sexta-feira, 26 de setembro de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 27ª parte 
MILTON MACIEL

Fim da 26ª parte:
E foram, ao todo, nove os filhos e filhas do peró de Vouzela. O português mal cabia em si de tanto orgulho. Em Portugal, ele seria cobrado por todas as mães, teria que se responsabilizar pelo sustento de todos aqueles filhos. E, possivelmente, o governo o mandaria prender como adúltero e fornicador. Mas aqui, neste paraíso abençoado, nada disso acontecia. As índias, felizes demais com suas crias, exibiam-nas com orgulho a todos. E a João Ramalho com ternura e contentamento. Mas não lhe pediam nada, não lhe cobravam nada, como se lhes bastasse apenas a imensa alegria de terem um filho dele. Ah, paraíso, paraíso!!!

27ª parte- Uma nova esposa
Naqueles meses, a barriga de Bartira foi crescendo rapidamente e o fogaréu que havia sempre nela foi arrefecendo de uma forma proporcional a esse crescimento. João também não a desejava mais com tanto ardor. Ficou em dúvida se era porque as formas de sua amada mudavam tanto ou se era porque talvez ele tivesse medo de machucar a criança se fizesse amor pela frente. No fim acabou confidenciando sua situação com Jamari.

– Meu amigo e meu irmão Jamari: será que Bartira e eu nos amamos menos agora? Porque, como eu lhe expliquei, nós já não temos mais o mesmo furor de antes para brincar. Será que é por causa da barriga dela só? Se for isso, eu sou um miserável...

– Sossega, João. Não é isso, não. Isso acontece com todo casal novo. Faz tanto amor – como você fala – que com o tempo vai cansando. É assim mesmo, é normal. O que não é normal é essa tal fúria, quer dizer, esse furor que você disse. Isso é que não é normal. Depois, com o passar do tempo, as coisas ficam mais normais. É o que está acontecendo agora com vocês.

– Será mesmo isso?

– Pois pode acreditar que sim. E mais: não é só você que sente menos interesse por Bartira. Ela também sente menos interesse por você. E, no caso dela, você tem que pensar que Bartira agora tem a criança ocupando ela o tempo todo, ela não é mais só Bartira sozinha. Você compreende isso?

– Sim, sim, acho que compreendo, amigo. É, você tem razão, nosso fogo abaixou porque era muito e queimou demais, queimou muito rápido, fogo de palha e graveto fino.

– Isso, João. Por isso é que nós vamos buscar aquelas toras enormes na floresta e fazemos competição de força, para ver quem carrega a maior. Porque essas toras são para as nossas fogueiras e você sabe o quanto o fogo feito com elas dura tanto. O amor de verdade é fogo de tora, João, não é fogo de palha. É isso que vai acontecer com você e Bartira. Queimada depressa a palha, fica a grande tora a arder por muitas e muitas luas, por muitos anos de vocês. E um dia vocês vêem que estão velhos, cabelos brancos, monte de filhos e netos, e a chama de vocês ainda está queimando firme, porque a tora que cada um carregou com o amor foi a maior e a mais pesada que puderam carregar.

– Ora, Jamari, tu me sais um poeta! Lembras do que te ensinei a respeito de poetas e poesias, quando comecei a te ensinar melhor o idioma português?

– Sim, lembro João. Poesia é coisa muito bonita, é música sem instrumento.

– Não digo, Jamari! Tu tens mesmo alma de poeta, rapaz! Aposto que vais ser o primeiro poeta da nossa nação guaianá. Só que poeta em português, é claro.

– Eu poeta? João é engraçado. Mas o que eu disse é a verdade do amor

E Jamari encerrou essa parte da conversa com uma novidade ainda mais desconcertante:

– Agora eu tenho que falar uma coisa mais séria, João. Minha irmã Irani está querendo casar com João.

– O que?! Mas que loucura é esta, ó Jamari? Pois não sou eu cá casado com minha Bartira, ora pois?

– Sim, é. Isso todo mundo sabe, Bartira sabe, Irani sabe. Todo mundo sabe. Mas isso é bom, Tibiriçá acha que é muito bom. Ele me pediu pra falar com você. Disse que já falou com Bartira e Bartira achou bom também.

– O que dizes homem? Bartira concordou com esse disparate?

– Claro que concordou. Bartira gosta muito de João Ramalho e gosta muito de sua prima Irani. Ela falou pra pai dela que vai ficar muito feliz se Irani vem morar na casa de vocês. Aí ela tem com quem conversar, tem quem ajude ela todo dia, tem quem ajude a cuidar da criança. Muito bom.

– Mas...Mas... Ela não fica com ciúmes?

– Ora, João, quantas vezes vou ter que explicar isso. Essa coisa de ciúmes de brincar, de fazer amor, é coisa de peró, coisa de branco. É claro que Bartira não sente essa coisa de peró. Ela fica feliz de dividir marido dela com prima Irani.

– Isso é doido demais! E porque você diz que isso é bom, que o próprio Tibiriçá diz que é bom?

– Bom deixa eu repetir como ele me falou. Ele disse: João Ramalho é meu parente, porque casou com minha filha. Ora, se ele casar com uma filha de outro cacique, meu irmão Caiubi, ele fica parente de Caiubi também. É assim que nós fazemos nossas alianças, você sabe. Assim João, que vai ser grande chefe ele também, passa a ter dois chefes como aliados. E ele deve casar com outras filhas de caciques e fazer novas alianças. Tem que aproveitar que as cunhantãs todas querem sempre brincar com ele. Bartira acha a mesma coisa, ela pensa longe essa minha filha, é uma verdadeira filha de cacique.

– Hom’essa! Mas que coisa mais de arrepiar... Minha própria mulher, meu próprio sogro, querendo que eu case com mais uma mulher.

– Ora, não é qualquer mulher, João. É minha irmã Irani, filha de cacique Caiubi. Aí você fica genro dele e meu cunhado. E nós passa a ter obrigação de defender João e de lutar ao lado de João em toda guerra sua.

– Ai, mas é assim, é? Pois olhe que olhando por esse lado...

– E tem mais: Bartira acha que está na hora de João ter uma outra menina para brincar também, assim seu fogo de palha levanta de novo.

