segunda-feira, 18 de janeiro de 2016


LUA  OCULTA – 48   
MILTON MACIEL  

48 – A MORTE DO GRANDE SONHO 
Fim do cap. 47:  "Essa era outra que já podia recitar o mantra Teles, seu hotel agora estava dando lucro para valer. Apenas três meses atrás, ela jamais poderia imaginar que isso pudesse acontecer. Estava preparada para esperar anos a fio até ter as contas do empreendimento fora do vermelho." 

Quando todo o entusiasmo da torcida foi arrefecendo, os estômagos clamando por outro tipo de satisfação, o pessoal começou a deixar o “Estádio Municipal”, como passaram a tratar o conjunto de campos de futebol da Teles Academia. Foi o sinal para que os jogadores e dirigentes dos dois times, junto com os convidados especiais de Celso, fossem para a churrascaria Estrela dos Pampas, onde Etelvino já os esperava ansioso para o almoço mais importante que ia servir em toda sua longa história de churrasqueiro gaúcho. 

Tinha fechado com a gerente Carmen um pacote, com preço mais baixo para a empresa dela, mas ainda assim muito conveniente para ele, pois iria ganhar desta vez na quantidade, nos bons preços de carne que tinha conseguido com uma compra tão grande.

Celso sentou ao centro da grande mesa em U, ladeado por Larissa Silva à esquerda e Fúlvio Rondelli à direita. Ao lado de Larissa, Gládis, Carmen, Paula, Jeniffer e Glória Maria. Na sequência, Sonia Assad e seus dois filhos. Ao lado de Rondelli, o delegado Norberto, o promotor Turíbio, o juiz Trindade e o prefeito; o tio deste, o médico Dr. Luzardo Assunção, o vice-prefeito, o presidente da câmara de vereadores, o padre Beto e o pastor Neemias, sempre muito amigos. Seguiam-se Nicanor, Lucas, Anselmo e os outros rapazes da segurança.

Nas duas pernas longas do U, além dos vereadores, Bicalho e sua amiguinha cozinheira, os jogadores e dirigentes dos dois times, bem como o trio de arbitragem. Os jogadores não estavam separados por clubes, mas misturados de propósito, para que pudessem conversar e interagir. Também ali estavam o farmacêutico Waissmann e sua neta Cecília. Os demais partícipes eram todos funcionários da Teles Automóveis ou da Teles Academia, incluindo aí o incansável Nelson, que aguardava ansioso o dia glorioso da libertação, a hora de embarcar para Miami.

Larissa, o tempo inteiro, reclinava-se, sempre que tinha chance, amorosamente sobre Celso Teles, mostrando para todo mundo o quanto estava feliz e enlevada com aquela relação que declarava ali para a cidade de Amarante. Celso também, apesar de ter que dar atenção incessantemente para dezenas de pessoas, não conseguia tirar os olhos e os braços de sua musa. 

Ali todos podiam ver um casal vivendo um momento de puro transporte, de amor romântico genuíno, sorrindo a felicidade boba e ingênua dos apaixonados, o que fazia muitas mulheres sonharem acordadas e outras amargarem decepção, com a defecção de seu alvo favorito, o empresário paulista.

O almoço decorreu de modo cordial, agradável e muito divertido, com muitas rodadas de brindes, que incluíram desde um “Longa vida ao Amarante Esporte Clube”, até um “A Gládis De Rios, paixão e terror dos homens de Amarante”, até um “A Celso e Larissa, breve casório”. Seguiram-se muitos brindes pessoais, cada um querendo agradar mais do que o outro:

Ao restabelecimento da justiça e da ética em Amarante – celebrou o Dr. Turíbio, promotor.

Ao Progresso de Amarante, nos negócios e nos esportes, graças ao empreendedor Celso Teles  – propôs o prefeito municipal.

Ao bolinho de ovo dos paulistas! – levantou a taça o alegre Bicalho, mais do que alto de tanta bebida, provocando uma gargalhada geral.

Ao nosso mais exemplar cidadão de Amarante – propôs o vereador que tinha aquele seu projeto de cidadania momentaneamente arquivado.

Bentinho, com o semblante visivelmente carregado e tenso, ergueu também sua taça:

Ao benfeitor a quem eu devo tudo nesta vida, ao homem que tirou Amarante do zero no futebol masculino e feminino. Ao grande redentor do futebol de várzea desta cidade!
Bentinho tinha lágrimas nos olhos e a voz entrecortada por quase soluços, sua emoção era contagiosa, muitas pessoas se comoveram.

Celso agradecia a cada um dos brindes levantando da cadeira e erguendo sua taça, geralmente com um pouco de dificuldade para levantar, porque Larissa, cada vez que ele sentava, grudava no seu pescoço com o braço direito, como se fosse um polvinho loiro. 

