quinta-feira, 17 de outubro de 2013

PAPA  PACELLI  E OS BOCHES 
MILTON  MACIEL

   1939, Janeiro. Bendlerstrasse, Berlim, prédio do Alto Comando alemão. Dois companheiros de comando dialogam:

– Esse Erik Jan Hanussen tinha mesmo que ser destruído, Herr Goebbels. Ele detinha um poder excessivo, demoníaco, sobre o Füehrer. Era mesmo um perigo para nós, fizemos a coisa certa.

– Sim, isso é uma realidade, Herr Göring. O homem nos foi muito útil, mas não soube quando parar, virou uma ameaça para nós dois. Hitler lhe era particularmente grato por ele ter-lhe ensinado oratória e psicologia das massas. O poder hipnótico do chefe sobre as grandes massas, ele o deve todo a Herr Hanussen. E, além disso, não há como não admirar suas previsões, que eram sempre todas exatas.

– É verdade, Goebbels, o homem era uma sumidade. Eu era um dos que estavam sentados àquela mesa, no dia precedente à grande corrida de automóveis em Avus, em maio de 32. O homem escreveu dois nomes num papel e colocou-o num envelope, que lacrou. Então ele disse: “Um dos presentes aqui vai ganhar a corrida, um outro morrerá nela. Os nomes estão dentro do envelope, que só deve ser aberto amanhã, ao final da prova.”

– Sim, Göring, e ele acertou em cheio: Brauchitsch venceu e o pobre Príncipe Lobkowicz encontrou a morte naquela corrida!

– E logo depois ele garantiu a Hitler que ele seria eleito chanceler em 1933, exatamente no dia em que isso de fato aconteceu. E a predição do incêndio do Reichstag em 1932, então? Não foi igualmente impressionante?

– Sem dúvida, Göring! Mas o serviço mais importante de todos os que ele nos prestou tem a ver com o cardeal Pacelli, você está sabendo?

– Um pouco, mas isso nunca me foi informado com precisão. Você conhece os detalhes?

– Conheço, Göring. Mas é melhor chamarmos aqui quem organizou todo o trabalho, Rudolph Hess.

 – Hess? Bem, não é de surpreender, como membro ativo da Thule, desde o início...

– E depois da dissolução, em 1925, também, porque a Sociedade Thule continuou secretamente, a gente só faz que não sabe oficialmente, não é? Ainda hoje os maiores ocultistas da Alemanha se reúnem lá. Eu mesmo já estive envolvido por um certo tempo, não é segredo. Mas vamos chamar logo Hess, que está na sala do comando agora – E Goebbels mandou um auxiliar procurá-lo.

   Minutos depois um sorridente Rudolph Hess cumprimentava seus companheiros de Partido Nazista. Inteirado do que os outros dois queriam, não se fez de rogado:

– Venham a meu escritório na ala norte. Eu tenho lá, nos meus arquivos, papéis sobre os quais quero lhes falar. E que mostram como Herr Hanussen ganhou para nós, em definitivo, a lealdade do então arcebispo Pacelli, agora Cardeal e que, segundo Hanussen, vai ser o próximo papa, ainda este ano.

    Göring assobiou alto:

– Mas isso será extraordinário para nós, se acontecer! Ninguém em Roma é mais germanófilo que o Cardeal Pacelli. Não foi à toa que ele viveu entre nós por 12 longos anos, desde 1917, lembram? Ele dizia sempre que a Alemanha era sua segunda pátria e o alemão o seu segundo idioma. Seus rivais lá o chamam de “il Tedesco” – o Alemão!

– Sim, Pacelli sempre nos foi favorável. Mas creio que a razão principal é que ele vê em nós a única força capaz de deter o comunismo dos soviéticos – que é o que Pacelli, como um bom aristocrata, irmão de conde, mais teme e odeia.

- Ora, Hess, pelo que eu observei, esse cardeal não tem a menor simpatia pelos judeus também.

