quarta-feira, 4 de julho de 2012


ONOFRE E OS FRUTOS DO MAR   
MILTON  MACIEL  

- Cumpadre Onofre! Que surpresa, que faz vancê batendo aflito aqui a esta hora?

- Pois nem le conto, cumpadre Gaudêncio. É cosa do otro mundo de mala suerte... Vim correndo porque preciso usá seu banhero. Cum licensa, cumpadre!

E Onofre correu para o banheiro do quintal, já com as mãos nas bombachas. Ficou por lá uns bons 10 minutos e depois reapareceu, com a cara mais desenxabida do mundo.

- Mas então, índio velho! Mas me diga, que cosa tan mala que lhe assucedeu?

- Bueno, tu lembra do Fritz, aquele do posto de gasolina, o Posto Ipiranga aqui de Santana do Livramento? É aquele alemão que tem um sobrenome que é uma barbaridade que ninguém consegue falá, mas nem dando câimbra na língua... Bueno, o nome não importa. Mas tu sabe, o alemão é macanudo, é gente boa demás. Vai daí que ele me convidô pra um almoço na casa dele hoje. E eu fui, é claro.

- E ele caprichô no churrasco, cumpadre?

- Pois aí é que tá o problema, tchê. Dexa le contá dereito. Bueno, pois eu fui na casa do alemão e lá tava toda a parentada dele pro almoço. Aí ele me apresentô a prenda dele, uma alemã gorda e alta, branca que nem papel, com os olho azul que nem bolita. Flor de criatura também. E com um nome também brabo de repeti. Eu entendi algo como Ingue Borges, só que acho ela mui branca prá sê parente dos Borges lá do Alegrete, que é tudo cor de bugre.

- E o churrasco, cumpadre? Como é que estava a costela do alemão? Tinha chicho?

- Mas bah, cumpadre Gaudêncio! Pois era isso mesmo que eu queria sabê. Porque eu cheguei passado da uma da tarde e nada de cherinho bom vindo do fogo de chão. Até pensei: Será que esse vivente é daqueles índio que usa a tal de churrasquera, essa cosa más esquisita, de assá carne dentro de casa?

- Bueno, e entonces, que se passô?

- O que se passô é que eu já tava com uma fome de antonte e nada de sentí o cheirinho da carne na brasa. Fui ficando assustado: Que hora que vão serví essa carne, se ainda nem começaram a assá ela? Calculei que ia ficá varado de fome até umas quatro da tarde. Foi quando o Fritz me trouxe uma travessa grande, com uns negócio esquisito dentro, uns pedacito esbranquiçado meio enrolado que eu nunca tinha visto em toda a minha vida. E aí o Fritz falô, naquela fala pesada, meio engrolada que ele tem. Foi mais o menos um cosa assim, vô arremedá a fala dele:

- Ah, agorra Onofrre vai comerrr os melhorr frruto do marr que xá comeu no fida! Olha só essa cumarron pranquinhas, sente só a cheirrinho dela.

- Bueno, cumpadre, eu não sabia se aquilo era de planta o era de bicho. Se era bicho, não sei porque o nome. Eu olhei bem e não vi nenhum deles que tivesse o cú marrom. E quanto ao tal cheirinho... Bueno, não sei bem porque, mas na hora me veio na lembrança a Isaltina, uma chinoca que eu derrubava nos mato quando eu era más novo.

- E o churrasco, cumpadre? Fala logo!

- Bueno, não teve churrasco nenhum!

- Como não teve churrasco, Onofre? Pois não era um almoço? Ora não pode tê almoço sem carne, sem churrasco. Isso nunca que existiu no mundo.

- Pois existe nas casa dos alemão. Olha, não deu nem meia hora e a dona Ingue e as parenta dela botaram na mesa um monte de cosa que elas tava cozinhando fazia tempo. E também o tal bichinho de cú marrom que o Fritz tinha me mostrado e que me lembrô a Isaltina. Só que o bicho agora era de otra cor, alaranjado, mas a Dona Ingue me jurô que era o mesmo, sim senhor.

- E o cumpadre comeu?