– Mas ela não tem medo que eu passe a gostar mais da nova mulher?

– Ora, João não conhece guaianás mesmo! É claro que ela fica é feliz se João gostar muito de companheira de vocês.

– NOSSA companheira? Como assim, ó Jamari? Como nossa?

– Ora, João, se ela vira sua mulher, é sua companheira. E se ele vem morar na casa de vocês e ajuda Bartira e é amiga de Bartira, então é companheira de Bartira também.

O português sacudiu a cabeça, com os olhas semicerrados. Caramba, como era difícil entender uma coisa dessas. Por fim encontrou uma saída:

– Pois, Jamari, vocês me deixam perplexo. Espere, lhe suplico, que eu converse com minha Bartira primeiro. Depois lhe dou uma resposta.

– Muito bem, João. Mas não demore, por favor. Irani está nervosa esperando por isso e nosso pai Caiubi tem certeza que João não vai recusar essa honra de entrar para nossa família e ser aliado de Caiubi.

E, com o sorriso bonachão e amigo de sempre, foi embora para Jurubatuba, acalmar sua irmãzinha que esperava pelas novidades.

CONTINUA

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

PRIMAVERA VERAZ 
MILTON MACIEL
(Para Angela Khedi)

I
Tricores,
mágicos manacás em flores,
a primavera inunda-nos de buganvílias.
Ipês explodem, multicores ilhas,
e o novo dia, com os seus alvores,
mostra no verde coloridas trilhas.

Amores
cálidos, sem falsos pudores,
a primavera enche-nos de maravilhas.
Peitos explodem, profanas homílias,
e o novo tempo, com os seus fulgores,
prepara o germe das novas famílias.

II
Horrores
Pérfidos, cruéis opressores:
A primavera a revolta perfilha!
O dominado enfrenta a armadilha
E, novo homem, contra os predadores,
Luta com livros, luta com guerrilha.

Printemps de Paris,
sessenta e oito,
Cohn-Bendit .

Primavera Árabe,
Dois mil e dez,
al-arabi.

Primavera de Praga, que uma nação inteira abrasa,
Sessenta e oito – Dubcek; Urano e Plutão.
Mas não esqueçamos:
A primavera que Anne Frank sonhou, em seu porão,
é a mesma que a menina Farida sonha em Gazza.


terça-feira, 23 de setembro de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 26ª Parte 
MILTON MACIEL 

Fim da 25ª parte:
Nesse momento do diálogo os dois foram interrompidos pelo alarido que acompanhava alguns outros índios que acabavam de chegar à taba e se dirigiam ao ponto onde sogro e genro conversavam. João reconheceu num deles o cacique Caiubi, o pai de seu amigo Jamari, que ele tinha conhecido no dia de sua chegada à praia. O outro homem era também um evidente chefe. Tibiriçá explicou:

– Aquele é Piquerobi, Cacique de Ururaí, meu irmão também. Ao lado está o filho dele, o jovem Jaguaranho. O outro você já conhece, é meu irmão Caiubi, cacique de Jurubatuba. Ururaí(1)  e Jurubatuba(2)  ficam aqui mesmo em Piratininga, a menos de um dia de marcha daqui de Inhapuambuçu (3) .

(1)  Ururaí – atual bairro paulistano de São Miguel Paulista
(2) Jurubatuba – atual bairro do mesmo nome, região de Santo Amaro
(3) Inhapuambuçu corresponde à região entre o Tamanduateí e o Anhangabaú, incluindo as áreas atuais do Pátio do Colégio e o do  mosteiro de São Bento)

26ª parte:
Os visitantes chegaram e cumprimentaram Tibiriçá com grande respeito e a João Ramalho se dirigiram com simplicidade cordial. O chefe de Inhapuambuçu falou:

– Este é João Ramalho, marido de Bartira. Estes aqui são Piquerobi, meu irmão, e seu filho Jaguaranho.

Ramalho admirou-se do porte daqueles homens. Tibiriçá era o mais alto de todos, atlético e musculoso como poucos que o português tivera oportunidade de ver na Europa. Mas Caiubi, Piquerobi e Jaguaranho eram também homens de altura bem superior à média, assim como ele mesmo, João Ramalho. Jamari, lembrou-se ele, era o único um pouco mais baixo nessa família.

Jaguaranho devia regular de idade com ele e Jamari, ao passo que os três irmãos morubixabas eram homens de meia-idade. Todos entraram em animada conversação, com Piquerobi contando as últimas novidades de sua estada no litoral:

– Eu agora tenho duas alianças lá na praia. Além da minha filha, casada com o Bacharel da Cananéia, agora tenho outra filha que casou com outro peró. Essa, a mais moça, agora é mulher do peró Antonio Rodrigues, que vive em Engaguaçu, no Tumiaru.

João ficou vivamente interessado. Com que então havia mais patrícios seus casados com índias! E dois deles com filhas do irmão de seu sogro. Um era o tal Bacharel da Cananéia, de quem Tibiriçá já lhe havia falado um pouco. E havia também esse Antonio Rodrigues, mais um dos que viviam em Engaguaçu, o tal lugar que era chamado por eles de São Vicente.

Caiubi percebeu a curiosidade do português e lhe passou mais informações:

– Cananéia, onde vive o bacharel, tem muitos castelhanos. Eles falam um idioma parecido com o dos perós, mas muita coisa não se entende. E eles garantem que, daquela ilha para o sul, todas as terras pertencem à tal de Castela. E que, dali pra cima, são de Portugal.

– Uma coisa estúpida! – bradou Piquerobi, irritado – Porque essas terras não são de branco nenhum, são de todos nós que sempre estivemos aqui. Como é que eles, que chegaram só agora, acham que podem ser donos do nosso chão?

– A gente tem que fazer guerra contra eles todos, pai. Expulsa eles daqui, mata os que não fugirem. Mas não come, que eles tem gosto muito ruim.

– Por mim eu fazia isso, Jaguaranho. Mas eu tenho aliança com o bacharel e agora com o Antonio Rodrigues, os dois são meus genros, são meus parentes e seus. E o bacharel, você sabe, tem aliança com os castelhanos.

