho certeza, disse que é amante do chefe; e que é sua mulher, professor! Falou também que ela é que teve a idéia, para se livrar do senhor e ficar com tudo o que é de vocês. 

Se esse for mesmo o nome da sua mulher, então o senhor já fica sabendo o que aconteceu. Eu sinto muito, não posso fazer nada, eu sou tão covarde quanto o capitão. Os caras têm jeito de matadores profissionais. Mas, ao menos, estou lhe escrevendo isto, é o mínimo que eu posso fazer. É claro que eu não assino meu nome, Se o senhor estiver abandonado agora, então eu lhe desejo boa sorte aí na ilha. Deus lhe proteja e guarde! Ah, eu deixei uma caixa de pilhas para lanterna e outra de pilhas para rádio. Tomara que lhe ajudem e durem bastante. É que eu roubei um rádio de ondas curtas do almoxarifado. Vai ser muito bom para o senhor."

Nancy! Nancy! ELA havia tido a ideia de se livrar dele desse jeito absurdo e covarde?! Nancy, amante do armador irlandês?!

CONTINUA

terça-feira, 29 de outubro de 2013

VRAIMENT, LA ROSE EST IMPORTANTE
MILTON MACIEL  (Poésies en Français)

J’arrive
Et je t’offre des roses.

Sur mon genou,
Ta main gentille
Dans ma tête.
Et je suis heureux…
Parce que je t’aime.

Oui, bien sûre,
La rose est importante.
Par ce qu’elle traduit
Combien que je t’aime,
Parce qu’elle est blanche e pure
Comme ton âme,
Parce qu’elle a la même douce essence
De tes paroles.

Tiens, c’est la rose plus belle du jardin!
Pour toi, la femme plus belle,
Pour toi, la flamme éternelle,
De ma vie.

Parce que je t’aime,
Pendant tous ses années,
Pendant toute l’éternité, 
Ah, comme je t’aime !...


sábado, 26 de outubro de 2013

COMO É CARO SER MULHER! - 3a. parte
MILTON MACIEL
A cruel obrigação de ser MAGRA – continuação

Final da 2ª. parte:
Ou seja, a coisa é mais ou menos assim: ou você passa fome de ficar verde, ou você ouve o pessoal cochichando às suas costas: “Nossa, como ela engordou!”  O que dá uma bruta raiva, que só pode ser aplacada na sorveteria mais próxima, onde você pode afogar suas mágoas em bolas de abacaxi, menta e pistache.

Verdade. O problema é que os caras criaram esse padrão DESUMANO de beleza anoréxica e, impondo-a às mulheres do planeta Terra, garantem o extraordinário faturamento de centenas de bilhões de dólares anuais das indústrias da moda, alimentícia e do emagrecimento. Se hoje eles mudassem o cânone e permitissem que você pudesse ter mais 10 quilos e, ainda assim, ser considerada MAGRA, seria a falência para todos esses prósperos ramos de negócios.
 
Se você tivesse nascido no final da Idade Média e início do Renascimento, você seria uma musa, uma menina extremamente desejável, se pudesse expor a sua semi-nudez exuberante de 90 quilos. As magras e normais de hoje seriam internadas obrigatoriamente em sanatórios para tísicas.

Mas o problema é que você é uma mulher do século XXI. Conforme sua altura, 60 quilos é mais do que suficiente para você se sentir a Moby Dick com TPM.

Vamos dar continuidade a este assunto na 3ª parte desta série, mostrando como o SISTEMA faz para garantir que você engorde, gastando os tubos em comida. E aí precisa gastar os tubos, depois, em emagrecimento. Então até breve... Gordinha, atual ou futura.

3ª. Parte

COMO O ‘SISTEMA’ AGE

Já houve um tempo em que comida era coisa rara e difícil. Se a gente quisesse comer ou beber água, tinha que sair da caverna e ir à luta. Mas era luta mesmo! Porque então éramos caçadores-coletores e vivíamos no Paleolítico. E foi então que inventamos o dito popular: um dia é da caça, o outro, do caçador. Porque éramos caçadores nominais, mas éramos caça ao mesmo tempo. Saíamos sempre em grupos, portanto paus, pedras e ossos para pegar o que desse, de uma gambá a um mamute. Só que o dia-a-dia estava mais para gambá, caça grande era mais difícil. Em compensação, a potencial caça grande podia facilmente virar caçador, nosso caçador. Nós já comemos tudo o que se mexeu na face da Terra, do piolho à baleia. Nenhum bicho que viveu na Terra, depois do advento dos diversos Homos em sucessão, escapou dos nossos dentes e nossos estômagos.

Claro quem numa sociedade em que, se você tem sede, precisa caminhar até o riacho ou à nascente (e ficar esperto com os outros bichos no caminho); e, numa sociedade em que, se você quer comer ovo, vai ter que subir numa enorme árvore e saquear um ninho lá em cima, devorando-o cru imediatamente; numa sociedade assim, em que comer significava ir buscar e se mexer, não havia gente gorda. Nenhuma sociedade paleolítica contemporânea (e ainda existem algumas em pleno século XXI, gente que nunca passou para a agricultura, permanecendo caçadores-coletores até hoje) tem uma única pessoa gorda.

Mas nós somos diferentes de nossos avós do paleolítico. Viramos agricultores, nos urbanizamos, a comida foi ficando cada vez mais abundante e cada vez mais barata. Hoje, se você quer beber água, apenas abre uma torneira ou uma garrafa. Se quer ovo, abre a geladeira, cozinha ou frita e pronto. Mas há uma diferença ainda maior: muita gente não que mais beber água, abre a geladeira para pegar Coca Cola ou cerveja. Ao invés do ovo ou carne ou legumes, que ainda tem que preparar, prefere abrir uma caixa de papelão com uma refeição pronta congelada e coloca no microondas por 3 ou 5 minutos. Ou liga para a tele-entrega do restaurante ou pizzaria de sua preferência.

Em resumo, cada vez mais nossa comida é INDUSTRIALIZADA e nos é ofertada em quantidades e variedades impressionantes. Tudo baseado em um binômio: SABOR e PREÇO BAIXO. O sabor é realçado artificialmente e, além disso, toda uma gama de aditivos alimentares vem se somar à gororoba industrial que estamos ingerindo. Junto, vêm quantidades astronômicas de sal e de açúcar, adicionados para aumentar os lucros.

Somos seduzidos pelos inúmeros sabores incríveis que se tornaram disponíveis para nós, ao nosso alcance mediante um mero cartão de crédito. Pizzas, lasanhas, sanduíches astronômicos, biscoitos, doces, sorvetes – tudo prontinho, é só abrir a embalagem e, no máximo, descongelar. Nas cidades grandes, milhares de botecos, bares e restaurantes oferecem comida tentadora e a preços acessíveis –  estratificado esse acessível do acordo com a “categoria”da lanchonete ou restaurante e, obviamente, o poder aquisitivo do freguês.

