sábado, 30 de janeiro de 2016

LUA  OCULTA – 58   
MILTON MACIEL 

58 – BUENAS, TCHÊ. TE CASAS NESTE SÁBADO!
Fim do cap. 57:  "Celso se despediu dos dois amigos, o antigo e o novo, e rumou para o lugar onde estava a luz que seus olhos estavam ansiando ver, depois de escutar a palavra Lissinha." 

De longe viu Larissa no grande salão de exposições, atendendo dois homens altos e muito bem vestidos. Era evidente que os clientes já tinham feito sua opção de automóvel, entravam e saíam dele com entusiasmo, conversavam entre si e pareciam crivar Larissa de perguntas. Pois Lissinha demonstrava uma desenvoltura a toda prova, respondia com muita segurança e conhecimento, exibia gráficos, fotos e tabelas.

Celso ficou olhando de longe, usou o expediente que aprendera com a própria Larissa, postou-se atrás da larga coluna central e ficou observando. Era um show de eficiência e técnica! Quem diria que sua anjinha insegura e medrosa ia passar por tal metamorfose em tão pouco tempo! Bem afirmara Fúlvio Rondelli, na primeira vez que conversaram sobre Larissa, lá no bar do Bicalho, que sua afilhada iria surpreender todo mundo no daí em que conseguisse, enfim, ser ela mesma. Pois agora ele estava vendo, à sua frente, a verdadeira Larissa: uma vendedora de mão cheia, uma profissional segura de si, que não precisava depender mais de sua beleza prodigiosa para mais nada.

Observando com mais cuidado, Celso pôde ver, com enorme clareza, quem tinha sido a grande propulsora da transformação profissional de Larissa: Lissinha se parecia demais em certos momentos, na maneira de fazer o cliente caminhar em certa direção, na maneira de inserir comentários espirituosos, até mesmo na forma de ela mesma se movimentar, com Gládis De Rios. Que maravilha de resultado para um par mestra-discípula. Bendita espanholita!  Como sua anjinha loira não iria evoluir e ficar segura de si, se até a dar porrada e a quebrar homens a espanholita lhe ensinara!

Celso encheu bem seus olhos com a visão da mulher mais bonita do mundo e saiu evitando ser percebido por ela, em direção a seu escritório. Nem bem sentou  e o telefone tocou. Era Gládis:

– Boa demais, não é jefito? Não dá orgulho dela?

– O que? – gaguejou Celso, lutando para entender as palavras da espanholita-filha.

– Eu também estava espiando nossa Fofinha, não era só você que estava escondido, jefe.

– Ah, isso. Pois é, eu não quis atrapalhar a venda dela.

– Você não quis foi deixar de ficar adorando sua musa, jefito. E eu, de ficar adorando minha Fofinha. Não é lindo isso?

– É, espanholita amiga. E quanto disso eu não devo a você, sua bruxinha do bem? Quando é que eu vou poder retribuir tanto bem que você nos fez, me diga?

Gládis não respondeu. Apenas deu uma gargalhada e desligou.

Celso ficou rememorando a performance de Larissa, encantado e feliz. Mergulharia no trabalho pelo resto do dia e esperaria as maravilhas, os deleites da noite de amor que viveria com ela. Alternavam o ninho de amor: um dia na casa dele, outro dia no apartamento dela. Larissa preferia assim.

Celso nem lhe perguntara a razão. Bastava que ela quisesse isso, não havia o que argumentar. No fundo, ele sabia que aquele apartamento significava tudo para ela, era o território sagrado de sua independência, sua primeira grande conquista pessoal na vida. Era também o ninho onde ela estava tão próxima de sua adorada Gládis, seu modelo de vida. E de Carmen, Jennifer e Paula, com Gládis suas primeiras e únicas amigas na vida. Isso tinha também um valor incalculável, era outra grande conquista de Larissa. Era ali que ela tinha, enfim, encontrado o seu LAR. E não podia deixar de incluir nas conquistas o famoso fusca laranja!

Celso sabia reconhecer isso tudo e não se sentia no direito de mexer com uma estrutura que significava tanto para sua anjinha loira. Amava-a demais para pensar egoisticamente em tê-la só para ele naquela enorme e fria casa luxuosa, na qual vivera tantos meses de solidão em Amarante.

Também era certo que ele pretendia desposá-la dentro dos velhos costumes, porque não havia razão para não fazer isso. Contudo, Larissa jamais havia mencionado tal possibilidade. Ela parecia completamente feliz com sua situação atual, tecnicamente de amante de seu patrão, como Celso já ouvira mais de uma vez em comentários em surdina, tanto no Bicalho, quanto na Academia. Chegou a comentar isso com Larissa, mas ela, ao invés de se incomodar, tinha simplesmente caído na gargalhada:

– Nossa, que massa! Eu não tinha pensado nisso.

 E saiu da sala de Celso apressada, para comentar, em voz bem alta, com as amigas, que estavam no salão naquela hora, inclusive com clientes presentes:

– Gente, gente, eu sou amante do patrão! Amante do patrão! Que legal! Eu nem tinha me dado conta disso. Que massa!