– E os castelhanos de Cananeia têm briga com os perós de Engaguaçu – completou Caiubi – Como é que fica você, meu irmão, se eles resolvem guerrear uns contra os outros? Fica com o bacharel, seu genro há mais tempo, e os castelhanos de Cananeia? Ou fica com Antonio Rodrigues e os perós de São Vicente?

– Eu não preciso me meter. Os castelhanos e os peró podem até guerrear um dia, mas o bacharel e Antonio são mais que amigos, são sócios no negócio deles de vender escravos. Eles não vão entrar nessa guerra.

João Ramalho não se conteve, aquilo o tinha deixado curiosíssimo:

– Desculpe perguntar, mas esse negócio de vender escravos é bom? Dá pra ganhar muito?

– Bacharel é um homem rico, rapaz. Ele já está em Cananeia faz muito tempo e tem muitos homens armados com ele, e muitos escravos para servi-lo Todos são índios. Ele caça índios de outras tribos e também troca escravos, que vêm em navios lá do sul, por comida, água, animais e madeira, que os dos navios precisam. E esses podem ser portugueses, castelhanos ou franceses, para o Bacharel é tudo cliente. Ele tem muitas posses e armas.

Os olhos do português brilharam:

– Armas de fogo?

– Sim, e ele tem um depósito de munição também. Ele compra e vende arma de fogo e pólvora dos navios franceses e depois vende para os perós e os espanhóis – que é o mesmo que castelhanos. Mas não vende pra índio e nem ensina índio a atirar com arma de fogo. Os índios dele só podem usar arma de índio: flecha, lança, tacape, faca.

Nesse momento chegaram algumas mulheres com cauim e comida, e um pequeno banquete foi servido, em honra aos visitantes de Ururaí e Jurubatuba. No final dele, João Ramalho pediu licença para retirar-se, tinha que ir embora com Bartira para a casa deles, a uma razoável distância dali. No caminho foi pensando e sonhando. Talvez ele devesse entrar nesse negócio de venda de escravos, aquilo podia deixar um homem rico, sem que ele tivesse que negociar com pau-de-tinta nem achar ouro ou pedras preciosas.

Naquele fim de tarde em sua oca, depois de comer regiamente e esparramar-se com Bartira mais uma vez para dar e receber muito prazer, a ambição retornou à cabeça do jovem português. Até aquele dia ele estava disposto e ser um índio em todos os sentidos, inclusive no desapego às posses. Mas agora, ao ficar sabendo da lucrativa parceria dos genros de Piquerobi e o quanto aquele negócio de escravos podia tornar um homem rico e poderoso, Ramalho voltou a ser um branco.

Sim, senhor! Precisava, antes de mais nada, conseguir uma arma de fogo e munição para ela. Um arcabuz! Sabia quem podia vender-lhe um: o tal bacharel da Cananeia. Então precisava ir lá e levar algo que servisse como moeda de troca. E, daquele dia em diante, passou a elaborar planos cuidadosos para poder chegar a ter sucesso.

O filhos estão chegando

Duas luas depois daquilo, Bartira comunicou a João Ramalho que estava grávida. Dias antes ele soubera, por meio da própria Bartira, que várias das índias com quem ele brincara, lá embaixo, na pequena aldeia temporária de Engaguaçu, também estavam esperando criança. E todas garantiam que eram filhos do branco barbudo que tanto lhes agradara.

Até mesmo uma índia casada esperava criança também. E também ela garantia que o filho era do português, porque, depois que ele partira serra acima, ela tinha tomado o cuidado de se proteger quando brincava com o marido. Usaram só o tebiquara – a “porta de trás” – tão de gosto das índias, até ela ter certeza que estava grávida do português. Ela e o marido estavam encantados por saber que iriam poder criar um filho ou filha do ilustre genro de Tibiriçá.

João Ramalho caiu das nuvens com a notícia. E, principalmente, com a alegria com que Bartira viera lhe contar aquilo tudo, toda contente porque seu homem tinha emprenhado muitas outras mulheres e ia ter muitos filhos quase ao mesmo tempo em que ela, Bartira, teria o seu primeiro filho com ele, pois também ela já desconfiava que estava esperando criança.

Como era diferente a cabeça daquele povo guaianá! E como sua mulher podia ser assim tão generosa? Precisou de algum tempo para metabolizar aquela tremenda novidade, mas uma coisa ele sentiu de imediato: passaria a amar Bartira ainda mais, se é que podia caber tanto amor em um só coração de homem.

Quantos filhos será que lhe apareceriam em breve? Três, cinco, dez? Tinha brincado diariamente com tantas indiazinhas! Só então ele compreendeu que elas tinham ficado grávidas porque quiseram, já que sabiam perfeitamente como evitar a gravidez, com práticas e ervas que todas conheciam desde muito tempo.

O fato foi que, depois de sete meses mais, começaram a nascer em Piratininga e Engaguaçu os primeiros descendentes de João Ramalho no Brasil. Quase todas as índias tinham voltado da praia para Inhapuambuçu, uma vez que tinha passado a temporada de pesca e seca dos peixes, caranguejos e mariscos.

E foram, ao todo, nove os filhos e filhas do peró de Vouzela. O português mal cabia em si de tanto orgulho. Em Portugal, ele seria cobrado por todas as mães, teria que se responsabilizar pelo sustento de todos aqueles filhos. E, possivelmente, o governo o mandaria prender como adúltero e fornicador. Mas aqui, neste paraíso abençoado, nada disso acontecia. As índias, felizes demais com suas crias, exibiam-nas com orgulho a todos. E a João Ramalho com ternura e contentamento. Mas não lhe pediam nada, não lhe cobravam nada, como se lhes bastasse apenas a imensa alegria de terem um filho dele. Ah, paraíso, paraíso!!!     CONTINUA

Flagrante do autor a bordo da nau ESPERA, da frota de Pedro Álvares Cabral, em 1500, comandada por Nicolau Coelho.  Descobriu-se, por esta foto encontrada recentemente nos arquivos históricos da Torre do Tombo, em Portugal, que o autor Milton Maciel descreve tão bem os eventos do Brasil Colônia porque é contemporâneo de Cabral, João Ramalho, Villegaignon e Essomericq, uma autêntica testemunha ocular da história. Crédito da fotografia: Pero Vaz de Caminha (câmera: 8GB, Samsung Galaxy).
(Uma réplica perfeita, em tamanho real e construída no ano 2000 segundo os planos originais de projeto da nau Espera, está ancorada num lago à beira da BR101, na cidade de Araquari, Santa Catarina, no Posto Sinuelo – a pequena distância da nova fábrica de automóveis da BMW no Brasile a apenas 40 Km de Joinville. Para visitar a nau paga-se a incrivelmente baixa quantia de 2 reais. Lá dentro, ela tem um historiador formado, o tempo todo à disposição dos visitantes). 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

E VIVEREMOS PARA TI
MILTON MACIEL

Pára, olha pra mim!
Não te chamo do papel, mas do meu lenho.
Repara: EU sou um poema,
por ser assim – uma árvore!
Toda árvore, em si, é poesia – basta notares.