E isso tudo já mostra que no lado da OFERTA, a coisa é cada vez mais abundante. Há sempre mais e mais comida à disposição de uma população que tem tido crescente acesso a essa comida por ter um crescimento em sua renda média. Em outras palavras: ENGORDAR FICOU BARATO, por mais caros que se tornem os restaurantes e lanchonetes mais sofisticados de uma São Paulo, por exemplo.

Isso tem a ver com a OFERTA. O outro lado da velha lei nos leva à busca da PROCURA.

procura para tanta comida? Lógico que há, por isso é que existe tanta oferta. No tempo de caçadores-coletores, nós comíamos quando tínhamos fome, desde que conseguíssemos achar algum peixe ou jacaré disposto a se deixar pegar, algum fruto esquisito alcançável no alto de uma árvore. Mas hoje nós comemos quando temos DESEJO de ter PRAZER. Ou quando temos COMPULSÃO. A diferença é quilométrica! Há muita comida acessível e esse acesso é limitado apenas por nosso poder aquisitivo.

Como carboidrato é barato e proteína é cara, as populações de mais baixa renda entopem-se de farináceos – pão, massas, biscoito – e engordam. Engordam muito! E apelam para açúcares baratos também: refrigerantes, sucos artificiais, doces, sorvetes. E engordam mais ainda!

Já a população de maior poder aquisitivo entope-se dos mesmos carboidratos e ainda manda ver nas carnes gordas e peixes em abundância – e engorda. Engorda muito! Apela para ainda mais açúcares: refrigerante, sucos ‘naturais’, doces, tortas, sorvetes. E engorda ainda muito mais.

Isso acabou democratizando a explosão da obesidade em nosso país. Há obesos nos palacetes e nas favelas. De um modo geral, todos super-alimentados e todos subnutridos. Uns comem seis pães por dia e pintam com um pouco de feijão o arroz ou macarrão que levam na marmita. Repetem a dose em casa de noite e, apesar de mais ativos, acabam ganhando sobrepeso. Outros vão à churrascaria rodízio e estouram as balanças dos ‘Por-quilos’ várias vezes por semana. Em casa seguem comendo compulsivamente e, é claro, ganham sobrepeso.

Em resumo, excetuados os estritamente paupérrimos, TODOS comem demais. Aí a genética é que fala mais alto. Uma parte da população ainda tem genes que lhe permite comer demais e não engordar. Mas essas pessoas privilegiadas vão perdendo rapidamente seu privilégio, pois, de geração em geração, face à exposição incessante à ingesta diária de um grande excesso de alimento, a resistência aludida vai se perdendo e transmite-se aos descendentes uma tendência progressiva ao acúmulo de massa gorda no corpo.

Já as outras pessoas TODAS, ao comerem demais, engordam progressivamente. Somando-se a isso a sedentariedade amplamente dominante e tendência natural de acúmulo de peso com o progredir da idade, marchamos celeremente para nos convertermos em MAIS UMA nação de gordos e obesos.

AS MULHERES SÃO AS MAIORES VÍTIMAS

Nessa massa cada vez maior de pessoas com excesso de peso, as MULHERES têm uma situação especial e muito mais difícil: elas NÃO PODEM engordar! Pois estão submetidas à ditadura da moda. E a moda, já vimos, é anoréxica. Um sobrepeso de 10% num homem não o deixa nem um pouco preocupado. Um sobrepeso de 10% numa mulher a deixa desesperada. É catastrófico para ela. Pois ela estará, o tempo todo, sendo medida contra as “normais”, as famigeradas magras.

Como já vimos, o sistema capitaneado pela indústria alimentícia e pelos restaurantes e bares faz de tudo para que a mulher engorde: brindam-na com uma OFERTA abundante e acessível, de forma que ela se veja vítima de sua baixa resistência aos prazeres da mesa e de sua compulsividade psicológica. Ela engorda. E entra em pânico. A indústria e o comércio engordam. Suas contas bancárias.

Aí a mulher TEM que emagrecer! Por que as OUTRAS, aquelas desgraçadas, comem como umas dragas e continuam MAGRAS!... Então vem para o foco principal a INDÚSTRIA DO EMAGRECIMENTO.

Lá sei foi o suado dinheirinho da mulher nos excessos de comida, bebida e guloseimas. Agora lá se vai mais dinheirinho suado nos alimentos ditos “light" e "diet", muito mais caros, e nos inúmeros profissionais, remédios e dietas milagrosas da indústria do emagrecimento. Pronto, a nossa gordinha, principiante ou já estabelecida, acaba de se tornar refém da outra banda do sistema! E que banda!

Vamos dar continuidade a este tema na Parte IV desta série:

 Como o engordar e emagrecer cíclicos destroçam, além de sua autoestima, sua aparência e sua saúde, as suas combalidas finanças já tão comprometidas com a indústria da BELEZA: Moda e Cosméticos.

Céus, COMO É CARO SER MULHER!







quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O  AMIGO  CAMELO  AZUL 
MILTON  MACIEL 

O Betão tinha bebido demais. Pelo menos umas dez, não vinte, não... bem, uma porrada de doses de uísque – ou era vodka? – com cerveja. Esse era o número mais exato que ele conseguia lembrar. Aliás, lembrar... lembrar, ele não estava conseguindo lembrar de nada agora. Mas uma coisa era certa: ele estivera num restaurante com a turma, numa confraternização de... bom de uma porcaria qualquer, como é que ele ia saber?!  Era em algum lugar na região da Paulista. Ou será que era em São Miguel Paulista? Ou vai ver era em Paraguaçu Paulista e ele estava no interior. Bom, isso não tinha importância agora.

O que importava é que ele tinha que ir ao banheiro. Pra fazer o que?... Não tinha bem certeza. Mas ia descobrir quando achasse um. Um garçom gordo de bigode, que parecia dois – ou o cara tinha um irmão gêmeo trabalhando ali? – Bem os dois garçons, então... falaram e apontaram, juntos, que ele tinha que passar por uma porta larga lá na frente para chegar ao banheiro. Ele procurou a porta mais larga que viu e passou por ela. Foi dar em um corredor largo prá burro. Cheio de elevadores.

Estranhou que, para chegar ao banheiro, tivesse que usar elevador. Tinha uns... tinha uma porrada de elevadores por ali, ele entrou num de porta aberta e apertou um botão. Mas aí lembrou que ele não sabia em que andar ficava o banheiro, então apertou todos. Poxa, tinha uns... uma porrada de botão naquele painel maluco! Betão foi apertando um por um e o elevador começou a subir no tranco. Devia estar com defeito aquela porcaria, porque parava em tudo que era andar. Droga, ele estava apertado!

