segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

ALLINE DE TROYES – 13ª parte: Um casamento druída
MILTON MACIEL

Fim da 12ª parte:
– Ele convenceu o abade Lucinus que estava sendo severo demais consigo mesmo e que estava me impondo um sofrimento cruel demais, que eu não merecia. E então ele fez uma coisa maravilhosa?

– O que?

– Ele nos casou segundo o rito druída celta!

13ª parte:
– Casou vocês?! Mas que coisa mais incrível, considerando que Lucius se esforçava para se manter dentro do voto de celibato e castidade de sacerdote católico!

– Mas a verdade, general, é que nem ele nem eu aguentávamos mais aquilo. Nos últimos tempos era um terrível tormento estarmos dormindo nos mesmos aposentos, a poucos passos um do outro e não podermos nos tocar. Mas, ao mesmo tempo, quando podíamos nos tocar, durante os treinamentos de luta livre, o tormento era termos que parar o contato ao fim de um determinado movimento. Estávamos nesse desespero quando o sábio Kelvin mandou nos chamar a sua habitação.

Ali, ele nos fez ver o absurdo da nossa situação. E garantiu que nós nos amávamos com toda a força do espírito, coisa que – explicou – o general Lucius jamais havia conhecido na vida, com o que este imediatamente concordou. E então ele disse que era melhor que o abade parasse de manter aquela luta irracional e injusta contra o general e contra os sentimentos da moça gaulesa:

–Você simplesmente não tem o direito de fazer esta pobre menina sofrer do jeito que sofre, por causa de um voto que não tem pé nem cabeça.

– Mas eu jurei a meu tio que seguiria todos os votos que fiz ao aceitar a minha sagração como padre. E, ainda mais, quando fui feito abade, pois então, mais do que nunca, eu tenho que ser um exemplo para meus subordinados.

– E exemplo de que, Lucius? De ser capaz de obedecer a uma norma anacrônica, absurda e antinatural? Pois é isso que o celibato e a castidade forçados representam para os padres, meu amigo. Tanto isso é verdade que você não tem mais capacidade de resistir a seu fascínio por Alline. Você está nos últimos estertores de sua força. Logo sucumbirá. Pois então, antes que isso aconteça de uma forma intempestiva e incontrolável – portanto tola – deixe que eu prepare a noiva.

– Noiva?! – estranhamos os dois ao mesmo tempo.

– Noiva, sim. Vocês sabem que eu sou um sumo-sacerdote dentro da religião dos celtas. E que, portanto, posso oficiar casamentos como uniões abençoadas pelos deuses. Inclusive o seu Deus, meus caro, pois todos os deuses e deusas são, na verdade, manifestações de uma única Essência. Pois muito bem, é minha intenção realizar imediatamente o casamento de vocês dois.

Eu fiquei maravilhada com a proposta do druida. Lucius Dracus ficou em estado de choque. Mas o druida completou:

– Para sua conveniência, meu caro abade, o casamento druídico de vocês permanecerá desconhecido por seus padres e estudantes. E a consumação do mesmo se dará sem problemas, basta que, trancada a porta do amplo aposento de vocês, Alline passe a dormir na grande cama do abade.

Eu não me contive mais: ajoelhei-me e beijei com gratidão as duas mãos do mago Kelvin. Ele me ergueu do chão com suavidade e conduziu-me até a frente de Lucius. E então fez com que eu passasse meus braços ao redor dele.

Eu o abracei com força e me colei inteira ao seu corpo, trêmula de paixão. Foi o último instante de resistência do abade Lucinus. No segundo seguinte, o general Lucius Dracus emergiu como vencedor da longa batalha. Abraçou-me e beijou-me com paixão, pela primeira vez na vida. O druida Kelvin retirou-se para dentro de sua habitação, para deixar que nossa primeira explosão de amor e de paixão fluísse livremente, sem sua presença.