Toma de minha pele:                                                
Entalha em mim um coração
Com o nome de quem quiseres.

Mas... tem cuidado:
Não viverias sem mim. Mas eu talvez não viva
por tua causa – se me matares.

Vem, toma de minhas sementes, multiplica-me.
E viveremos para ti, se nos amares.

Este poema foi selecionado, via Internet, junto com outros 35 de todo o Brasil  e Europa, para uma ação nacional denominada UM POEMA EM CADA ÁRVORE. No dia da árvore, 21 de Setembro corrente, ele foi apresentado ao público desta forma maravilhosa, ligado à sua árvore, no centro da cidade catarinense de JARAGUÁ DO SUL.





sexta-feira, 19 de setembro de 2014

 
ESCUTA-ME! POR FAVOR...
(rimas internas cruzadas)
MILTON MACIEL

Escuta-me.
Mas tem cuidado, por favor.
Todo meu ser está cansado:
Mal de amor! Como viver
com este fado? Entende-me.        

Mas tem paciência, te suplico.
Pois vago assim na impermanência
Onde fico, sem ter de mim
mais consciência. Apoia-me.

Mas tem firmeza, sê constante.
Pois que oscila, minha alma, na incerteza
 angustiante. E, sem força, atônita vacila
em sua tibieza. Ajuda-me! 

Mas tem carinho, por piedade.
Pois que, transido, cansei de lutar sozinho
contra a saudade e o abandono descabido
dos quais definho. Compreende-me!      

Oh, por favor, escuta-me!



quinta-feira, 18 de setembro de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 25ª Parte
MILTON MACIEL

Fim da 24ª parte:

– Pajé Anauá disse: Esse peró é muito importante, vai ser seu grande amigo e aliado. Tibiriçá tem que se preparar e preparar seu povo. Os tempos dos tupinambás, tamoios, tupiniquins e carijós estão acabados. Os perós vão chegar em número cada vez maior. Com grandes canoas de vento e com muitas armas de estrondo. Os perós vão ser os novos donos da terra. Não é possível evitar esse destino. Se Tibiriçá for homem de juízo, deve fazer aliança com os perós, para evitar que sua tribo seja escravizada ou morta. Quem não for aliado dos perós, quem não lutar ao lado deles contra os inimigos deles, vai perecer. E esse rapaz que vai chegar vai ser o peró que vai fazer a aliança dos guaianases com os perós possível. Graças a esse moço, que vai ser um grande chefe de índios e perós, os guaianases vão se salvar. E Tibiriçá será um grande herói dos perós.

25ª parte: A profecia do pajé Anauá

– Mas... isso é coisa muito grande, meu sogro. Pode-se acreditar?

– Grande pajé Anauá nunca errou uma previsão. Nunca! Foi nosso grande líder espiritual por um tempo muito, muito, muito grande. O Bacharel disse pra mim que ele morreu com mais de cem anos dos brancos.

– Cem anos! Mas isso é muita vida! E quem é esse Bacharel?

– Bacharel é um peró muito inteligente e muito sabido, que vive aqui, segundo ele mesmo diz, há mais de dez anos. Ele foi que me ensinou o que sei do idioma português. E me explicou que um ano dos brancos é 13 luas das nossas.

– Sim... Sim, isso é mesmo verdade. Mas onde vive esse Bacharel? Eu posso me encontrar com ele?

– Pode, sim. Bacharel mora mais ao sul de Engaguaçu, em Cananéia. Os brancos chamam Engaguaçú de São Vicente. João não viu, mas há um pequeno conjunto de casas de barro dos Perós em outra parte de Engaguaçu, do outro lado de onde João Ramalho deu à praia, quando naufragou.

– Pelos céus! Quer dizer que ali mesmo onde eu estive, há um povoado de brancos portugueses? Mas por que vocês não me disseram nada, não me levaram para os meus, se eu fiquei tantos dias lá na praia?

– João, procure entender: os seus são os guaianases! Você já não é mais um peró, é um índio como nós. Você mesmo já falou que queria ficar aqui com os índios. Nós já sabíamos da profecia de Anauá – e Anauá nunca falhou. Eu dei ordem para não falarem dos perós de São Vicente para João, até João subir aqui para Inhapuambuçu. Eu não queria perder meu aliado e Bartira não queria perder seu marido.

– Bom, pensando assim... É, meu sogro, acho que eu tenho é que lhe agradecer muito mesmo, por ter tomado essa decisão. Você tem toda a razão. Depois de conviver a aprender a viver com vocês, eu não quero nunca mais ser um branco e não quero jamais voltar para Portugal. Eu naveguei para esta terra com a ideia de ficar rico depressa, de pilhar, roubar e até matar, se fosse preciso, de descobrir ouro e negociar com os contrabandistas franceses de pau de tinta. Mas agora...

– Agora?...

– Pois é, agora eu aprendi que isso é tudo ilusão, meu sogro. Isso não é viver. Só os indígenas sabem viver. Os brancos são infelizes e só servem para fazer os outros infelizes também. Os portugueses estão fazendo grandes crueldades nas Índias e na África, que são terras muito longe daqui, que eles já conquistaram e onde pilham, roubam destroem e escravizam as pessoas.

– Pois foi isso que Anauá me disse que eles vão fazer aqui também. A mesma coisa. Vão trazer a desgraça e muitas doenças para as pessoas todas daqui. E, muito triste isso, o grande pajé falou que nos não temos como evitar essa desgraça.