Bem, depois de alguns minutos, Betão chegou ao último andar do prédio. Resolveu sair porque tinha que desaguar com urgência absoluta. Mas o corredor estreito que ele achou, mal iluminado, só levava para uma escada. Betão achou que aquela era a escada do banheiro, só podia ser. Subiu. A escada terminou noutra escada. Ah, essa é que era a escada do banheiro, só podia ser! Era uma escada de metal, bem íngreme. Betão subiu nessa também. E acabou desembocando em um terraço enorme. Acima dele, só o céu cheio de nuvens e de poluição, o que tirava qualquer dúvida: ele estava era em São Paulo mesmo! Bom, era um terraço. Apertado como estava, Betão se chegou a uma mureta, fez pontaria pra cima e mandou uma ducha de cerveja quente lá pro outro lado. Que alívio!...

Mas acima dele, a rigor, tinha mais alguma coisa, sim. Tinha um treco grande e esquisito, enorme e esquisito, filha da puta de grande e esquisito! O treco era feito de uns... uma porrada de peças de metal e em cima tinha um monte de outros trecos redondos que nem bandeja de pizza, só que grandes pra cacete.

Aí o Betão viu um cartaz e se aproximou. Ficou esperando que o diabo do cartaz parasse de dar voltas para poder ler. Mas a porcaria do cartaz ficava girando junto com o terraço e o treco esquisito cheio de coisa redonda esquisita lá em cima. Ah, tinha uma porrada de luzinhas vermelhas no treco giratório, também. Que diabo podia ser aquilo lá em cima do terraço do restaurante?

Aí o cartaz deu uma vacilada, parece que parou pra dar uma respirada e o Betão conseguiu ler: “TORRE DE MICROONDAS. Não se aproxime.”

Pô, então era isso! Mas que puta microondas enorme aquele! Bom, devia ser da cozinha do restaurante. Poxa, ali dava pra botar uns mil pratos pra esquentar. Ah, então aqueles trecos redondos lá em cima estavam explicados: eram os pratos esquentando no microondão dos caras. Poxa, como é que a comida não caía toda no chão, se os pratos grandes estavam todos na vertical. Ora, devia ter cola naquele grude, coisa de gororoba de restaurante. De mais a mais, por que é que ele tinha que entender de microondas gigante? Vá se catar!

Pensando nisso, o Betão resolveu se catar, pra ver que raio de coisa tinha nos bolsos, que estavam estufados pra burro. Achou duas garrafas de uísque – ou seria vodka? – e dois copos. As garrafas estavam pela metade. Betão ficou chateado: Pô, deve ter dado um trabalhão pra afanar no restaurante e eu só tenho, matematicamente, uma única garrafa. Diabo de uísque, devia escapar da garrafa, mesmo estando ela com a tampa! Diacho, não fazem mais garrafas como antigamente... Por isso mesmo, ele resolveu se apressar e beber logo tudo o que restava, antes que aquilo sumisse também.

O primeiro copo ele colocou no parapeito daquela mureta, por sobre a qual tinha mijado. Mas aí esbarrou no copo e ele caiu do outro lado. Como não ouviu barulho de vidro quebrando, ele se inclinou sobre a mureta para olhar do outro lado. Que cagaço!  Pô, do outro lado da mureta tinha o maior precipício! O copo ainda devia estar caindo. Só aí o Betão se tocou que estava no alto de um prédio de uns vinte, uns trinta... de uma porrada de andares. Ficou apavorado, ele tinha mijado em São Paulo inteira! Deu o maior frio na barriga, tremedeira nas pernas, tinha pavor de alturas. Lá embaixo, uma avenida inteira, cheia de carros de faróis acesos, ficava girando também, que nem os trecos do terraço. E dizer que ainda havia ignorantes que duvidavam que a Terra gira ao redor do Sol e o que o homem já chegou à Lua! Santa ignorância...

Encagaçado, paúra de altura, Betão resolveu sentar no chão mesmo. Botou no chão copo e garrafa e serviu-se de uma dose pequena, só até à boca do copo. Foi quando começou a beber que descobriu que não estava sozinho no terraço do microondas. Atrás dele estava um simpático camelo. Um camelo dos grandes, com aquele típico pelo azul escuro brilhante, inconfundível. E umas... bem, uma porrada de corcovas, como um camelo tem que ter, pra ser camelo de fé. Aí o Betão, muito solidário, achou que o camelo devia estar com fome, por isso estava miando alto daquele jeito. Se bem que podia estar era com sede, pois ele tanto miava como latia, tudo ao mesmo tempo. Betão tentou consolar o camelo, falando no seu linguajar misturado de tu e você:

– Olha, amigão, tu é um puta dum cara corajoso prá ficar nestas alturas. Mas eu acho que você deve estar com fome, porque eu não estou vendo comida pra camelo aqui. A propósito, o que é que camelo come mesmo?... Ah, que burrice a minha! Come areia, é claro. Pô, amigão, eu não tô vendo areia aqui, tu se ferrou, camarada. A não ser que caia comida lá de cima dos pratões do microondas e tu fature as sobras, seu malandro.

Mas o camelo não confirmou essa ideia. Fez cara de chateado e mugiu como boi. Então o Betão, muito caridoso e humano, sacou qual era a dele:

– Já sei, meu chapa, tu tá é a fim do meu uísque, malandro. Pois tá certo, vamos dividir esta garrafa aqui. Tu bebe no copo e eu bebo na garrafa. Desculpa, eu tinha outro copo, mas o desgraçado resolveu voar de parapente e se estatelou lá em baixo. E Betão encheu generosamente o copo até à boca de novo, passando-o para o camelo.

O camelo pegou o copo com a mão direita, que devia ter pra lá de dez dedos, todos cheios de anéis, e emborcou tudo de um gole só.

– Pô,  camarado, assim tu se dá mal, essa coisa sobe pra cabeça e te deixa muito doidão. Tu tem que beber com moderação, sacou, como na propaganda, como eu bebo.
Moderação, malandro.

E voltou a encher o copo do camelo, que desta vez bebeu com moderação, dois goles para acabar com um copo. Betão aprovou, deu um tapão amigo nas costas do camelo, fazendo saltar a gravata de bolinhas vermelhas no peito dele:

– É isso aí, camarado. Assim é que se faz. Moderação.

E continuaram a beber o resto da noite, a garrafa tinha uns... uma porrada de uísque lá dentro, não dava pra imaginar como é que os caras conseguiam engarrafar litros e mais litros numa garrafa normal só. Tecnologia!...

Bem, sabe como é: Apesar de os dois beberem com moderação, o uísque acabou subindo mesmo. Aí o camelo começou a fazer confidências, contou que saiu da África porque tinha muitas dúvidas a respeito de sua verdadeira vocação, seu sonho era ser guarda-noturno e leão de chácara de boate. Também estava muito inseguro, porque uma prostituta da boca do lixo tinha dado uma verdadeira surra nele na cama. Botou-o de barriga pra cima, montou nele e mostrou que ele não era de nada, não era páreo pra ela.