Depois de uns dez minutos, ele fez ruídos demonstrando que voltava e falou:

– De hoje em diante, general e abade, você vai dormir sozinho, até o dia de seu casamento, Sua noiva vai passar a pernoitar aqui em minha casa, para que eu possa prepará-la para a cerimônia celta. Isso é absolutamente imprescindível. Há muita coisa que esta mocinha precisa aprender sobre a vida de casada e sobre o seu próprio corpo. Eu fiz meus cálculos enquanto lhes dava tempo para  a manifestação de amor e concluí: vou casá-los no dia da próxima lua cheia, exatamente no momento do ocaso, quando o sol se põe e a lua cheia nasce. Teremos o sol na sétima casa e a lua subindo no ascendente, um bom motivo astrológico para uma união matrimonial.

E, afastando-nos um do outro, disse, para completar:

– Pode ir embora, caro amigo. Mas sua noiva fica aqui comigo a partir de agora. Mande trazer suas roupas e pertences, mas para apenas 5 dias, que é o quanto falta para o dia da lua cheia. E explique que o senhor Gilles de Troyes não comparecerá às aulas e a suas outras atividades até a semana seguinte. Que estará imerso em uma grande atividade de treinamento com seu druida. O que, afinal, será a pura realidade.

Meu general-abade foi-se embora triste e eu fiquei tremendo de paixão. Mas sabia que nosso druida estava fazendo exatamente aquilo que era o melhor para nós dois.

Nos dias seguintes, o sábio Kelvin me ensinou tudo sobre sexualidade feminina e masculina. Mostrou, fez desenhos e depois, coisa que talvez as outras pessoas veriam com malícia, mostrou-se ao espelho meu próprio sexo, que ele abriu com suas mãos, expondo à minha visão inexperta o que era cada uma daquelas partes. Depois, deixou-me ver e apalpar o próprio sexo dele em todas as suas porções, explicando como funcionaria aquilo na relação com meu marido. Instruiu-me que, neste, o órgão se tornaria rígido e dobraria de tamanho, para que pudesse entrar em mim, numa atividade que eu não devia temer como dolorosa, porque só me daria um grande prazer. E explicou que nele aquilo não acontecia naquele momento, não por ele ser velho, mas porque ele tinha total controle sobre sua energia sexual e jamais se permitiria ter uma ereção comigo, por que me respeitava como ser humano e como sua discípula, muito mais do que por ser a amada de seu amigo Lucius.

Dessa forma, eu entrei em meu casamento completamente preparada – coisa que jamais poderia esperar por parte de minha mãe – porque o druida me ensinou também, de forma teórica e com desenhos desta vez, muitas das artes e técnicas de fazer amor com um homem. Chegou a dizer que me preparava para que eu ensinasse meu marido, porque ele, como os homens em geral, não havia aprendido a associar sexo com amor profundo e espiritual. Eu teria que ser a verdadeira iniciadora dele, exatamente o contrário do que ele mesmo estaria esperando.

– Noto que você fala desses assuntos, com dois homens como nós, sem sentir qualquer embaraço ou vergonha, minha filha.

– Isso foi também o druida que me ensinou, ao retirar de mim todos os pudores e falsos moralismos que minha mãe e minha irmã tinham tentado me inculcar na mente. Ele me ensinou a ter orgulho de ser mulher, lembram-se? E, portanto, me ensinou a ter orgulho também das partes do meu corpo que me fazem mulher. E eu aprendi a lição muito bem.

– Não resta a menor dúvida, guerreira. Você é a mulher mais altiva e consciente de seu valor que eu já conheci na vida. Alline de Troyes, conviver com você, ver os exemplos que você dá quase todos os dias, me obriga a repensar minha ideias a respeito das mulheres em geral.

– Que bom, centurião Marcellus. Fico muito feliz em ouvi-lo dizer isso.

