quinta-feira, 28 de junho de 2012


FERIADÃO

MILTON  MACIEL

“Emendar feriado. Ah, o Feriadão! Sim, essa é uma marca registrada da brasilidade. E da paulicéia, mais ainda. O feriado fica enorme, quatro dias, e aí todo mundo que pode foge de São Paulo.

Enquanto andava na noite morna, Ataliba pensava nisso. Ricos e remediados lotavam aviões e aeroportos, coalhavam estradas de congestionamentos desumanos. Os remediados se desremediavam por meses, apertados a pagar prestações dos pacotes de viagem, dez meses por quatro dias. Os mais pobres lotavam milhares de ônibus, centenas de ônibus extra e faziam das rodoviárias formigueiros do mais puro horror.

Quanto aos demais, coitados, tinham é que se agüentar por ali mesmo. Ou o dinheiro não dava ou, pior, tinham aquele horrível tipo de trabalho que não respeita nem feriado, que dirá sábado ou domingo. Esses ficavam em São Paulo, murchos como só, tendo como escasso consolo ver na TV os congestionamentos monstruosos em que se enfiavam, invariavelmente, os malditos que podiam viajar. De vez em quando, a notícia de um longo período de chuvas, em pleno feriadão, vinha lhes lavar a alma corroída de inveja: Bem feito!

Mas a alma pura de Ataliba tinha a rara felicidade dos que nunca sentem inveja no coração. Aliás, o que ele sentia mesmo era dó, pena daquela gente toda, um milhão e meio de criaturas gemendo como almas penadas nas estradas, nas rodoviárias e aeroportos, nos hotéis e pousadas, gastando um dinheiro que geralmente nem podiam gastar, sendo vilmente explorados pelos oportunistas e inescrupulosos de plantão nas montanhas, nas praias, nas rodovias.Vida de gado, povo infeliz, pensava mestre Ataliba, que não saía da cidade porque com ela vivia em eterno idílio e era nela completamente feliz.”

(in Milton Maciel,  “ATALIBA, UM PAULISTANO FELIZ” – Idel Editora, 2009)

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