Solidário, Betão resolveu apresentar uma confidência besta qualquer, mas que desse força pro coitado do camelo. Confidenciou, entre lágrimas, que quando era garoto e tomou sua primeira bebedeira, foi comer uma prima na casa dela e, quando acordou, estava deitado era na cama do irmão dela, o primo mais velho, aprendendo na dureza que o dito popular “negócio de bêbado não tem dono” é uma pura e dolorosa verdade.

O camelo ficou mais consolado, viu que não estava sozinho em seu drama sexual, e os dois passaram a madrugada toda cantando rock anos 80 e bolero mexicano dor de corno, Como nenhum deles sabia nem letra, nem música de bolero, que não era do tempo deles, tiveram que compor as músicas e letras ali mesmo. Ainda bem que o camelo era muito bom no violão. O Betão nunca tinha tocado bateria, mas um delas apareceu andando por ali, como quem não quer nada, e o camelo explicou para ele como é que se fazia. E em coisa de dois minutos o Betão já estava fera na batera.

Bom, no fim, quando o dia já ameaçava amanhecer, os dois caíram num sono ferrado, dormiram abraçados de conchinha. Horas depois os seguranças do prédio acordaram o Betão e ele viu que o camelo, os instrumentos musicais, a garrafa e o copo não estavam mais por ali. Só tinha uma coisa esparramada pelo chão e, pelo cheiro, o Betão foi logo se tocando que o porco do camelo devia ter vomitado ali. Pô, o cara era fraco pra bebida! Aí os homens levaram o Betão escada abaixo até o elevador, apertaram um botão e, tempos depois, ele estava saindo do edifício, andando pela calçada, chamando em altos brados o seu novo amigo camelo. Poxa, camarada legal estava ali! Bela voz, boa afinação e tocava um violão como poucos! Na certa tinha descido a fim de tomar um café bem forte, pra curar a bebedeira.

O mais engraçado é que, daquele povo todo que passava ali na Avenida Paulista, ninguém, mas ninguém mesmo, tinha visto um camelo azul em nenhum boteco, tomando cafezinho. Pô, uma baita camelo daqueles! Ô povo mais alienado, só querem saber de trabalhar!...

Ele parava as pessoas pra perguntar se tinham visto um camelo azul grandão, com uma gravata de bolinha vermelha, ali na Paulista. E eles olhavam pro Betão com cada cara mais esquisita!... Povo doido, sô!



quarta-feira, 23 de outubro de 2013

COMO É CARO SER MULHER! - 2a. parte
MILTON MACIEL
A cruel obrigação de ser MAGRA!

Na cruel batalha diária em busca de auto-confiança e de um mínimo de condições para não sair humilhada da cruenta guerra contra as outras mulheres, combate sem tréguas de mais de dez mil anos, a mulher moderna tem mais uma obrigação. Não basta apenas ser bela, pois o cânone atual impõe um segundo parâmetro a satisfazer, como conditio sine qua non de aceitabilidade social: a obrigação de ser MAGRA.

Sim, de nada lhe vale ter um rostinho bonito, belos cabelos, olhos, sorriso, simpatia, gentileza, finesse, boa educação. O tempo inteiro matraqueia em sua mente a terrível palavra: GORDA!

E O QUE É SER GORDA ATUALMENTE?

Basicamente é ousar ultrapassar os estritos limites da anorexia superior. Que é aquela que aceita na mulher um máximo de 20% de peso, em carnes, acima daquilo que pesariam os ossos do seu esqueleto, depois de lavados e desengordurados com éter etílico.

O outro limite, o da anorexia inferior, que é aquele tido como ideal pelas meninas aspirantes a modelo, é exatamente igual ao peso total dos ossos desengordurados, sem nenhum graminha a mais. Este, embora alcançável, é mais difícil de atingir ainda com pulso, mas parece ser uma tendência irreversível que veio para ficar, estimulando na indústria a fabricação de roupas femininas adultas nos manequins 40, 32 e 26.

Pois é, não bastasse o tormento de ter que ser BELA, você ainda tem que encarar a obrigação de ser MAGRA.
 
BELEZA É FÁCIL!

A BELEZA, sabemos, é FÁCIL: É só uma questão de hidratante,primer, corretivo, base, pó, curvex, rímel, delineador, lápis, blush, sombra, removedor, peeling, outro lápis, batom, brilho labial, chapinha, shampoo, condicionador, tintura, tonalizante, fixador, esmalte, brilho, depilador, lente de contato. Ufa, SIMPLES ASSIM! Está certo que é um pouco caro, é verdade. Está certo que acaba tomando um tempo desgraçado todos os dias, também é verdade. Mas, paciência, o que se há de fazer, é a regra do jogo. As desgraçadas das OUTRAS fazem isso, não fazem?!

Para o item esmalte, que é mais baratinho, você tem o disponível na sua bolsa. Para todos os outros, existe Mastercard. E, claro, aquela maldita fatura no fim do mês, com os juros de agiotagem mais escandalosos do planeta Terra, praticados pelos perigosíssimos  caras de colarinho branco dos bancos e companhias de cartão de crédito. E aí você acaba tendo que gemer ainda mais sob o peso da beleza. É a beleza com juros!

Mas, se tudo acabasse por aí, até que você conseguiria agüentar. Afinal, é só uma questão de dinheiro e tempo, Mas é seu dinheiro e seu tempo, ninguém tem que dar palpite! Você dá um duro danado, merece ganhar esse seu suado dinheirinho e pode gastar do jeito que bem lhe aprouver. Se você vai consumir, durante a vida, o equivalente a um bom carro zero em cosméticos para pele, olhos, cabelos e unhas, ninguém tem nada com isso. E daí que você prefira se sentir linda, deslumbrante, dentro do ônibus ou dirigindo o seu “pois é”? Direito seu, não fique ninguém se metendo onde não é chamado.

E daí que você tenha que dormir uma hora menos por dia para poder pintar sobre a base do seu rosto aquela mulher linda que você sabe que pode criar, com tempo, esforço, engenho e arte? Ou, se tiver que usar muita base, esculpir, antes de pintar. Mais uns minutos para retocar durante o dia, mais um tempo à noite para remover, e é só. É seu tempo. Ninguém tem nada com isso.

Afinal, o que é uma mísera hora por dia, ora bolas? Só 365 horas por ano, apenas 18250 horas dos 15 aos 65 anos, o que dá só 760 dias ao todo, quer dizer só dois anos inteiros e mais um mês de vida cuidando da maquiagem. Acaso isso é muito tempo?

Pior o homem, que, no mesmo período de vida, fazendo a barba todos os dias em cinco minutos (só que boa parte dos malandros não faz barba todos os dias, sem falar nos que usam barba direto), vai consumir dois meses inteiros da sua vida só para tentar manter aquela cara de safado lisinha que nem bunda de neném e levar você no bico mais fácil.

Pois é, mas não adianta ficar dando voltas, enrolando, enrolando, falando de beleza. Temos que encarar o seu problema maior de frente, GORDA!