– Mas continue, por favor. Desculpe pela nossa interrupção. Sua história é fascinante até mesmo para dois indivíduos rústicos como nós.

–  Bem, então veio aquela outra parte muito importante da minha preparação, quando o druida me levou para a floresta e me ensinou a reconhecer e colher duas plantas que ele nunca me havia apresentado. Com elas, me ensinou a preparar um líquido e um pó. E, com eles, eu ganhei o controle total sobre minha fertilidade, o poder de engravidar somente quando eu quiser.

– Por Júpiter, isso é possível?

–Perfeitamente, general. Eu, por exemplo, nunca quis engravidar. Além do que, explicou-me o druida, não só eu era muito jovem ainda e podia esperar, como ele disse que não via nenhuma gravidez no meu futuro próximo, nem nas suas visões, nem no meu mapa astrológico. E Mestre Kevin era apenas infalível. Mas a verdade é que eu nunca tive vontade de ter filhos e, como ele recomendou, Lucius e eu respeitamos minha vontade.

– Jovem Alline, tudo em você e sua história é completamente diferente, foge de todos os padrões que eu tenha conhecido. Não é verdade, general?

– Sem dúvida, Marcellus. Sem dúvida. Mas prossiga, por favor.

– Então, passados os cinco dias, em que eu fui completamente preparada e o abade passou a maior parte do tempo em práticas de meditação e oração, chegou a tarde/noite gloriosa do nosso casamento. Uma cerimônia druida tocante, que Mestre Kevin celebrou em plena floresta, sob um enorme carvalho. O mago me fez vestir uma roupa matrimonial celta, branca e semitransparente, lindíssima, que ele tinha guardada entre seus pertences. A floresta foi nosso altar e o céu estrelado, nosso pálio. A lua surgiu majestosa acima das copas, apagando o esperado brilho das estrelas; e abençoou nossa união. Lucius Dracus, deixando de lado todos os temores e pruridos religiosos para sempre, se deu a mim como um amante, um cúmplice, um complemento, fez sua entrega total, seguindo as determinações de nosso mestre druida. Eu fiz exatamente a mesma coisa e nossa união foi anunciada pelo mestre como indissolúvel. Depois da cerimônia, nos despedimos do druida e fomos para nosso aposento, que funcionou, pela primeira vez, como nossa alcova nupcial.

– Notável! Chega a ser tocante mesmo, minha filha.

– Sim, eu entrei ali vestida como o senhor Gilles de Troyes e fui para a frente do espelho, colocar minha melhor roupa feminina, também ela branca e esvoaçante. Foi essa roupa que meu amado me ajudou a retirar de sobre mim, quando me tomou nos braços pela primeira vez para fazermos amor. Foi uma experiência maravilhosa, sem qualquer tipo de medo ou dor de minha parte, tão bem preparada estava eu por meu mestre para tudo. Os sentimentos e os prazeres foram muito, muito maiores do que eu poderia ter imaginado. E, daquela noite em diante, por dois anos, nós nos amamos com encantamento e paixão. Até o dia em que chegaram os invasores alamanos. Então nosso paraíso e nosso mundo de idílio e sonho desmoronaram. E, por causa disso, eu estou hoje aqui, com os senhores e seus romanos.

– Mas o que foi que aconteceu exatamente?

– Ah, senhores, uma tragédia que não quero comentar no dia de hoje. Sinto-me cansada demais para poder aguentar o desgaste dessa narrativa agora. Peço-lhes que tenham paciência, amanhã haveremos de achar uma hora boa para continuar.

– Sim, sim, minha filha, como for melhor para você. Nós nos retiramos então. Tenha uma boa noite.

– Boa noite, general. Boa noite, centurião.

E os dois oficiais romanos se retiraram para poder comentar entre si todos os incríveis acontecimentos que cercavam a vida daquela menina ainda tão jovem. E tão absolutamente notável!

Continua: A praga dos alamanos

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