segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

SAUDOSISMO
MILTON MACIEL

Norteville, 15 de Janeiro de 2048. Caramba, hoje acordei esquisito. O dia todo com uma saudade, uma nostalgia de infância que não tem pé nem cabeça. Minha mente teima em voltar ao início do século, lá pelos anos 2017, 2018, quando eu era um molequinho de 7 anos e ainda existiam aqueles monstros de ferro que engoliam oceanos de petróleo e rodavam sobre rodas de borracha sobre o solo, engolfando-se em congestionamentos monstruosos. Algo que hoje só podemos ver em documentários de época. 

Aliás, o mais inconcebível é que esses veículos trogloditas tinham que ser manobrados por um ser humano (insano, não é?), o que resultava em incontáveis erros e acidentes fatais. Naquele tempo, é claro, ainda não existia o TAUA, o trânsito aéreo urbano automatizado.

Lembro que eu, como toda criança, tinha um daqueles negócios esquisitos da época, um tal de “telefone celular”, que a gente usava para se comunicar lendo, escrevendo e até falando. Sei que vocês vão ter dificuldade de entender do que estou tratando, mas emitam o verbete “telefone celular” e logo vão aparecer em suas mentes todos os multimodais dessa tema, inclusive vocês vão poder ter a exata experiência de usar um desses artefatos primitivos em suas mentes, basta seguir as instruções. É claro que vocês vão morrer de rir da tecnologia e da extrema dificuldade de inserir letras com as pontas dos dedos, como nosso avós faziam então.

No multimodal de imagens móveis, vocês vão inclusive ver como nossos antepassados passavam horas a fio magnetizados em massa às telas dessas carroças eletrônicas, dificultando a comunicação direta entre eles. Aliás, se alguém quiser ver algumas dessas peças fisicamente, aviso que podem encontrar e, pagando a taxa, inclusive pegar nas mãos e manipular alguns desses raros exemplares.

No Museu de Sambaqui, na seção Eletrônicos, há dois aparelhos da antiga marca Samsung. Você pode ir com um amigo ao museu e vocês podem passar pela experiência incrível de conversar através dessas máquinas rudimentares, tendo porém o cuidado de encostá-las nas orelhas antes. Depois vocês podem se dar o prazer indescritível de escrever usando as pontas dos dedos, é impagável. Bem, na verdade você vai ter que pagar, sim, mas vale a pena mesmo, custa 135 Yuans.

Naquele tempo Norteville ainda não existia e eu vivia na parte que chamavam então de Joinville. Com o tempo, como todos sabem, essa parte foi se alastrando e se fundindo com outras em expansão ainda mais acelerada, como Araquari, Barra Velha, Barra do Sul, Garuva, Schroeder, Guaramirim e Jaraguá. Até mesmo São Francisco, que antes era uma ilha, com o atual bairro Mega Aterro virou parte da grande conurbação de Norteville, onde contamos agora com uma população de 3 600 000 habitantes.

A administração desse complexo, por incrível que pareça, é dezenas de vezes mais fácil, eficiente e honesta do que no tempo da antiga Joinville. O nosso governo central, em Shangai, nos dá extrema autonomia de gestão. 

E nosso Administrador Geral para a América do Sul, o benemérito Zhang Jiao, que prefere manter seu corpo nas Ilhas Virgens Brasileiras (antigas Britânicas), nos visita sempre, pelo menos uma vez por mês, por projeção iônica transversa. Inclusive essa sua projeção costuma devorar sempre dúzias e dúzias de bananas ouro, que considera “um verdadeiro néctar dos deuses”.

Ah, esqueci de dizer: quando vocês forem usar o tal de telefone celular dos antigos, para conversar entre si, não esqueçam de anular momentaneamente o emissor do lobo frontal do cérebro, senão vocês vão estar conversando da forma normal, pela telepatia orgânica. Não, vocês precisam escutar a voz do outro entrando pelo tímpano do ouvido, uma experiência hilária e inesquecível.

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