Ah, você não é gorda? Não é ainda, MAS SERÁ! A menos que você tenha aquela genética prodigiosa, que lhe permite comer DEMAIS, como fazem TODOS, gordos ou magros, e não acumular peso. Mesmo assim, ainda existe o problema da natural tendência de ganhar peso com o passar do tempo: mais idade, mais peso – mais gordura, menos músculo. Então, mesmo com a genética prodigiosa da sua avó, você ainda corre um certo risco no futuro. Mas isso é só com você. Para todas as outras existe o MASTERPESO.

Que é o peso que se ganha quando se é normal, sem a proteção da genética dos ruins-de-engorda. Então para você, mulher normal, existe o SUPLÍCIO diário da DIETA! Não posso comer palito, por que me engorda! Mas, mesmo assim, você vai almoçar no regulamentar POR-QUILO. E aí, sabe como é, quando chega na balança... do restaurante, é aquela problema. Mas depois, quando chega naquela maldita sádica, que se compraz em torturar você, cada vez que você sobe nela lá no seu banheiro... aí sim é que é frustração!

Ou seja, a coisa é mais ou menos assim: ou você passa fome de ficar verde, ou você ouve o pessoal cochichando às suas costas: “Nossa, como ela engordou!”  O que dá uma bruta raiva, que só pode ser aplacada na sorveteria mais próxima, onde você pode afogar suas mágoas em bolas de abacaxi, menta e pistache.

Verdade. O problema é que os caras criaram esse padrão DESUMANO de beleza anoréxica e, impondo-a às mulheres do planeta Terra, garantem o extraordinário faturamento de centenas de bilhões de dólares anuais das indústrias da moda e do emagrecimento. Se hoje eles mudassem o cânone e permitissem que você pudesse ter mais 10 quilos e, ainda assim, ser considerada MAGRA, seria a falência para todos esses prósperos ramos de negócios.

Se você tivesse nascido no final da Idade Média e início do Renascimento, você seria uma musa, uma menina extremamente desejável, se pudesse expor a sua semi-nudez exuberante de 90 quilos. As magras de hoje seriam internadas obrigatoriamente em sanatórios para tísicas.

Mas o problema é que você é uma mulher do século XXI. Conforme sua altura, 60 quilos é mais do que suficiente para você se sentir  a Moby Dick com TPM.

Vamos dar continuidade a este assunto na 3ª parte desta série, mostrando como o SISTEMA faz para garantir que você engorde, gastando os tubos em comida. E aí precise gastar, depois, os tubos em emagrecimento. Então até breve... Gordinha, atual ou futura.

Na mesma série:
1 – A cruel obrigação de ser Bela
2 – A cruel obrigação de ser Magra
3 – A cruel obrigação de ser Jovem
4 – A cruel obrigação de andar na Moda
5 – A cruel obrigação de ser Mãe (de marido e filhos)
6 – A cruel obrigação de ser Profissional de Sucesso
7 – A cruel obrigação de ser Rica

terça-feira, 22 de outubro de 2013

NUNCA  EU  TINHA  AMADO  TANTO! 
MILTON  MACIEL 

Caía a noite, chegava
Em mim, qual ardente lava,
O fogo de uma paixão.
Cupido sacou da aljava
A seta que flamejava
E acertou-me o coração:
Então eu soube que a amava!

Vibrei, tomado de encanto,
Flutuei, transido de espanto,
Ao descobrir esse amor.
Envolveu-me a Luz no manto
De um sentir sacrossanto,
Que elevou-me ao esplendor:
Nunca eu tinha amado tanto!


COMO É CARO SER MULHER!!!
MILTON  MACIEL

1ª. Parte - A cruel obrigação de ser BELA

Que é ainda mais terrível quando você não nasceu para ser a Bela. Mas aí tem a indústria dos cosméticos, as lipos, as cirurgias. E vem a ditadura da moda: roupas que precisam sempre ser substituídas a cada estação do ano, calçados, bolsas, bijuterias, jóias, perfumes. E lá vai a mulher que trabalha entregar milhares de horas do seu suor sacrossanto, durante toda a sua vida, para a vorazIndústria da Beleza. Quanto do seu suado e difícil dinheiro foi e vai embora pelo ralo da indústria da ilusão da beleza? Da beleza eterna, inclusive, quando os anos de viço natural da juventude começam a passar. E, em tempos mais atuais, a multibilionária Indústria do Emagrecimento vem tomar-lhe ainda mais dinheiro e tempo, monstro cruel nutrido pela alimentação suicida, desbalanceada e excessiva, que é imposta por sua parceira de negócios e irmã gêmea siamesa, a Indústria Alimentícia.

Muitos espertalhões apregoam e garantem, há séculos, que, mediante o uso continuado de seus mágicos produtos, virá o fim das rugas, da celulite, das varizes, das estrias, das marcas de expressão, das gorduras localizadas, dos cabelos brancos. E da FEIÚRA! E, com o advento da moderna Indústria de Mentir em Massa – via publicidade e marketing – passaram a ter uma aliada poderosa para suprir sua necessidade diária de iludir e enganar, prometendo beleza facilmente atingível e juventude eterna.

Doe-me ver que mesmo as mulheres mais inteligentes não podem escapar dessa engrenagem cruel e destruidora, que as tritura economicamente e as infelicita face aos pífios resultados conseguidos. Paga-se pela ilusão, ganha-se, como bônus, a desilusão! E, claro, um rombo garantido no orçamento mensal. Não podem escapar, porque as mulheres são trituradas diariamente pela COMPETIÇÃO com as outras mulheres, que há mais de 10 milênios torna a amizade, a confiança e a cooperação genuína entre mulheres muito mais difícil – o que é tudo conseqüência da cultura machista do neolítico. “As mulheres se vestem para as mulheres e se despem para os homens”, já se dizia na Grécia antiga.

E isso é tristemente verdadeiro. Afinal, o que significa ANDAR NA MODA? Significa ser OBRIGADA a aderir a um padrão momentâneo e ultra-rápido, imposto pela indústria através da publicidade e das mídias, o que a força a SEMPRE ter que COMPRAR NOVAS ROUPAS e mais ADEREÇOS “que combinem”. Por quê? Porque o diabo das OUTRAS já compraram! E ela, se não o fizer, ficará DEMODÉE! Ou seja, exposta à crítica e ao deboche das OUTRAS MULHERES. Para piorar, ela não pode REPETIR roupas, sapatos e bolsas! Isso é de uma covardia ultrajante!

Os homens não estão nem aí para a moda feminina, exceto quando lhes compete pagar por ela. Aí eles chiam e xingam. Caso contrário, ignoram solenemente as “tendências do outono 2013” e o que mais querem com as roupas das mulheres e poder arrancá-las na intimidade de um quarto. E, grosseiros, ainda são capazes de amarfanhar, jogar no chão e até rasgar, na sua sofreguidão, aquela saia Prada que custou um mês e meio de salário dela. Isso sem falar que o incauto destrói em um minuto todo aquele penteado caprichado, que custou horas e horas de salão e muita grana de cabeleireiro, gorjeta e estacionamento.