– Sim, Goebbels, ele sabe que os judeus são um inimigo perigoso a esmagar. Mas não é por isso que ele se mantém num quase completo mutismo a respeito do que fazemos com os judeus aqui. Isso tem a ver com Herr Hanussen! E também, em breve, o terá com um certo astrólogo suíço, Herr Kraft, sobre quem vou logo lhes falar . Mas deixem que eu comece por Herr Hanussen.

   Já no escritório, Rudolph Hess foi ao grande arquivo de aço e de lá retirou uma pasta de documentos. Mostrando-os aos colegas, retomou a palavra:

– Este, vejam bem, é o mapa astrológico natal do Cardeal Pacelli: 2 de março de 1876, às 22:30 hs, em Roma. Quando eu levei Herr Hanussen secretamente ao escritório da Nunciatura – Pacelli era então o Núncio apostólico para a Bavária – o então arcebispo ficou vivamente impressionado com o que Hanussen falou. Era o ano de 1928, em abril. Olhem aqui, o mapa natal. Eu entendo um pouco mais do que vocês, então vou mostrar o que está escrito, na letra do próprio Hanussen e lembrar o mais possível das palavras dele a Pacelli. O que ele falou ao arcebispo foi mais ou menos isto:

– “Arcebispo, eu tenho a honra de estar hoje em sua presença para lhe apresentar as conclusões a que cheguei sobre o seu futuro, analisando sua carta astrológica natal e a suas progressões para os anos futuros. Em primeiro lugar, quero chamar sua atenção para o seu Ascendente natal, em Escorpião, bem próximo à grande estrela Acrux, o que me levou à primeira suspeita. Por causa disso, progredi seu mapa e acabei encontrado datas de grande importância em seu futuro. No ano próximo, eu garanto, o senhor será nomeado cardeal e voltará a servir em Roma, vamos perder o privilégio de sua presença em solo alemão. Vejo que o Papa Pio XI o cumulará com honrarias e cargos tão elevados, que me atrevo a vê-lo de imediato como Cardeal Secretário de Estado.”

      Hess fechou os olhos, num esforço para lembrar de mais alguma coisa em particular:

– Lembro que Eugênio Pacelli ficou pálido como cera. Ele já sabia da grande confiabilidade da fonte daquelas informações. Começou a crivar Herr Hanussen de perguntas muito específicas, que foram todas respondidas. O arcebispo foi ficando mais e mais empolgado. Mas o melhor estava ainda por vir: Herr Hanussen exibiu um outro conjunto de mapas astrológicos, e mostrou uma data, afirmando:

– “Eminência, estes mapas progredidos, direto e converso, são para o dia do seu aniversário de 63 anos, daqui a 11, portanto: dia 2 de março de 1939. Nesse momento o Meio-céu progredido estará em  22º 16’de Libra, em conjunção exata com Spica, a melhor de todas as estrelas. E o Descendente estará com Betelgeuse e Polaris. Na progressão conversa, o Ascendente com Denébola e o Meio-céu com Rigel. Face a essas conjunções e ao que deduzi dos trânsitos e do Retorno Solar desse ano, cheguei a uma conclusão inequívoca e definitiva: nesse dia o senhor será eleito o NOVO PAPA da cristandade, pois sua santidade, o papa Pio XI, seu grande benfeitor, terá falecido no mês anterior.”

– E o que o Arcebispo fez?

–Ah, Goebbels, o homem só faltou beijar Herr Hanussen na testa! Ergueu-se na maior animação, começou a pedir que Hanussen lhe contasse sobre seus grandes acertos anteriores. E o que ele ouviu foi deixando o atual cardeal Pacelli num entusiasmo de estudante. Bem, foi nesse momento que Hanussen fez a parte mais importante do trabalho, pela qual nós lhe pagamos uma quantia invejável: Ele garantiu ao arcebispo que a Alemanha, no mesmo ano em que Pacelli chegará a papa, começará uma grande guerra salvadora contra o comunismo e sionismo internacional. Surgirá um Reich glorioso, o III, sob o comando de um grande líder, nosso Fuehrer, e ele, com seu exército invencível, esmagará os bolcheviques e despojará os judeus de seu poderio econômico e de todos os bens que lhes dão esse poder.

