sexta-feira, 1 de agosto de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO - 14a. Parte  
MILTON MACIEL

Fim da 13a. parte:
– Mas que ideia, João!!! Pra que nós quer as terra onde eles tá? Terra não é de ninguém. Hoje nós tá aqui, caça, pesca, planta. Daqui pouco tempo terra fica fraca, nós caçou muitos bicho, pescou muito peixe, ficou menos comida. Então o que nós faz? Vai-se embora, pega outra terra um pouco mais pra lá, onde tudo tá novo e abundante.

– Mas... E esta aldeia, por exemplo? Vocês abandonam tudo o que construíram?

– Claro que abandona, João. Não serve pra mais nada. Nós abandona e a aldeia vira tapera.

– Tapera?

– Sim, tapera quer dizer aldeia abandonada. João vai ver muita tapera lá em cima, de Paranapiacaba até Piratininga tem muita.

14a. parte:
– Então vocês não tomam as terras dos tupinambás e nem as aldeias deles!

– As terra nós não toma, mas as aldeia, nós bota fogo.

– Ai, Jesus! Então vocês queimam as aldeias dos inimigos. Mas por quê?

– Ora, porque eles queima as nossa aldeia quando eles ganha.

– Por Deus, não estou a entender nada dessas guerras de vocês! Não são guerras de conquista, as terras não lhes interessam, as aldeias muito menos, então por que raios vocês brigam?

– Pra se vingar, João. Nós vai guerrear com eles pra se vingar.

– Mas se vingar do que, criatura?

– Se vingar porque eles invade nossas terra e, quando ganha, queima nossas aldeia e leva os prisioneiro.

–  E por que eles invadem as vossa terras, então?

– Ora, pra se vingar, é claro, porque nós invadimo a terra deles, queimamo aldeia deles, pegamo prisionero.

– Santa guerra mais doida essa de vocês! Guerra de vingança pelos dois lados?

– Sim, por que mais nós ia brigar? Pra se vingar, é claro! E pra ver quem é o mais forte, o mais valente.

– E o mais forte, o mais valente, é quem ganha a guerra, pois pois?

– Mais ou menos. Depende.

– Hom’essa! Mas depende do que?

– Depende de quem faz mais prisioneiro, quem pega mais homem bom, guerreiro corajoso do inimigo.

– Muito louco, isso! E o que vocês fazem com os prisioneiros, afinal, se eles são tão importantes?

–  Ah, nós trata eles muito bem, dá muita comida boa, muita bebida. Depois, no dia da festa, nós mata eles e come.

– O QUE??? Comem o prisioneiro? Vocês são canibais, então?!

– Não, João.

– Como não. Quem come carne humana é canibal, antropófago.

– Nunca consegui dizer esse nome difícil. Mas canibal é quem come homem pra matar fome, pra se alimentar. Nós só come pedaço de homem muito valente, pra comemorar vitória. E pra honrar o inimigo que a gente mata e come.

– Honrar??! Será que eu entendi direito? Mas que honra pode haver em ser comido?

– Grande honra, João. Quer dizer que nós, que é inimigo dele, reconhece que ele é guerreiro muito corajoso, que nós quer comer pedaço dele pra ficar corajoso e valente como ele, compreende?

– Não, juro que não! Isso é impossível de aceitar, que dirá de compreender.

– Mas se João conhece prisioneiro nosso, vai compreender tudo. Nós tem um prisioneiro aqui, aquele que tá comendo ali naquela rede, tá vendo?

–  Aquele ali?! Mas como que ele pode ser prisioneiro, se está solto, à vontade, comendo. E rindo e brincando com os outros. Isso é loucura demais! Se ele é prisioneiro, porque ele não foge então, se está solto?

–  Fugir, João?! Mas isso grande vergonha, nosso prisioneiro é homem valente, nunca vai fugir, ninguém tem que ficar cuidando dele. 

– Mas eu juro que não entendo por que razão esse estrupício não foge. Não tem amor à vida?

– Vida sem honra não é vida, João. Ele já passou grande vergonha quando foi capturado. Agora quer recuperar sua honra, no dia em que morrer e for comido.

– Recuperar sua honra? Mas, mas... Isso é arrematada sandice, Deus do céu!

– Ele grita com nós tudo na hora que vai morrer, quando um chefe importante bate com borduna na cabeça dele. Ele grita que seus companheiro vai tudo vingar a morte dele, que é pra nós ficar com medo, que eles vai atacar a gente e levar muito prisioneiro pra matar e comer.

– E então?

– Então ele leva pancada forte na cabeça, morre na mesma hora, sem sentir nenhuma dor. E aí as mulher corta e assa as carne. E ele vai embora muito feliz, porque teve morte de herói de verdade. E porque sabe que os companheiro dele, mais dia, menos dia, ataca nós e vinga a morte dele.

– E isso acontece mesmo?

– Sempre.

– Sempre?! E você diz isso com essa calma toda... E aí, o que vocês fazem?

– Ora, nós vai lá, ataca eles de surpresa, ganha a guerra, trás outros prisioneiro pra comemorar. Não é simples?

–  Ai, Jamari, Jamari. Isso mais parece um jogo, um esporte. Não parece uma guerra, onde morrem muitas pessoas.

– Mas morrem muitas pessoas! Nós perde guerreiro, inimigo também perde, muitos fica ferido. Mas quem leva a melhor, pega logo um ou mais de um prisioneiro e foge correndo. Aí a guerra acaba.

– Acaba?!

– Sim, acaba até começar de novo. Não é simples? O bom é que, desse jeito, a gente não se mata quase, as tribo tudo continua tudo cheia de gente; e as aldeia que são queimada, se constrói outras em poucos dias...

– E vocês podem continuar se vingando uns dos outros eternamente...

– Isso, agora João compreendeu!

– E comendo um assado de gente também...


– Sim, mas de gente não, que nós não é canibal. De guerreiro inimigo valente, de herói inimigo. É só isso que nós come.
CONTINUA

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