Nos Estados Unidos, a indústria de cosméticos como um todo faturou 170 bilhões de dólares em um ano, 2012. A dos salões de beleza, 86000 estabelecimentos por aqui, faturou 30 bilhões e espera chegar aos 50 bilhões em 2017. A do emagrecimento abocanhou 166 bilhões! Praticamente tudo dinheiro tomado DELAS!

Uma pesquisa inglesa que dá o que pensar

Na Inglaterra, uma pesquisa publicada no Daily Mail, feita pela Superdrug, para lançar sua Academia da Maquiagem, revela dados estarrecedores, aplicados às mulheres inglesas, dos 16 aos 65 anos de idade, faixa etária em que elas consomem cosméticos mais ativamente. A pesquisa envolve apenas produtos para a pele, os olhos e os lábios. Nada para os cabelos e para o resto do corpo, como gorduras, rugas e estrias. E muito menos perfumes e sabonetes especiais.

A conclusão da pesquisa é que uma inglesa gastará em média, dos 16 aos 65 anos de idade, 9000 LIBRAS apenas com cosméticos! Ou seja 27 mil reais em 49 anos, 550 reais por ano e 45 reais por mês, arredondando os números. Essa média inglesa é compatível com a sua despesa pessoal com cosméticos aqui no Brasil, amiga leitora brasileira?

Vamos avançar pelos meandros desta pesquisa, feita com 3000 mulheres de todas as faixas sociais, pois ela revela muita coisa importante, no que ela chama de

OS NÚMEROS DA VAIDADE:

70% das mulheres declararam que NUNCA saem de casa sem algum tipo de maquiagem.
69% afirmaram que ficam MUITO  mais bonitas quando usam maquiagem.
68% delas disseram que SE SENTEM MAIS CONFIANTES quando estão com uma maquiagem completa e que raramente permitem que as pessoas as vejam sem ela.
50% disseram que usam maquiagem o TEMPO TODO, só a removendo na hora de dormir.
41% disseram que ficariam muito chateadas se AS COLEGAS as vissem sem maquiagem. AS colegAs!
33% disseram que jamais saem de casa sem levar seu KIT DE MAQUIAGEM, para fazer os retoques e mudanças que acharem convenientes.
25% disseram que, se pudessem ver como elas são FEIAS SEM MAQUIAGEM, as outras pessoas que as olham ficariam horrorizadas.
21% disseram que seus NAMORADOS jamais as viram sem maquiagem, nem mesmo na cama.
16% disseram que não encaram nem mesmo SEUS PAIS sem maquiagem.

A diretora da pesquisa, Sarah Wolverson, disse: “Nossas clientes usam maquiagem como uma forma de adquirirem AUTO-CONFIANÇA, de se acreditarem NA MODA e de se sentirem MAIS JOVENS.”

Uma das mulheres pesquisadas declarou:

“Tenho 47 anos e uso maquiagem todos os dias desde que tinha 14. Uso mesmo que não vá sair. Não me sinto bem sem ela, é como se eu estivesse nua.”

No outro extremo, uma mulher de 31 anos afirmou:

Eu que não uso essas coisas químicas na minha pele! Por isso ela é ótima até hoje. Mas o que eu não posso aceitar é que exista gente tão paranóica que fica “morrendo de vergonha” se UMA colega a vê sem maquiagem.”

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

“MAS NÃO O RECONHECERAM”
A Parusia:  Como foi volta de Jesus Cristo à Terra
MILTON MACIEL

   Vaticano, sede da Congregação Para a Doutrina da Fé, 23 de Maio de 2005. Às 14 horas, quatro homens estão sentados à mesa de reuniões. Sente-se no ar um clima de grande tensão. Alto, loiro, Padre Kleinubing tem olhos azuis de expressão angustiada, sob os óculos sem aro. À direita dele, baixa estatura, pele escura, cabelos crespos grisalhos, calva incipiente, semblante tranquilo, está Padre Cícero Ramon. É o vigário da paróquia de Igarassu, Pernambuco, Brasil, que está proibido de rezar missas e obrigado ao voto de silêncio desde o mês de janeiro. Do outro lado da mesa, em frente a ele, cenho cerrado, ar de grande preocupação, a autoridade que lhe aplicou as sanções – o cardeal alemão Heinrich Volkmann, prefeito daCongregação Para a Doutrina da Fé, sucessor do Cardeal Ratzinger, desde o mês passado sua Santidade Papa Bento XVI. Completando o grupo, Padre Leonardi, italiano, assessor de Wolkmann. O cardeal foi o primeiro a falar:

– Senhores, como sabem, o assunto de que vamos tratar é da maior gravidade e deve continuar no mais absoluto sigilo. Se chegar ao conhecimento da mídia e do público, as conseqüências serão imprevisíveis e, certamente, terríveis para nossa Santa Igreja. Por essa razão foi que impus o voto de silêncio a Padre Cícero. Mandei Padre Kleinubing ao Brasil porque ele nasceu lá, domina o idioma. E agora que ele acaba de regressar, trazendo-nos Padre Cícero, peço-lhe que nos apresente suas conclusões.

– Eu estive com Ele, Eminência! Com Ele! E não o reconheci! Pequei por soberba e por racismo, qualidades negativas que tentei em vão esconder de mim mesmo. Nasci em Schröder, Santa Catarina, mas foi na Alemanha que fiz minha carreira eclesiástica e onde o bondoso cardeal Volkmann me conheceu.  Graças a ele, faço parte da Congregação, desde 2001, quando mudei para o Vaticano.  Quando estourou o caso do beato brasileiro, o cardeal me incumbiu de acompanhar as investigações da Cúria Metropolitana do Recife. Foi lá que tive a oportunidade de conhecer o padre Cícero Ramon. E fui visitar o Homem na cadeia, Eminência! O vigário de Igarassu insistia o tempo todo que esse homem era Nosso Senhor Jesus Cristo redivivo! Padre Cícero, por solicitação do Arcebispo de Recife e Olinda, disfarçou-se de homem comum e entrou para o grupo de seguidores do tal beato. Depois de ficar onze meses como peregrino, tendo-se tornado bem próximo do líder, o padre passou a acreditar piamente que aquele homem era mesmo Jesus Cristo que tinha voltado à Terra. A Parusia!