– E Pacelli acreditou?

– Piamente, se perdoam o trocadilho com o nome do atual papa. E tudo ficou ainda melhor para nós quando, no ano seguinte, o arcebispo efetivamente foi nomeado Cardeal Secretário de Estado por Pio XI, confirmando plenamente a previsão de Hanussen. Desde então o Cardeal tem estreitado cada vez mais as relações da Igreja conosco, a começar pela Concordata de 33, em que nós lhes fizemos algumas mínimas concessões e eles praticamente acabaram com os partidos católicos e sua militância na Alemanha, abrindo caminho para o nosso grande partido único. Não há dúvida que o Cardeal acredita que nós venceremos qualquer guerra e continuará a nos facilitar fundos específicos para combater o comunismo. Que nós usaremos para perseguir os judeus e extrair deles os fundos de que precisamos para o esforço de guerra.

 – Extraordinário, Hess! Meus sinceros cumprimentos por sua idéia genial de aproveitar as previsões técnicas do astrólogo e misturá-las com uma boa propaganda nazista. E convencer o arcebispo de então, cardeal de agora e, esperemos, o próximo papa em breve, de que nós seremos os vencedores e de que é conosco que ele tem que manter alianças estratégicas.

– Ora, obrigado Göring. Mas eu tenho notícias novas, também. Himmler, com seu Serviço de Inteligência, acaba de nos por nas mãos um outro astrólogo fantástico. Trata-se de um certo Karl Ernest Kraft, suíço, radicado aqui em Berlim. O homem é também um fenômeno. Começa por ter avisado, por carta ao Dr. Fossel (aquele bávaro que trabalha com Himmler), que o Fuehrer correrá um grande risco de atentado com explosivos entre 7 e 10 de Novembro próximo. E nos deu o horário exato e o local, em Munique. Nosso Fuehrer, corajosamente, irá a essa cervejaria, mas sairá uma hora antes. Com isso desmascararemos o inimigo e Herr Kraft se tornará imortal neste país. O que comunicaremos a Pacelli, que, a essa altura, já deverá ser papa. Kraft tem um cartel impressionante de acertos em previsões, parecido com os de Herr Hanussen que, como vocês bem sabem, nós tivemos que eliminar em março de 33, uma lástima! Estava mesmo na hora de termos outro bom astrólogo neste Reich!

– Hess, nós já estamos sabendo desse homem-prodígio no Ministério da Propaganda e já estamos elaborando um plano em que usaremos o prestígio dele e o faremos interpretar e até criar novas quadras para as Profecias de Nostradamus, todas cantando a nossa vitória e o nosso Reich de mil anos! Ora, isso abaixa o moral das tropas inimigas certamente. Mas vamos também usar o Kraft para dar um bom reforço no trabalho de Hanussen com o Cardeal. O novo papa, ao ver que sucede ao anterior exatamente no dia do seu aniversário de 63 anos, conforme previsão de Hanussen, não terá mais qualquer dúvida a respeito de ter que se manter como nosso aliado.

    Rudolph Hess abriu um vasto sorriso e abriu também uma porta do armário envidraçado, de onde retirou uma garrafa de vinho da Renânia e três cálices. Encheu-os, entregou-os aos colegas e, empunhado o seu, brindou:

Prosit! A Dom Eugênio Pacelli, o nosso futuro papa, il Tedesco, o Papa de Hitler!
E Göring completou:

Prosit! Ao nosso novo astrólogo Herr Kraft e à alma do nosso fenomenal Erik Hanussen. Que descanse em paz!

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