E ria feliz da vida, como uma criança que tivesse acabado de descobrir um segredo maravilhoso.
Os clientes arregalaram os olhos, as amigas riram divertidas. Mais uma demonstração da pureza  e da ingenuidade da Fofinha delas, como não iam gostar cada dia mais daquela menina?!

Naquele mesmo dia, Leon Schlikmann recebeu a ligação de Lucas e ambos combinaram a estratégia a seguir: Leon levaria a Lucas todos os documentos que encontrasse no escritório e no cofre que Adolfo tinha no Banco do Brasil, cujo segredo estava agora com o filho. Então Lucas faria uma avaliação completa e eles levariam tudo, devidamente registrado, para a reunião com Celso e os outros.

Mas, na manhã seguinte, Leon recebeu em casa um telefonema que o fez tremer na base:

– Alô, Leon Schlikmann? Buenas, aqui é o Doutor Turíbio, o promotor, amigo do Celso Teles. Bueno, ele me pediu um favor e eu fui falar pessoalmente com a Mara, a titular do cartório. Tu sabes, pedido do Celso é uma ordem pra mim. Pois ele me disse que tu estás mui agoniado com a liberação da papelada do teu casório no civil. Bueno, a Mara é mulher, ficou toda derretida com a história, disse que tá torcendo feito louca pelo caso de vocês dois e fez uma coisa que, se não é legal, também não tem nada de antiético. Ela mudou retroativamente a data de entrada dos papeis, deu uma maquiada nos proclamas, apressou tudo pro fim desta semana.

Leon quase caiu da cadeira:

– Não me diga, doutor! É bom demais pra ser verdade! Puxa, nem sei como lhe agradecer. Quer dizer que eu posso marcar a data do casamento já?

– Que podes marcar o que, guri! Já está marcada pela própria Mara. Tu te enforcas no próximo sábado, às 10 da manhã, podes escolher só o lugar, isso ela deixou contigo.

Leon deu um berro impressionante, de doer os ouvidos do promotor:

– Uaaauu! Puta que pariu, doutor! Tô feito! Desculpe, agora vou desligar, preciso sair, dar a notícia pra noiva. Vai ser o máximo!

Desligou e pensou em seguida: Depois volto pra dar a notícia pra mãe do noivo. Vai ser uma merda!

E foi embora, feliz, para a garagem. Só aí lembrou que não tinha mais o Porsche. Ou ia a pé, ou pegava aquele suntuoso Mercedes zero do pai, azulzinho clarinho, da cor escolhida pela mãe. Taí, pensou, a causa é nobre, vou depressa nele e já aproveito, deixo esta joça pra vender também na Teles.

Minutos depois Leon invadia, coração aos pulos, o grande salão de exposição da Revendedora. De longe viu sua Rainha de Sabá. Por sorte, as outras colegas estavam juntas. Celso, que vinha saindo de sua sala, fez um sinal de positivo para Leon e falou de longe:

– Tou sabendo, o Turíbio me ligou agora mesmo.

E ficou quieto, esperando que Leon desse a grande notícia. Foi o que ele fez, dirigindo-se a Jennifer, mas olhando para todos os presentes:

– Neste sábado, às dez da manhã!

E ficou quieto, fazendo suspense. Mas Gládis, pegando tudo no ar, como sempre, furou o balão:

– A glória, Jenny! Vocês se casam neste sábado de manhã!

Jennifer olhou aturdida para seu copo-de-leite e viu que ele fazia que sim com a cabeça, um sorriso de orelha a orelha, os olhos traduzindo sua emoção.

– Mas já? Como é que você conseguiu isso, meu amor? E o prazo legal?

Leon apenas apontou para Celso Teles, que sorria satisfeito.

– Quem é que faz todos os milagres em Amarante, minha rainha? Perguntem pra ele.

Celso apressou-se em apontar o verdadeiro autor do milagre:

– Gente, eu só dei uma ligadinha pro Doutor Turíbio, o promotor. Ele é que fez o milagre.

– Oba! – falou Paula – Mais um padrinho obrigatório pra esse casamento, então.

A partir daquele momento foi tudo uma festa só, as moças todas abraçando Jennifer, que chorou pela primeira vez na frente de todas elas. Olhava encantada para seu homem alvo como leite. Era verdade, não estava sonhando! Aquele rapaz estava jogando tudo pro alto na vida dele, tudo por causa dela. Era preto no branco mesmo com ele. Abraçou-o e beijou-o com paixão, fez branco no preto pelo abraço e voltou a chorar, desta vez de pura felicidade, como a Fofinha fazia sempre.

E, claro, como ela estava fazendo naquele exato momento, abraçada a Celso Teles.