– Pois meu sogro, eu estou pronto a pegar em armas com vocês, contra os perós meus patrícios. Antes que eles consigam escravizar um guaianá, eles vão ter que me enfrentar e me matar. Mas eu garanto que, antes que o consigam, eu vou matar um monte deles primeiro.

O cacique olhou João nos olhos detidamente e viu que o que aquele moço dizia era a pura verdade, que vinha do seu coração. Prova maior do que aquela não podia existir de que a profecia de Anauá, mais uma vez, se cumpria. Sim, aquele seu genro era seu grande aliado, era seu amigo e, mais do tudo, era um autêntico índio guaianá.

Tibiriçá deu um passo em direção a João Ramalho e estreitou-o num abraço apertado e longo. Os dois homens, comovidos, ficaram o tempo todo em silêncio, se falassem iriam revelar a voz embargada. Mas, naquele momento, selou-se para sempre a grande aliança entre o futuro chefe Ramalho e o atual chefe Tibiriçá. Este foi o primeiro a falar depois disso:

– Não vai ser preciso, João. Graças a Tupã, os guaianases puderam contar com o grande Anauá. E ele me fez jurar que eu ia fazer como ele me disse: fazer aliança com os perós que vierem dominar nossas terras. Lutar, não contra eles, mas ao lado deles, contra seus inimigos. E esses inimigos, ele esclareceu, vão ser os franceses e os tupinambás e os tamoios, que já são, junto com os carijós, nossos inimigos de sempre. E, dessa forma, eu vou conseguir preservar o povo guaianá por muito tempo e nós não vamos ser escravos, mas aliados dos portugueses.

– Um estranho futuro, meu chefe...

– Sim, estranho. Até porque, veja só que esquisito: João virou índio, mas Tibiriçá vai ter que virar branco peró.

– Como?! Mas o que quer dizer isso?

– Quer dizer que eu ainda vou ter nome de branco¸ assim como minha família toda. Anauá disse que assim eu vou garantir a sobrevivência dos meus e do meu povo. Quando chegar o tempo, eu vou receber aqui nesta mesma terra de Piratininga os brancos e dar a eles abrigo e deixar que construam suas casas aqui. Inhapuambuçu ainda vai ser um povoado de brancos, João. De brancos e de índios, que viverão em paz entre si. Um dia aparecerão aqui muitos pajés brancos, de roupa preta. Então o tempo será chegado. E você, João, será o nosso maior defensor nesses novos tempos. Mas não precisará matar dos seus antigos companheiros. Isso não será necessário.

– Bem, se meu sogro acredita que será assim, então assim será. Mas já sabe: Se algum dia precisar que eu lute e mate os perós é só me dar a ordem. Eu a cumprirei sem hesitar, com gratidão no coração.

– Obrigado, João. João é mesmo homem bom. Bem como Anauá garantiu que João seria. Mas agora deixe eu lhe falar de São Vicente. Ali não tem bem um povoado, tem umas dez choupanas de barro e palha só. É só entreposto de venda de escravos. Ali perto fica um lugar de atracar barcos pequenos, que os perós chamam de Porto dos Escravos. E tudo fica em Engaguaçu, que é uma ilha.

– Então aqui também há comércio de escravos?!

– Sim, João. Os perós e os tupiniquins vendem ali índios carijós, que são aprisionados só para serem vendidos. É diferente, não é mais como o normal, que a gente faz escravos só durante a guerra e Lea escravos para nossa aldeia, para sacrificar e comer no grande ritual. O que esses perós e tupiniquins fazem é só comércio.

– E quem compra os carijós escravos?

– Outros perós, dos navios que chegam ao largo de ilha de Engaguaçu. E também os franceses, que levam os escravos para cortarem as árvores de pau-de-tinta lá na terra dos tamoios. É que os tamoios são aliados dos franceses e eles não fazem dos aliados seus escravos. Exatamente como vai acontecer com os guaianases, que vão ser sempre aliados dos perós. Aqui nas nossas terras quase não tem ibirapitanga, a árvore do pau-de-tinta.

Nesse momento do diálogo os dois foram interrompidos pelo alarido que acompanhava alguns outros índios que acabavam de chegar à taba e se dirigiam ao ponto onde sogro e genro conversavam. João reconheceu num deles o caíque Caiubi, o pai de seu amigo Jamari, que ele tinha conhecido no dia de sua chegada à praia. O outro homem era também um evidente chefe. Tibiriçá explicou:

–  Aquele é Piquerobi, Cacique de Ururaí, meu irmão também. Ao lado está o filho dele, o jovem Jaguaranho. O outro você já conhece, é meu irmão Caiubi, cacique de Jurubatuba. Ururaí(1)  e Jurubatuba(2)  ficam aqui mesmo em Piratininga, a menos de um dia de marcha aqui de Inhapuambuçu.
1- Ururaí – atual bairro de São Miguel Paulista
2 – Jurubatuba – atual bairro do mesmo nome, região de Santo Amaro
(Inhapuambuçu corresponde à região entre o Tamanduateí e o Anhangabaú, incluindo as áreas atuais do Pátio do Colégio e o do  mosteiro de São Bento)


CONTINUA

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 24ª Parte 
MILTON MACIEL

Fim da 23ª parte:
Quando todos foram embora, João Ramalho tomou Bartira nos braços e, erguendo-a do solo, carregou-a assim no colo para dentro da oca, enquanto pronunciava as palavras que eram clássicas para os recém-casados na Europa há muitas de gerações:

– Enfim sós, meu amor.

Depositou sua esposa sobre as peles macias e amou-a com paixão e ternura por muito tempo, naquela que seria a primeira das inúmeras noites de amor que aquela modesta casa abrigaria.

