sábado, 5 de maio de 2018


UM BURRO CARREGADO DE LIVROS
MILTON MACIEL

O psicólogo norteamericano Stephen Arroyo afirmou, a respeito da função Intelecto na psique :
“O Intelecto é um servo muito bom, mas pode ser um amo muito mau”.

Ele se refere ao aspecto bipolar da função intelecto, que tem duas vias: entrada e saída, input e output. Pela primeira via você absorve informação, pela segunda via você a expele.
Evidentemente, as pessoas ditas intelectuais são aquelas que têm um grande predomínio da função Intelecto na psique.

Existe uma natural tendência de sobrealimentarmos a função input, isto é, procurar sempre mais e mais informação; saber mais, ler mais, acumular mais conhecimento. Há pessoas que hipertrofiam de tal maneira a função input, que se tornam quase incapazes de exercer a função output.

De um modo geral, essa pessoas se tornam teóricas, estão sempre à cata de novas informações, novos livros, mais livros, novos cursos, mais cursos, novas graduações, novas pós-graduações, ad infinitum. Não se dão tempo, não gostam, não se sentem seguras, se tiverem que produzir algo concreto com essa interminável corrente de entrada de informações. São teóricos, assimiladores. Sua segurança emocional está em ostentarem o tamanho da massa de informação que foram capazes de adquirir, embora, nem sempre, de reter na mente. Com isso é que buscam se distinguir, é onde colocam o seu orgulho. Procuram impressionar com o tamanho de suas bibliotecas, os autores todos que dizem ter lido. São os absorvedores do conhecimento produzido pelos outros. A posição é centrípeta e egoística, visa satisfazer a necessidade do indivíduo de assimilar compulsivamente mais e mais informação.

Já o pessoal da saída, do output, mal assimila uma unidade de informação, tudo o que deseja é colocá-la em prática imediatamente. São, portanto, práticos, produtores. São fazedores e com isso é que buscam se distinguir: com a qualidade e/ou a quantidade de suas obras realizadas. De um modo geral são indivíduos que adoram ensinar, transmitem o conhecimento à medida que o vão assimilando, não o represam em si. São os distribuidores do conhecimento produzido pelos outros e por si mesmos. A posição é centrífuga e altruística, visa satisfazer a necessidade de ação, compartilhamento e distribuição da informação.

Mas o Intelecto só fica equilibrado quando as duas funções, input e output, são exercidas em partes iguais.

 No entanto, é muito mais fácil vermos a hipertrofia da função input. Justamente porque ela é mais prazerosa e não implica necessidade de trabalho prático, pois é centrípeta. Ler, assistir vídeos, ouvir, aprender é sumamente agradável para o intelectual tipo input. É fonte de prazer e de autogratificação.

O mesmo psicólogo Arroyo diz a respeito deles:

“Uma pessoa instruída, que, o tempo todo, só quer buscar mais e mais informação, sem fazer nada de prático com o conhecimento que acumulou, tem o mesmo valor que um burro carregado de livros”.

É nesse sentido que ele afirmou que o Intelecto pode ser um amo muito mau. Exatamente quando ele assume o controle e o indivíduo age movido quase integralmente pela função input.

Dirigindo-se especificamente a escritores, o romancista paranaense David Gonçalves costuma sempre perguntar:

“E a obra? O que é que estão produzindo, escrevendo? Cadê a obra?”

Na minha opinião pessoal, a acumulação de conhecimento nos torna automaticamente responsáveis por ele e devedores dos outros. Esse conhecimento que nós fomos buscar, nos veio integralmente dos outros, dos nossos predecessores, dos nossos instrutores, dos livros que lemos. No instante em que nos adonamos, pelo esforço de aprendizado, desse conhecimento, temos a obrigação moral de passá-lo adiante. E não apenas como ele nos chegou, mas acrescido da nossa colaboração pessoal. O conhecimento não pode chegar e parar num indivíduo. Tem que ser enriquecido na sua mente e imediatamente compartilhado, espalhado e difundido, caso contrário todo progresso humano para. O que se aprende tem que ser ensinado.

E a enorme massa de conhecimento que o escritor acumulou tem que ser constantemente transformada em livros e mais livros, em palestras, em filmes, em cursos.

Está certo David Gonçalves: Cadê a obra?

E você? O que você está produzindo?

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