Padre Kleinubing fez um grande esforço para controlar sua emoção e conseguiu prosseguir:

- Quando Padre Cícero começou a falar isso em público e o assunto chegou à Congregação, nós o mandamos silenciar imediatamente. Quando cheguei ao Recife, quase Natal de 2004, coincidiu de o Homem e seu grupo chegarem lá também. Mas ele foi logo preso e ficou detido numa delegacia de Polícia. Padre Cícero Ramon ficou desesperado e me suplicou para usar minha posição de membro do Vaticano para pressionar o arcebispo, de forma que a Igreja Católica se empenhasse na libertação do homem. Eu disse que só o faria depois de entrevistar o tal beato na cadeia e me convencer que ele era efetivamente Jesus Cristo. Antes disso, ouvi o relato do padre e confesso que fiquei bastante impressionado. Então a Cúria me forneceu o dossiê completo da investigação, também algo bem surpreendente. Vejam, eu trouxe uma cópia de tudo comigo. Deixem que eu lhes leia o trecho mais importante:

“Cúria Metropolitana da Arquidiocese de Recife e Olinda, 21 de Janeiro de 2005. Caso Severino de Maria Zacarias, tido como beato por pessoas do povo nordestino. Nascido em 8/2/1971, na Serra da Costela, limites da Paraíba, em Jacarará, município de Poções, Pernambuco. Dos pais não há registro senão dos prenomes: um certo Zacarias, retirante e carpinteiro. E uma tal Maria de Zacarias, lavradora. Tipo físico: mulato, 1,80 m, cabelo sarará, usa óculos. Não usa barba. Vestimentas: usa sempre uma túnica similar a uma batina, de cor branca, sandálias e chapéu de couro. Teve estudos: graduação e mestrado em Ciências Sociais na Universidade Federal de Pernambuco. Era professor adjunto quando, aos 30 anos, abandonou tudo e começou uma longa marcha a pé, de mais de 2000 quilômetros, partindo do Recife com meia dúzia de pessoas, entre elas uma estudante de pós-graduação de Letras, Maria Milena, que consta ser sua mulher, fora dos sagrados laços do matrimônio, porém.”

“A longa jornada estendeu-se por três anos e no percurso esse homem foi fazendo pregações doutrinárias subversivas, voltadas contra as instituições e contra nossa Santa Igreja, uma série de blasfêmias e heresias. Leia-se, por exemplo, à pagina 27 deste relatório, um trecho de um dos documentos que foi apreendido com o homem:

“De noite tu vives na tua palhoça,
de dia na roça de enxada na mão.
Julgando que Deus é um Pai vingativo,
não vês o motivo da tua opressão.
Tu és nesta vida um fiel penitente,
um pobre inocente no banco dos réus.
Caboclo, não guarda contigo essa crença,
a tua sentença não parte do Céus.”

“Consta que o texto, evidentemente subversivo, é de um certo Antônio Gonçalves da Silva, vulgo Patativa do Assaré, felizmente já falecido e sobre o qual não temos maiores informações. O fato é que, com o passar do tempo e da peregrinação, esse falso profeta começou a arregimentar seguidores, pessoas simples e ignorantes, que passaram a ver nele uma espécie de santo ou profeta. Temos inclusive o testemunho de um padre da nossa Igreja, ao qual o Cardeal Arcebispo de Recife e Olinda determinou que, disfarçado, aderisse a esse bando para saber quem era aquele homem misterioso, que, ao cabo de três anos de pregação, já tinha mais de mil seguidores diretos na jornada, fora as multidões que deixou afetadas em todos os lugares em que passou, em Pernambuco, Ceará, Paraíba, Alagoas e Bahia.”

“Declaração do Padre Cícero Romão, da paróquia de Igarassu, Pernambuco, em depoimento à Polícia Civil desse Estado, quando foi obrigado a falar. Nos recintos da Santa Igreja ele está impedido de fazê-lo, porque, por ordem de sua Eminência, o Cardeal Volkmann, da Congregação Para a Doutrina da Fé, esse padre está atualmente proibido de rezar missas e colocado sob voto de silêncio.  Diz o padre:

“Estou convencido da santidade desse homem. Eu, pessoalmente, acompanhando-o pelo sertão da Paraíba e de Pernambuco nestes últimos onze meses, junto com seus fiéis, o vi realizar prodígios e milagres. Ele curava doentes, abençoava lavouras, fazia partos difíceis de animais nas propriedades pobres, ajudava com seus homens nas colheitas. E, mais de uma vez, quando a fome era muito grande para todos, ele alimentou todo mundo com um pouco de jerimum ou macaxeira e um naco de carne seca, que ia multiplicando. E ele podia, quando imprescindível, transformar água em mel-de-engenho e rapadura. Seus homens e ele mesmo cortavam cana na safra, para ganhar algum dinheiro. Mas, pela filosofia do líder, tudo que cada um ganhasse tinha que juntar ao fundo comum, para justa divisão. Eu acredito na santidade dele e para mim, como padre, não resta a menor duvida que ele é mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo, que voltou à Terra.”

   “Era assim que viviam, num típico modelo comunista, subversivo. Saiu o visionário do Recife, há coisa de uns três anos, com meia dúzia de pessoas e retornou com mais de mil a segui-lo. Isso, por si só, já caracterizava um indivíduo politicamente perigoso, os órgãos de segurança do governo e do exército estavam de olho nele, acompanhando sua marcha à medida que ele se aproximava do Recife.”

“Chegaram nesta capital no dia 23 de Dezembro. Deixando a quase totalidade do grupo em Paulista, o líder do movimento entrou em Recife com apenas 48 homens e mulheres.Foram direto para a catedral metropolitana e promoveram um comício em frente a ela, onde o perigoso indivíduo falou por cerca de duas horas contra nossa Santa Madre Igreja (e contra o Santo Padre), acusando-a de falsa herdeira de Jesus Cristo. Depois uma parte desses 50 indivíduos entrou no maior Shopping Center da cidade e organizou outra prédica, desta vez contra o sistema industrial, comercial e financeiro do Brasil. A polícia militar foi chamada e daí resultou o maior quebra-quebra. Os PM prenderam todos os baderneiros que não conseguiram fugir.”

“Já o indivíduo Severino foi preso pela Polícia Civil em frente à catedral mesmo e levado para uma delegacia, onde consta ter sido barbaramente espancado, por ter desacatado o delegado e todos os policiais. Chamou-os de desonestos, venais e assassinos. Depois de espancado, ele foi levado à presença do próprio Secretário de Segurança, Dr. João P. Lattes, na Secretaria. Este o interrogou pacientemente, mas o homem não colaborava. Seus seguidores todos, assim como o padre já referido, afirmam que ele é Jesus Cristo que voltou à Terra.”

“Quando o Secretário perguntava se ele era Jesus, ele respondia sempre: “O meu nome éSeverino, não tenho outro de pia.” E mais do que isso recusou-se a falar. O Secretário devolveu-o então à delegacia do Dr. Caio Fass, onde, testemunhas afirmam, o prisioneiro foi de novo submetido a outro “corretivo”, incluindo pau-de-arara e choque elétrico. Mas manteve-se mudo.”