Quando Bentinho terminou sua curta oração emocionada, Celso levantou e olhou para a frente, com uma expressão também diferente, faltava-lhe o sorriso dos outros brindes, todos notaram, ela parecia tenso.

Talvez antecipando o que ia acontecer.

Nesse momento um homem, com uma vestimenta esquisita e algo encobrindo o rosto, saltou de uma moto, correu em direção à cabeceira da mesa, por dentro do U, e exibindo um revólver, fez três disparos sucessivos em direção a Celso Teles. Celso deu um grito e levou as duas mãos ao peito. Todos viram, horrorizados, a camisa branca e as duas mãos tingirem-se de sangue vivo e abundante. Com um gemido, Celso desabou no chão, sendo imediatamente assistido pelo Dr. Luzardo Assunção e seu genro, o delegado Oliveira. O homem que atirara aproveitou a confusão, correu para a moto e sumiu de vista em segundos.

– Depressa, para o hospital! – gritou o médico, com as mãos também manchadas de sangue.

O delegado e Fúlvio Rondelli carregaram Celso desacordado no colo e saltaram dentro da enorme viatura da polícia que, por sorte, estava no lugar mais conveniente, bem na entrada do restaurante.
Larissa, quando compreendeu que Celso tinha sido baleado, deu um grito estridente e entrou num surto de pânico:

– Não! Meu amor, meu amor! Não, não, não! – e, como acontecia sempre com ela sob forte emoção, perdeu imediatamente os sentidos, sendo amparada por Gládis e Carmen.

O Dr. Luzardo fez sinal para que a levassem também para a viatura onde já estava Celso. O veículo, dirigido pelo próprio delegado, levando os dois pacientes desacordados, o médico dono do hospital, mais Fúlvio Rondelli e Gládis de Rios, arrancou cantando pneus. Antes de entrar, o delegado gritou para todos:

– Fiquem aqui, não saiam, ninguém mais sai daqui, eu volto pra colher o depoimento de todo mundo! E ninguém vá pro hospital, só vai atrapalhar. Esperem que eu volto trazendo notícias. Fiquem aqui, é uma ordem!

Todos ficaram estupefatos. Quem poderia querer matar aquele homem, que estava trazendo renovação e progresso para toda a cidade? Quem teria algo a ganhar com sua morte? Era tão inconcebível que algo assim pudesse acontecer, que o sentimento maior de todos era a perplexidade.

Mas, para muitos, na sequência, ele foi substituído por um sentimento de apreensão com seu próprio futuro. O que seria dele ou dela sem Celso Teles? Assim pensaram todos e cada um dos jogadores de futebol, a técnica do time feminino.

E Leon Schlikmann, que somava a um legítimo desespero um sentimento brutal de culpa.

Horas antes, de posse da gravação que fizera da conversa do pai com Valdemar Silva e o pistoleiro, ele tinha corrido para a Teles, para procurar Jeniffer e Gládis. Depois que desabafou e mostrou a gravação, teve a surpresa de ouvir Gládis dizer:

– Espere, Leon. Você não pode acusar seu pai e o pai de Larissa por algo que ainda não aconteceu. Mas, se você confiar em mim, me entregue esse celular, que eu vou mostrar para o Celso mais tarde, ele precisa saber o que estão tramando pelas costas dele. Deixe o resto com gente. Com o Celso!

Por isso Leon estava agora, na mesa da churrascaria, derreado, em estado de choque. Gládis De Rios havia falhado! Nunca errava, justo desta vez tinha que falhar! Ele estava se sentindo um completo miserável, por vários motivos. Uma que o bandido por trás desse crime era seu próprio pai, o que era assustador. Outra, que ele poderia ter salvo Celso dessa, se tivesse levado o assunto e a gravação direto para ele. 

Outra mais, que Celso Teles era um gênio do futebol, o carinha que ele mais admirava na vida, o cara que ele queria ter como modelo, que ele queria ter como amigo. E o homem que estava transformando o futebol de Amarante em realidade.

Leon se sentia vazio, impotente, culpado de ter acreditado em Gládis, Culpado de ser filho daquele monstro de gelo, assassino e calculista.


Procurou Jeniffer, que ostentava uma calma que ele nunca poderia ter. Como ela era admirável, como era forte numa hora dessas, como era adorável! Chegou-se a ela, abraçou-a, declarou a Amarante seu amor por ela, como Larissa tinha feita há pouco com Celso Teles. Que todos vissem, que todos soubessem que ele amava aquela mulher com todas as suas forças e que usaria essas forças para resistir a todo o preconceito que eles tivessem que enfrentar. 

A admiração foi geral, não só pelo inusitado daquela relação, mas também pela coragem que ambos demonstravam de assumi-la ali de público, Principalmente admiraram Leon por causa disso, por que sabiam a barra que ele teria que enfrentar com seu pai preconceituoso e autoritário. Muitos reprovaram aquela coisa, um branco puro com uma negra, por mais linda e inteligente que fosse. Mas a ampla maioria foi simpática à causa deles, muitas pessoas passaram a cumprimentá-los, desejar boa sorte, hipotecar solidariedade.