24ª parte: Os pajés dos perós: padres

Depois que o casal aplacou sua inicialmente incontrolável sede de amor, ambos começaram a visitar diariamente a taba e a fazer refeições junto com os demais habitantes. Potira tentou convencer sua filha a voltar com o marido para a grande oca coletiva. Mas Bartira explicou-lhe que João Ramalho não aceitaria isso tão cedo. E, de mais a mais, também ela não queria perder a exclusividade de um ninho de amor para recém-casados:

– Não, mãe. Costume de peró, de uma oca para cada casal é muito bom, melhor que o nosso. Eu estou adorando, a gente se abraça e brinca a hora que bem entende. E tem as nossas coisas mais arrumadas e eu trabalho muito menos. Assim tenho muito mais tempo para o meu homem e o meu homem é uma delícia, mãe. É o melhor de todos que eu já provei. Você devia experimentar. Será que pai vai achar ruim? Eu acho que não.

– Ah, minha filha, você é uma menina maravilhosa, oferecendo seu marido novo assim para sua mãe provar. Mas por agora não é bom, vocês recém começaram a vida de vocês. Mas daqui a umas luas, quando vocês tiverem baixado esse fogo louco de vocês, então você pode emprestar ele para suas irmãs. E para as filhas de Caiubi, irmãs de Jamari, que são suas primas. Elas vão ficar muito felizes e muito gratas a você pela delicadeza.

– Ah, sim, mãe, eu mal posso esperar para minhas amigas verem como é bom o meu peró. Sei que elas vão gostar muito. Jamari me contou que as minhas amigas que ficaram na praia, lá em Engaguaçu, todas elas já brincaram com meu João. E até uma mulher casada também brincou.

– Mas então esse teu peró deve ser muito bom nas coisas que faz.

– Taí, mãe: Ele não é! Não sabe a maior parte das coisas boas, tem muito o que aprender ainda comigo, tem umas proibições bobas, acho que é coisa de religião, uma tolice. Imagine que ele não sabia me brincar por trás, que é tão bom, e quando eu quis que ele fizesse, ele me disse que era um tal de pecado. Sabe, custei muito a entender o que é pecado para os peró.

– E o que é isso, filha?

– Bom, eles acreditam num deus pra isso, num deus praquilo; e numa deusa também, que ele chama Maria. Têm um deus para cada dia, imagine só! Mas o problema é que esses deuses deles são gente que não gosta da vida. Mãe, eles são muito tristes. E muito brabos. Vivem proibindo tudo e dando castigo pra tudo. O tal do pecado é fazer o que a gente quer fazer, mas que os deuses deles proíbem.

– E o que eles proíbem?

– Tudo, mãe! Tudo o que é bom. Não pode brincar por trás, é pecado. Moça que não casou não pode brincar, de jeito nenhum mãe, nem mesmo que seja só pela frente, é pecado. Homem não pode brincar com outra mulher, só com esposa – senão é pecado. Mulher também, nem quando o marido concorda – é pecado. Comer carne de inimigo valente não pode – é pecado. E João falou que os peró têm um monte de pajés, não é só um em cada taba. Esses pajés existem, pelo que eu entendi, para proibir as pessoas de fazerem tudo o que é bom. João diz que o nome dos pajés de peró é padre.

– E eles são bons pra curar, tirar maus espíritos, adivinhar o futuro?

– Que nada, mãe! Meu peró diz que eles não sabem curar com ervas, não sabem afastar maus espíritos, não sabem prever o futuro.

– Mas então pra que servem esses pajés inúteis deles?

– Acho que só pra proibir, mãe. Proibir e encher as pessoas de medo de castigo dos deuses deles. Deuses deles muito maus, muito chatos. Muito tristes. Os pajés deles são muito tristes, não podem brincar com mulher, não podem casar, não podem ter filhos.

– Mas isso é uma coisa doentia, minha filha! Que horror! Como é que um homem bom como João Ramalho pode acreditar nessas coisas de Anhangá? Isso só pode ser coisa de Anhangá, religião do diabo. Esses deuses e os pajés deles querem que o povo fique sempre infeliz, não se divirta, não goze a vida, não brinque bastante todo mundo. Muito, muito triste isso que você me contou, filha. Eu agora estou com tanta pena do seu peró, coitado.

– Eu também sinto, mãe. Por isso estou fazendo tudo o que posso para limpar a cabeça do meu homem dessas coisas indignas de uma pessoa normal. Mas não tem sido fácil. O que ajuda é que João gosta muito de mim, então ele faz força para me agradar. E aí acaba cedendo bastante.

– Então você vai fazer ele muito feliz, porque você vai tirar ele desse mundo feio e triste dos deuses e dos pajés dele, esses tais de padres. Seu pai já me falou que encontrou mais de um desses pajés de peró quando esteve em guerra lá nas terras dos tamoios. Disse que eles andam sempre de roupa, como todos os brancos. Mas não são as mesmas roupas dos perós e dos franceses. Nem dos castelhanos, que eu já vi também. Tibiriçá diz que eles usam roupa preta até os pés. E que são, de fato, uns tipos horríveis, que vêm mal em tudo. Que têm vergonha de olhar homem pelado. E mulher pelada, então?  Eles se viram, fogem, dizem que é coisa de Anhangá. Seu pai diz que, pra esses pajés tristes e horríveis, qualquer mulher é coisa de Anhangá. Que foi a mulher que trouxe dor e sofrimento para o mundo.

– Que horror, minha mãe! Como pode ser feliz um povo que não reconhece o bem que está na mulher? Isso João não me falou ainda, vou perguntar pra ele. Agora eu estou ainda mais horrorizada com a religião dos brancos, mãe.

– Pois é. Pobre de João. João é homem bom, não merece.

– Não merece, mãe. João é homem bom. Não merece.

– Minha filha, eu nunca vi um pajé mau desses dos peró. Mas o dia que eu enxergar o primeiro, acho que sou capaz de bater muito nele. Se eu vejo um pajé de roupa preta até os pés, um anhangá desses, eu vou castigar ele muito, por causa do mal que ele fez para homem bom como João Ramalho.

– Isso mesmo, mãe. Você tem razão. Padre é pajé triste, sempre de preto, que só sabe fazer os perós tristes e infelizes, como ele mesmo. Os padres tiram a alegria de viver. É justo castigar cada um deles.


E, com esse firme propósito em mente – castigar o malvado pajé de preto dos peró – mãe e filha se despediram.

A profecia do pajé Anauá

Do outro lado da aldeia, João Ramalho conversava com seu sogro Tibiriçá. O assunto também era pajé, Mas desta vez era o chefe guaianá que falava sobre o grande pajé Anauá.

