domingo, 12 de janeiro de 2014

DRA FUMIKO - 2a. parte
Um Amor que vence o NÃO e a Vida exorta!  
MILTON MACIEL

Final da 1a.  parte:
Silvana, sua mãe, havia nascido, assim como ela mesmo, Helena, na pequena cidade de Bastos, no interior de São Paulo. Era médica pediatra. Vivia em Bastos com o marido e a filha, numa casa maravilhosa dentro da propriedade do pai, o venerável Takeo Toshyiuki, um importante líder da comunidade japonesa. Toshyiuki san possuía uma das mais importantes granjas do município, já então o maior produtor de ovos do país.

 2a. parte:
Helena lembrava com muito carinho desse avô e, com um pouco menos de emoção, de sua avó, Dona Fumiko, de temperamento muito mais seco e reservado, mas de quem recebera o mesmo nome japonês: por causa dessa avó, ela era Helena Fumiko Toyoshima. O Dr. Toyoshima, um importante dentista local, era o pai de Helena.

Helena tinha sete anos quando uma reviravolta total aconteceu em sua vida. De repente sua mãe saiu de casa, saiu de Bastos, saiu do Brasil. Uma interminável viagem de avião, na qual a mãe chorou quase o tempo inteiro, parecendo às vezes retorcer-se em dores, levou-as de São Paulo para Tókio. E desde então as duas tinham vivido sempre na capital japonesa, até Helena ir fazer seu doutorado em Nagoya, dois anos atrás. Foi a primeira vez na vida que elas se separaram fisicamente.

Agora era a segunda. E havia mais de 18 mil quilômetros a separá-las neste momento. Helena imaginou sua mãe, entubada e ligada a miríades de sensores, cabos e cateteres, na sala de terapia intensiva. Voltou a ficar apavorada. Ah, mãe, resista por favor, a gente ainda tem tanta coisa pra fazer juntas, agora que eu sou uma médica completa também.

Às sete e dez o ônibus chegou à rodoviária de Bastos. De posse de suas malas, Helena pegou um taxi:

– Granja Fujiyama, por favor.

– A Fujiyama? Olhe, isso é longe, moça. Como eu volto vazio de lá, vou ter que lhe cobrar cem reais. A senhora aceita?

– Aceito, é claro. Pode seguir em frente. O senhor conhece o dono, o Seu Toshiuki?

– Ora, que pergunta, moça! Quem em Bastos não conhece o Seu Chiquinho?

– Seu Chiquinho! Mas por que esse nome para um japonês legítimo?

– Pra senhora ver, moça. O pessoal da roça garrou a chamar ele de Nhô Tochico, por que era mais fácil de dizer que o nome japonês. Com o tempo, passou pra Nhô Chico, Seu Chico e depois Seu Chiquinho. E, como ele gostava, o nome acabou pegando.

– E o senhor sabe como ele está?

– Que eu saiba, muito mal, moça. Diz que teve derrame brabo, que não anda mais, que não fala. Parece que nem reconhece mais um vivente, uma judiaria, moça. Mas, se mal lhe pergunto, a moça vai a fim de um particular com Seu Chiquinho? Por que, se for, já pode voltar daqui mesmo e poupar o seu dinheirinho. Eu é que não vou mentir pra moça.

– Eu lhe agradeço muito, o senhor é um homem honesto de verdade.

– Vergonha na cara foi a única herança que o velho Aristides me deixou, moça.

– Bem, eu quero ir assim mesmo, vim para saber mais sobre o Seu Toshiuki, uma pessoa pediu para eu fazer esse favor, uma pessoa lá do Japão, Seu... Seu...

– Aristides também, moça, como meu falecido pai, com muito orgulho. Mas... Pensando bem, o Seu Chiquinho tem gente da família dele lá no Japão, mesmo. Tem uma filha, sabe? Uma moça muito boa, uma médica, que teve muita falta de sorte na vida, a coitada. Foi embora pra lá com uma filhinha pequena, coisa de quase vinte anos atrás.

– E o senhor sabe por que ela foi embora, Seu Aristides?

– Como eu lhe disse, foi coisa de muita falta de sorte mesmo. Mas, se a moça me perdoa, eu prefiro não falar de coisa triste, falar dos particulares dos outros, dramas de família, sabe? A vida apronta cada coisa que a moça nem pode imaginar, é muito novinha ainda.

– O senhor conheceu essa filha do Seu Chiquinho?

– A Silvana? Claro, moça, foi minha colega de curso primário por quatro anos.

– Nossa, que coincidência! E a filha dela, o senhor conheceu?

– Lógico, era uma menina linda, que brincava com os meus moleques volta e meia. Eles chamavam ela de... deixe lembrar... espere um pouco... era de...