Estava assim, abraçado a Jenny, quando o delegado chegou, de volta do hospital. Ele desceu com uma expressão pesada no rosto, pediu silêncio e anunciou:

Cumpro o horrível dever de dizer que nosso amigo Celso Teles acaba de falecer no hospital do meu sogro. Não resistiu aos ferimentos, não houve jeito de salvar sua vida.

Um grito ecoou na garganta de todo os presentes. Muitas pessoas começaram a chorar, outras entraram em desespero, vendo ruir por terra seus planos e esperanças de uma Amarante melhor. Adeus time profissional, adeus academia, talvez adeus Teles Automóveis. Adeus progresso, renovação. Dr. Turíbio sentiu uma onda de ira, um furor sagrado de vingança e bradou:

– Maldito rato imundo! Fica tu sabendo que não sossego enquanto não te enfiar na cadeia, assassino!

As pessoas ao redor dele, que ouviram seu desabafo, perguntaram:

 – O assassino do Celso? Mas quem é ele?

O promotor respondeu com desassombro:

– Valdemar Silva, quem podia ser? Quem é o maior bandido de Amarante?

Só então as pessoas começaram a ligar os fatos e as possibilidades. Em poucos minutos já corria o maior zum-zum-zum pelo amplo salão da churrascaria. Valdemar Silva! Sim, quem era mais bandido do que ele em Amarante?

Em seu canto encolhido, chorando muito, aninhado nos braços de Jenny, Leon respondeu em voz baixa:

–Adolfo Schlikmann! Esse é o bandido maior que Valdemar Silva.

Os poucos que ouviram, não entenderam. Os poucos que entenderam, não acreditaram.

O delegado escolheu umas poucas pessoas para colher depoimentos sobre o assassino de Celso, o homem da moto, que estava vestido com uma jaqueta de cor roxa berrante e uma calça xadrez, tendo uma meia de mulher enfiada na cabeça, dificultando a visão do seu rosto. 

Um assassino frio, certamente um profissional, com excelente pontaria e completo domínio dos nervos. Tanto que ninguém sabia para onde ele tinha ido e o delegado esclarecia que, em primeiro lugar, tratou de se dedicar a salvar a vida de Celso Teles. Diligências para localizar e identificar o criminoso, estava ele iniciando nesse exato momento. O resto das pessoas foi dispensado, em especial a delegação do Metropolitano de Blumenau..

O prefeito reuniu-se rapidamente com os outros políticos e resolveram: Segunda-feira seria feriado municipal, o corpo de Celso Teles poderia ser velado no salão nobre da Prefeitura Municipal de Amarante, com honras equivalente às dadas a um chefe de estado. Era o mínimo que o município podia fazer por seu benfeitor, pelo homem que havia reformado a Baixada para o povo humilde. 

Tiveram um rápido entendimento com Carmen De Rios, que assumira a coordenação de tudo em nome da Teles Automóveis. O velório seria na Prefeitura, a visitação do público seria aberta a partir de 9 da manhã, o sepultamento em Amarante mesmo, que ele havia escolhido para ser seu lar em definitivo, às 17 horas, no cemitério da Santa Casa.

No hospital, as determinações eram rigorosas. Ninguém podia entrar na ala do necrotério, onde estava o corpo de Celso Teles, senão seria o caos. Nicanor e Anselmo foram colocados de guarda à porta da sala gelada. 

Quanto a Larissa, depois de confabular com o genro e com Gládis, o Dr. Luzardo optou por mantê-la sedada, em sono profundo. Gládis o tinha convencido que Larissa não tinha estrutura psicológica para aguentar a brutalidade do velório, despedida e sepultamento do homem a quem acabara de se dar em amor. Temia por sua integridade psíquica. O doutor concordou facilmente com o pedido de Gládis, era de um bom senso absoluto, do ponto de vista médico.

Para cuidar do corpo, limpá-lo, vesti-lo, colocá-lo no caixão e trasladá-lo para a Prefeitura, foi convocado Alcebíades Trancoso, o papa-defuntos, dono da funerária mais importante da cidade, a “Paz do Meu Amor”. Carmen De Rios disse que a Teles assumiria todas as despesas, mas o presidente da Câmara declarou que ela se encarregaria dos gastos fúnebres, tinha verba sobrando para isso, era o mínimo que poderiam fazer em retribuição a Celso Teles. 

O vereador da moção de cidadania recolocou na hora, verbalmente, o processo em curso, para outorga póstuma; e sugeriu que se desse o nome Celso Teles à praça em frente à Teles Automóveis, a praça 1º. de Outubro. 

CONTINUA

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