– João lembra que prometi falar de Anauá?

– O pajé que lhe falou de mim antes que eu naufragasse em Engaguaçu?

– Ele mesmo. Já morreu faz muitas luas. Foi o maior pajé que já conheci na minha vida. Muito poderoso. Grande curador. E um grande adivinho do futuro também.

– E o que ele lhe falou a meu respeito, meu sogro?

– Anauá disse assim: Quando o tempo do calor vier, vai aparecer na praia de Engaguaçu um peró muito jovem. Tibiriçá vai estar lá embaixo quando isso acontecer. Deve receber esse peró muito bem. Deve fazer ele marido de sua filha Bartira.

– Ai, Jesus! E por quê?

– Ele disse: Esse peró muito importante, vai ser seu grande amigo e aliado. Tibiriçá tem que se preparar seu povo. Os tempos dos tupinambás, tamoios e tupiniquins estão acabados. Os perós vão chegar em número cada vez maior. Com grandes canoas de vento e com muitas armas de estrondo. Os perós vão ser os novos donos da terra. Não é possível evitar esse destino. Se Tibiriçá for homem de juízo, deve fazer aliança com os perós, para evitar que sua tribo seja escravizada ou morta. Quem n1ao for aliado dos perós, quem não lutar ao lado deles contra os inimigos deles, vai perecer. E esse rapaz que vai chegar vai ser o peró que vai fazer a aliança dos guaianases com os perós possível. Graças a esse moço, que vai ser um grande chefe de índios e perós, os guaianases vão se salvar e Tibiriçá ainda será um grande herói dos perós.


CONTINUA

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

PORTO SEGURO - samba  
MILTON MACIEL - Letra e música
(Para Gilberto Gil)
Porto Seguro,
mar e rio,
vela branca de navio,
é Cabral,
está nascendo o Brasil,
para ser um predestinado chão.

Num futuro fatal
de escuridão,
Pataxó, português, escravidão,
africano chegando
pra sofrer
mas criar o gérmen de uma nação...

Porto Seguro,
foi aqui que isto tudo começou,
teu astral,
tua paz
me fazem crer
que este povo ainda pode ser feliz

que este povo ainda pode ser feliz,
que esta terra há de ser uma nação.

que este povo ainda pode ser feliz,
que esta terra há de ser uma nação.

que este povo ainda há de ser feliz,
que esta terra ainda pode ser nação.

Porto Seguro, Hotel Vela Branca.
(enquanto compunha, sentado à mesinha naquele topo ensolarado,

eu vi uma das coisas mais inequecíveis de toda a minha vida:
Subitamente eu vi o mar de Porto Seguro 

REFLETIDO NOS OLHOS DE MINHA AMADA !)

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 23ª Parte 
MILTON MACIEL

Fim da 22ª parte:
Lá na ocara a festa continuava em plena luz do dia. Todos se divertiam e comemoravam o casamento de João e Bartira. Mas ninguém perdia tempo procurando por eles. Todos, mas todos mesmo, sabiam muito bem que aqueles dois não apareceriam por um bom tempo. Era sempre assim, quando duas pessoas que se amavam de verdade decidiam ficar juntas. Pois muito bem, Bartira e João agora estavam JUNTOS!

23ª parte: Quem casa quer casa

A lua-de-mel de João e Bartira durou mais de um mês inteiro, período em que eles mal se juntavam aos outros, perdidos pelos matos e rios, isolados em seu mundo de amor apaixonado. O português já havia falado para sua jovem esposa que se sentia muito pouco à vontade para viver numa grande oca em conjunto com mais de 70 pessoas e ainda ter capacidade de fazer amor numa rede, ainda que discretamente, no escuro da noite.

– Mas nós podemos ir para o mato sempre que der vontade, se teu problema é ter vergonha dos outros – explicou-lhe Bartira, sorrindo compreensiva. Seu peró era tão bobo, tão cheio de preconceitos...

– Mas eu estou sempre com vontade de ti, minha flor (ele tinha acabado de saber que Bartira queria dizer flor-de-árvore). Mas olha que me dás uma ideia. E que tal se eu fizesse para nós uma pequena oca, no meio do mato mesmo? Sabes que eu aprendi com teu primo e seus amigos – meus amigos agora – a construir ocas e paliçadas?

– Que ideia esquisita, meu amor. Mas eu compreendo como te sentes. Então acho que deves falar com meu pai e ver o que ele pensa. Pede-lhe licença para te ausentares da taba por um tempo, temos o direito de fazer um pedido especial ao cacique, como recém-casados.

João Ramalho foi imediatamente procurar o sogro; explicou-lhe como se sentia e o que desejava. Tibiriçá foi magnânimo:

– João é homem bom, a gente sabe disso. Mas é peró, também. E peró tem outros costumes. Mas João também é índio agora. Eu devia exigir comportamento de índio. Mas João é marido de minha filha, acabou de casar e tem direito a um pedido especial. Então eu, como cacique, concedo. Vocês podem escolher qualquer lugar nas nossas terras, qualquer um. Eu, como amigo de João peró, fico contente de poder ajudar. Sei que minha filha está feliz como nunca vi e isso é muito bom.

– Grande cacique e meu sogro: Eu fico muito honrado ao ouvir que Tibiriçá se declara amigo deste peró sem importância. Eu também vou ser amigo de Tibiriçá, amigo sincero e agradecido. E vou ser por toda a minha vida, vou ser leal para sempre a meu amigo, meu sogro e meu chefe.

Então Tibiriçá falou algo que deixou o genro português surpreso:

– João Ramalho não é peró sem importância, também vai ser grande chefe, grande cacique. Vai chefiar muitos, muitos homens. Vai viver muitos, muitos anos, mais do que vivem os homens. Foi Anauá quem disse, muitas luas antes de João chegar em Engaguaçu. Depois eu vou dizer quem foi Anauá. Outro dia...