Quando a poeira baixou, Leon pediu licença para ficar um pouco a sós com sua Jenny. Todo mundo concordou, é claro, agora eles tinham que acertar muitos detalhes. Saíram os dois a passear de mãos dadas pelo amplo jardim frontal da Teles Automóveis. Paravam várias vezes para se beijar apaixonadamente. Depois seguiam conversando animadamente. Num certo ponto, onde havia um banco de jardim, Leon fez sinal para que sentassem. E entrou no delicado assunto que reservara para aquele momento:

– Meu amor, no meio de toda esta felicidade, eu tenho que colocar uma coisa que não é agradável. O papo com a minha mãe.

– É, eu já imagino a barra. Mas, claro, isso é inevitável. Ela vai ser contra, não é?

– Com toda certeza. E vai me encher o saco pra valer. Bem, pelo menos ela não é chiliquenta, nem chantagista. Ela só vai dizer o que pensa, com a típica frieza germânica, de que ela é tão bem dotada como aquele imbecil do meu pai.

– Isso é coisa deles, benzinho. Conheci aqui um monte de alemães que são uns doces de criaturas. Muita gente gentil, carinhosa, melosa mesmo. Acho que não existe isso de frieza germânica, só pessoas, seres humanos, que são mais frios, por tantas razões diferentes. Mas eles podem ser descendentes de alemães ou italianos, ou portugueses, como a maioria do pessoal de Amarante. Ou podem ser de árabes, chineses, russos, qualquer coisa. Você não lembra do Dieter Schmidt, o capitão do time do Bandeirantes, chorando como criança pequena, quando o japonesinho amigo do Celso deu a ele o cheque de premiação no torneio de futebol? E não lembra que as duas crianças dele, uns pitoquinhos de menos de cinco anos, vieram correndo e se abraçaram ao pai, chorando também, porque pensaram que o pai estava chorando de tristeza? Pois é, são filhos de um Schmidt, com uma Elwanger, tudo alemoncinho purras.

É, amor, você tem razão. Como sempre. Aliás, esse é o melhor negócio que eu vou fazer com este casamento. Você entra com essa sua enorme cabeça, sua cultura, seu enorme bom senso.

– E com esta minha bunda enorme, não é?

– Ela não é enorme, Jenny. Ela é perfeita!

 Ganhou um beijo na boca e um afago nos cachos loiros. E continuou:

– Mas a sua bondade e a sua cabeça são ainda maiores do que a sua beleza, bunda incluída. Bem diz o velho ditado que “quem vê cara – ou bunda – não vê coração”. Eu, graças a Deus, pela primeira vez na minha vida de playboyzinho comedor, consegui ver além da beleza em uma mulher. E foi por isso tudo que vi além, que eu me apaixonei, a esta altura você já sabe isso muito bem.

– Fofo. Você também é um amor, muito além dessa carinha linda, linda, que a mulherada adora e que ainda vai me matar de ciúmes.

Ficaram um longo tempo em silêncio, olhando-se nos olhos, de mãos dadas, sorvendo cada instante como se fossem verdadeiros goles de felicidade. Ah, como era bom amar e ser amado, sentiam! Mas, depois de algum tempo, Leon voltou ao assunto principal:

– Bom, agora eu tenho que ir, tenho que enfrentar a fera. Dona Marion vai espumar.

– Você quer que vá junto amor? Estou pronta para enfrentar qualquer coisa ao seu lado. Posso pedir licença a Carmen e...

– Não, meu bem, não precisa. Não há porque submeter você a mais essa tortura gratuitamente. A mãe é minha, o problema é meu, eu vou e resolvo.

– Mas todo e qualquer problema seu, meu querido, é problema meu também. Tem certeza que não quer que eu vá?

– Não, não precisa, amor. Fique tranquila aqui, no seu trabalho, com suas amigas. Não vai faltar ocasião para encherem o seu saco nesta cidade, por causa da sua audácia de casar com um copo-de-leite Schlikmann. Mas agora vamos poupar você desta. Tchau, estou indo, não vou beijar, nem me virar pra olhar você, senão eu não consigo sair daqui nunca. Fui!

Jennifer, com um olhar de encanto, ficou olhando seu meninão se afastar. Céus, como ele estava crescendo aos olhos dela! Se continuasse assim, além do um metro e oitenta e cinco que já tinha, ia virar um gigante de dez metros. Tinha mandado vender os dois automóveis, tinha colocado toda a gestão do patrimônio da família nas mãos de Celso Teles, Lucas e Rondelli, agora só vivia falando que queria descobrir a sua vocação, queria trabalhar com alguma coisa, qualquer coisa, por mais simples que fosse, que o fizesse se sentir digno. O mais tocante é que ele insistia em dizer sempre: “Me sentir digno de você, que abriu seu caminho na vida com a força do seu trabalho”.

Era um outro homem aquele que estava surgindo agora, emergindo da pele alva e da história insossa do playboyzinho. Por esse novo homem ela podia correr todos os riscos, todas as rejeições, afrontas, injúrias raciais, crimes de preconceito. Por esse ela podia estar apaixonada, porque esse, sim, merecia!

CONTINUA

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