“Temos um relato confiável, depoimento às pags. 37 a 49 deste dossiê, feito por Genésio de Almeida, escrivão da mesma delegacia e testemunha ocular de todos os fatos ocorridos naquelas dependências. Relatou o referido escrivão que o Dr. Caio Fass perdeu o controle quando o interrogado o chamou de ladrão e assassino. E mencionou, na ordem certa e com as datas corretas, todas as negociatas feitas pelo delegado em concorrências públicas, armadas ali mesmo na delegacia.”

´Mencionou desvios de cocaína apreendida e os dois assassinatos ordenados pelo delegado em Novembro passado. Diz a testemunha que, ao fazer tais afirmações, o homem praticamente assinou sua sentença de morte. Era como se ele estivesse querendo se fazer matar. Diz textualmente o escrivão: “Naquela noite, eu mesmo ajudei o carcereiro a esvaziar uma cela lá dos fundos, deixando ali só dois presos, por ordem expressa do delegado. Na hora eu entendi que aqueles também estavam condenados, pois eramtraficantes da facção rival à do delegado. E foi dito e feito.”

“No outro dia, quando o Sr. Almeida chegou à delegacia, viu que todos os três presos tinham sido metralhados juntos. Os corpos seriam removidos em seguida, estavam esperando o rabecão. Mas o corpo do indivíduo Severino desapareceu da cela na frente de todos. E reapareceu caminhando em direção à porta de saída, com sua túnica toda branca, sem uma só mancha de sangue, mas com 22 perfurações de bala.´

“Isso se deu justamente na hora em que o delegado Caio Fass vinha chegando. Este lhe deu voz de prisão e, não atendido, descarregou no homem os seis tiros do seu revólver 38. Nada aconteceu ao homem, foi como se as balas tivesse passado através dele, mas morreram na hora a faxineira Honorina e o escrivão Horácio. Isso acabou com a carreira do delegado, que foi processado, exonerado e hoje está internado numa clínica psiquiátrica.

    Isso encerrava a leitura do dossiê. Todos esperaram, respeitosamente, até que padre Kleinubing enxugasse as lágrimas. Ele então continuou:

– Sabe, Padre Leonardi, eu fui visitá-lo na delegacia no mesmo dia de sua prisão, pressionado por Padre Cícero. Fiquei sozinho numa cela com ele, que já estava bem machucado pela violência dos policiais. Perguntei como podíamos ajudá-lo. Ele simplesmente riu de mim: “A sua Igreja?! Ora, padre, volte para o seu Vaticano, deixe-me terminar minha missão em paz.” Ainda assim insisti e lhe perguntei:

– O seu nome é Jesus? – ao que ele respondeu simplesmente: “O meu nome é Severino, não tenho outro de pia” – e isso me fez desistir de ajudá-lo. Ele deitou em mim então um olhar como eu nunca tinha visto num ser humano: Um olhar que era pura compaixão, puro amor, como se estivesse me perdoando por minha indiferença. E por meu preconceito.  Fiquei abalado, porém eu já tinha formado um juízo preconcebido sobre ele. Afinal eu estava em frente a um NEGRO, um mulato escuro, alto e magro, sem barba, mas com um cabelo estilo black power enorme e um par de óculos redondos. Eu... eu preciso confessar que o meu racismo ancestral falou mais alto, era óbvio que eu não queria aceitar um Jesus Cristo com aquela aparência, para mim estranha. Contudo, para minha grande infelicidade hoje, ele era mesmo Jesus Cristo! Todas as investigações levadas a efeito depois de sua morte o confirmaram. Como o cardeal já sabe, hoje não temos mais nenhuma dúvida: Ele era mesmo Nosso Senhor! E eu não reconheci e não o ajudei, tendo estado a menos de um metro dele. Ah, padre, como o orgulho e a soberba podem perder um pecador!

Foi só então que Padre Cícero Ramon disse algo:

– Sim, ele veio, “mas não o reconheceram, antes fizeram com ele tudo o que fizeram.”

 Padre Leonardi interveio:

– Mas o que significa isso afinal? Que disparate é esse?
  
Ao que o cardeal replicou simplesmente:

– Significa que aquele homem era mesmo nosso amado Mestre Jesus. E, mais uma vez, nós não o reconhecemos e, antes, fizemos com ele tudo o que fizemos. Esse é o mais doloroso segredo que tenho carregado sozinho nestes últimos dias, desde que a investigação que fizemos no Brasil comprovou, sem a menor dúvida, a identidade do homem assassinado na delegacia: era Jesus, que cumprindo a Parusia, voltou a nós.

– Mas, Cardeal, como pode ele ser o Cristo, se falou coisas terríveis contra a própria Igreja dele?

– Contra a NOSSA Igreja, Leonardi! A nossa Igreja, que há muitos séculos deixou de ser a Igreja Dele. Foi isso que ele veio nos dizer. Lamentavelmente, quando o descobrimos, já era tarde demais. Ele se foi outra vez, não somos dignos de sua presença.

   Padre Leonardi deixou-se desabar no sofá quase sem respiração, tinha os olhos esbugalhados num gesto de puro pânico, a cabeça quase explodindo de dor.

    Então o cardeal Volkmann, bastante emocionado, dirigiu-se diretamente ao vigário de Igarassu e o que disse deixou Padre Leonardi atônito e Padre Kleinubing feliz:

–Apostate, meu filho. Apostate. Eu lhe suplico, leve sua pregação cristã renovada para fora de nossa Igreja. Torne-se um apóstata, eu lhe darei todo o apoio possível, de forma velada. Mas não fique mais nesta Igreja, lidere o movimento que vai resultar na nova Igreja Cristã, pois a força de Nosso Senhor já se faz sentir e dos, já hoje, milhares de seguidores que ele deixou, discípulos partem agora mesmo para conquistar o mundo. Mas eu lhe suplico: Dê-me tempo para ir preparando a transição, mantendo por enquanto a Igreja Católica ainda unida, até chegar a hora de entregá-la ao sucessor de Bento XIV, para as graves definições finais, quando sua Igreja haverá de redimir o que de bom tiver sobrado danossa. Agora vá, meu filho, nós lhe seremos eternamente gratos. O senhor é um privilegiado, Padre Cícero, conviveu meses a fio com Nosso Senhor. O que eu não teria dado para merecer tal oportunidade e tal honra!...

   Padre Cícero sertanejo, sacerdote por vocação, seguidor, discípulo e agora o primeiro apóstolo de Nosso Senhor Severino Zacarias, entendeu que aquele era o fim de sua presença no Vaticano e em sua Igreja. Saiu à rua andando com serenidade. Sim, caminhava em direção ao futuro, trabalharia em favor das duas Igrejas, da nova e da velha, faria o que suas forças permitissem para deixar que o cardeal Ratzinger exercesse o seu papado sem que fosse perturbado. Já era demais a dor do segredo que, certamente, o cardeal Volkmann lhe haveria de colocar sobre os alquebrados ombros quase octagenários. E o dia que o fizesse...