João Ramalho nada mais perguntou, guardando a curiosidade para depois.  Mais tarde perguntaria a Bartira quem era esse Anauá. O importante é que o sogro lhe dera autorização para construir sua própria oca. Sabia que os demais índios não estranhariam que ele fizesse isso e a ocupasse por uns poucos dias. Compreenderiam que era coisa de peró recém-casado, que queria ficar só com a mulher, para fazer muito amor com ela, fazer amor a toda hora. Mas, para quando achassem que ele se integraria à vida na oca de habitação coletiva, ele tinha uma outra ideia do que fazer.

João correu para comunicar a Bartira a resposta do pai dela. Foi então pedir um itagi – o machado de pedra – a Jamari, explicando porque o queria. O rapaz prontificou-se a ajudar o amigo a construir sua pequena oca. Mas Bartira agradeceu ao primo, dizendo:

– Não precisa, Jamari. Eu ajudo meu marido a construir nossa oca. Assim fica mais nosso ninho de amor, nosso irajá.

Nessa mesma manhã, João e Bartira saíram andando pela planície, tomando o rumo norte. Depois de duas horas de marcha, detiveram-se para descansar, banhar-se em um riacho e fazer mais amor. Depois, enquanto estirados à beira de uma capoeira de mato, começaram a considerar que aquele parecia ser um lugar perfeito para erguerem sua casa. Começaram então a procurar e cortar a madeira para os esteios, os galhos para as paredes, os cipós e as folhas de palmeira de que necessitavam.

Com a experiência que os dois já tinham, rapidamente montaram a pequena oca, amarrando os paus com cipós e preparando a armação que receberia a cobertura de folhas de palmeira. Quando o sol começou a se aproximar do poente, olharam embevecidos aquela que seria sua casa e seu lar,  onde poderiam viver confortavelmente e receber algumas poucas visitas.

Tomaram o cuidado de construí-la em um ponto em que permaneceria escondida pelo mato, ocultando-a aos olhos de quem passasse pela ampla planície adjacente. Ao mesmo tempo, havia ali uma clareira natural e o riacho passava a menos de 100 passos da casa.

Os visitantes que imaginavam receber no futuro se fizeram presentes antes mesmo que eles pudessem se instalar precariamente na casa. Ouviram estalar de passos se aproximando na mata e, ante seus olhos atônitos, viram surgir ninguém menos que Tibiriçá e sua mulher Potira. Junto com eles vinha Caiubi, o chefe indígena de Jurubatuba e Jamari, seu filho. Caiubi era um dos irmãos de Tibiriçá.

Os quatro cumprimentaram vivamente os jovens esposos e depuseram no chão as preciosas cargas que traziam: Muitas peles de animais para forrar o chão e forrar a rede novinha de embira. Outras, mais finas, para cobrirem-se nos meses de frio. Utensílios diversos de cozinha, potes, gamelas, cuias, purungas; facas e machados; dois tecidos de algodão; e uma incrível provisão de raízes, grãos de milho, frutas, mel, carnes já semi-moqueadas e até uma quarta de cauim. O forte Caiubi depositou no chão, aos fundos, um impressionante feixe de lenha¸ que daria para cozinhar durante muitos e muitos dias.

Tibiriçá entregou ao genro dois arcos recém-preparados, com mais de 50 flechas, duas lanças de bom tamanho e um tacape enfeitado. E deu ao peró a sua própria faca de caça e combate.

Os recém-casados comoveram-se com tanta bondade. Bartira foi às lágrimas, e, abraçando-se a cada um deles, agradecia sem parar. João Ramalho, adotando o comportamento hospitaleiro de dono da casa, acendeu um fogo imediatamente e colocou as carnes para terminar de moquear. E serviu o cauim nas cuias, que os homens derramaram inteiras na garganta e as mulheres passaram a sorver devagar, gole a gole, como mandava o bom comportamento.

Mas não houve propriamente uma festa. Os visitantes foram logo embora¸ assim que terminaram sua refeição. Disseram que agora o casal precisava de tempo para desfrutar de sua casa. A última a sair foi Potira, que circulou toda a oca várias vezes, fazendo uma reza ritualística e espalhando pelo chão folhas de uma erva especial, que trouxera para isso. A finalidade era afastar maus espíritos do lugar e criar uma cerca de proteção para sua filha e o marido. Assim propiciados, os ancestrais haveriam de olhar pelos dois jovens e protegê-los contra todos os perigos, principalmente contra inimigos tamoios, tupinambás, carijós e, eventual-mente, até mesmo algum grupo tapuia que viesse do interior.

Quando todos foram embora, João Ramalho tomou Bartira nos braços e, erguendo-a do solo, carregou-a assim no colo para dentro da oca, enquanto pronunciava as palavras que eram clássicas para os recém-casados na Europa há muitas de gerações:

– Enfim sós, meu amor.


Depositou sua esposa sobre as peles macias e amou-a com paixão e ternura por muito tempo, naquela que seria a primeira das inúmeras noites de amor que aquela modesta casa abrigaria.

CONTINUA

domingo, 7 de setembro de 2014

PARA QUE O AMOR SOBREVIVA À PAIXÃO
MILTON MACIEL

Atenção focada na outra pessoa –  o tempo todo! – é essencial.
Mas o esforço para manter-se admirável aos olhos dela,
em que pese o passar do tempo, é ainda mais fundamental.

Caso contrário, se esquecemos o encantamento,
Se deixamos a magia aos poucos se desfazer...
Se a paixão se extingue antes de o Amor crescer,
E se a alegria de antes quer se fazer lamento...
Então o Tempo se encarrega de fazer do Amor o Obsoleto.

Mesmo a Paixão maior se esvai,
Perde-se na bruma da rotina diária tediosa,
Que afasta o afago, o carinho, o perfume, a rosa.
Paixão é fogo que rápido arde e depressa se consome.
Inclemente, impassível, o Tempo a corrói. E ela some...

Por isso, Paixão só não basta!
Paixão vem do corpo. Mas o Amor vem da Alma.
O amor com-paixão tem que virar Amor-Compaixão,
Que tenha empatia, respeito, companheirismo, delicadeza.
E muita, muita ternura. Ternura é fundamental!

Dar-se tem que vir sempre em primeiro lugar,
Porque é o entregar-se que permite compartilhar.
E, sem compartilhar o bom e o ruim, o trivial e o sublime,
o Amor esmorece, agoniza e morre à míngua.
Que é arte de fazer do Amor a Solidão.