– De Nena.

O motorista freou suavemente o carro, parou no acostamento e voltou-se para olhar com mais atenção a sua jovem passageira. E perguntou:

– Como é que a moça sabe?... Será que é o que eu estou pensando?...

Helena não respondeu, apenas estendeu-lhe seu passaporte aberto na página com nome e fotografia. Seu Aristides deu um sonoro assobio.

– Helena, a Heleninha, a Nena, a filha da Silvana! Eh, mundo pequeno, seu! Então veio ver aquele cabeça-dura do seu avô?

– Sim, isso mesmo. Minha mãe me pediu.

– A Silvana... Pobre Silvana!... Mas me diga, como está a sua mãe?

– Na UTI de um hospital no Japão, Seu Aristides, entre a vida e a morte.

– Não me diga uma coisa dessas. Mas que menina sem sorte! Pois se ela é nova ainda, tem a minha mesma idade, 46 anos.

– Isso mesmo, sim senhor. Mas o caso dela é grave e ela me pediu para vir ver o pai dela e dizer umas coisas para ele. Antes que qualquer um dos dois morra, foi assim que ela falou.

– Pois é, Heleninha. Mas veja só que a má sorte dela continua, porque o velho Chiquinho não reconhece mais ninguém. E nem falar ele pode mais. Mas você tem que ver isso por si mesma, vamos continuar a viagem.

Aristides recolocou o carro na estrada e continuou a conversa com a filha de Silvana. Teve vergonha de confessar que tinha sido, por vários anos, apaixonado pela mãe da moça do banco de trás, mas não tivera condições de competir com os outros rapazes mais bem situados da cidade. Muito menos com aquele maluco que casou com ela, que dirá como o Louzadinha, que o desgraçado acabou despachando para o outro mundo. Pobre Silvana, que carma mais pesado o dela! – pensou Aristides Silveira, espírita kardecista convicto.

Granja Fujiyama

O táxi continuou rodando confortavelmente pela Rodovia Eduardo Gomes por mais meia hora, tempo durante o qual o motorista conversou animadamente com a jovem filha de Silvana. Falou sobre a infância deles na escola, depois disse dos bailinhos da adolescência, dos costumes de sua amiguinha, dos namoros, até que chegou ao tema do casamento dela com o cirurgião-dentista, que era quinze anos mais velhos que ela. A partir daí Seu Aristides recaiu num quase mutismo. Isso e o entusiasmo quase infantil com que ele falava de Silvana, como repetia a todo momento como ela era incrivelmente bonita, levou Helena a desconfiar que ele talvez tivesse sentido algo mais forte por sua mãe. Quando se preparou para entrar nesse assunto, seu coração disparou: acabava de avistar o portal de entrada da Granja Fujiyama, à esquerda, na beira do asfalto!

Por incrível que pudesse parecer, estava tudo exatamente igual O mesmo pórtico, as mesmas colunas de tijoletas de cerâmica vermelha escrupulosamente limpas, o mesmo largo corredor com as duas trilhas cimentadas no meio da grama cortada sempre baixa. Ao longe avistou a primeira casa: a sua casa!

O carro manobrou, parou junto ao portão vazado, quase um porteira das antigas, que permitia ver tudo do lado de dentro. Helena, surpreendendo o motorista, saltou da porta de trás e correu a destrancar o portão. A mesma taramela de sua infância! Abriu-a, como o fizera incontáveis vezes com suas mãozinhas de criança, encarapitando-se na travessa de baixo. Esperou que o portão girasse por seu próprio peso e ficou pendurada, enquanto ele fazia um giro completo de noventa graus. Seu Aristides olhava encantado de dentro do taxi aquela criatura jovem que refazia ali, com alegria infantil, um dos seus agradáveis momento do passado. Então fez o carro transpor a entrada, observando, pelo retrovisor, que Heleninha já estava fechando o portão outra vez.

A moça entrou no carro e este deslocou-se lentamente pela esteira de duas faixas cimentadas entre a grama. Fez uma curva para a direita e parou uns cem metros à frente. Outra vez a garota abriu a porta e se precipitou para fora do carro, correndo agora em direção à casa que fora o seu lar até os sete anos. Circundou toda a casa, reconhecendo detalhes que saltavam de sua memória. Procurou janelas e portas abertas, mas tudo estava fechado. De pé ao lado do taxi, Aristides olhava com certa aflição para todos os lados, receava que houvesse cachorros por perto e, nesse caso, a recepção não seria nada amistosa. Preparou-se para socorrer a moça.

Quando Helena tentava ver algo do interior da cozinha, através dos vidros da janela, a porta dos fundos foi aberta e uma pessoa apareceu!
CONTINUA... 

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