- Bueno, eu não podia desfeiteá o Fritz, que é mui buena pessoa, tu sabe. E a mulher dele, o que tem de gorda e alta tem de divertida. Dava risada e botava mais dos bichinho no meu prato. E botava outras cosa também, tudo esquisito. Tinha pedaço de pexe, que isso eu reconheci. E tinha más um monte de cosa estranha, meio pequena, umas argola branca de carne, uns bicho pequeno meio arroxeado, que eu acho que era um tipo de taturana o então larva de vespa.

- A la pucha, cumpadre! Que situação. E que gosto que tinha essa cosa esquisita?

- Bueno, até que dava pra comê. O tal bicho esbranquiçado que virô avermelhado até que não era ruim, embora nunca que tivesse o cú marrom. Eu até podia gostá, mas é que eu tava comendo aquilo como tira-gosto, enquanto esperava pelo churrasco que, àquelas altura, eu ainda não sabia que não ia ser servido.

- E as tal das fruta do mar, cumpadre, era bom?

- Pois nunca que serviram, tchê! Alemão é bicho esquisito mesmo. Pois ele falô das tal de fruta do mar o tempo intero, mas não serviram foi nada. E eu ali enrolando, comendo os bichinho esquisito, mas  morrendo de curiosidade de vê essas fruta, nunca que eu soube que dava fruta no mar. Mas, como eu nunca vi esse tal de mar de perto, mesmo...

- Ah, pois diz que o mar é uma lagoa mui grande, falam até que é maior que a Lagoa dos Patos, tu acredita? E diz que a água é uma salmora só, salmora da braba, deve de tê caído más de uma carreta de sal na lagoa. Tu acredita nisso também?

- Eu não! Maior que a Lagoa dos Patos não hay neste mundo loco em lugar nenhum, nem nas estranja. Mas quanto às tal das fruta sabe como é que pode de sê? Bueno, nas lagoa e nos rio mais largo tem ilha, não é mesmo? Então no tal de mar deve de tá assim de ilha também. E aí os home planta as fruta nas ilha e daí é que vem o nome esquisito de fruta do mar. O Fritz fala frrrutos do Mar, mas ele troca as palavra macho por fêmea a toda hora, então se ele diz frrruto,  é porque o certo é fruta mesmo,

- Só que eles não serviro as fruta.

- Pois não serviro. Só deram de comê aquelas coisa pequena esquisita, de um monte de feitio e misturada com pexe. Fruta do mar que é bom, nenhuma, churrasco que é o melhor que existe numa mesa, nem prá remédio.

- E aí cumpadre?

- Bueno, aí que eu tava com uma fome brabíssima e danei a cumê daquelas coisa miúda esquisita mesmo. Só me embretei foi cum as lasca de pexe, coisa más ruim não hay, isso eu não comia!

- Não hay! Pexe pra mim só uma vez na vida, otra na morte. E assim mesmo se for um jundiá na brasa, um naquito no más, pra botá na boca junto com a costela.

- Bah, cumpadre, pra mim nem jundiá, nem traíra, nem nada que nada nas água. Mas, como ia le dizendo, a fome era tanta que eu só dexava de lado os pedaço de pexe. E fui comendo, comendo, comendo...

- E entonces?

- Bueno, entoces assucedeu-se o pior. Eu, que nunca tinha comido o bichinho da cosa marron e nem as outra cosa esquisita que tava junto, comecei a passá mal.

- Ué, mas como, cumpadre?

- Ah, mas nem le digo. Fui ficando meio mareado e o pior que não era das canha que tinha tomado, que não foi más do que umas dez, isso não é bebida pra mareá um home!

- Não é, só dez não é mesmo! Mas entonces...

- Entonces começô a me dá um engulho no bucho, a corrê que nem uns rio por dentro das tripa e isso o cumpadre já sabe o que é: deu uma rebordosa nos intestino e eu sentí que ia soltá tudo era ali mesmo, me conheço, Me dá isso sempre que como cosa esquisita, que não tô acostumado. É caí na pança e cosa de uma hora despos já me dá a rebordosa nas tripa. Aí eu senti o perigo e fui saindo de mansinho, só me despedi do Fritz, que não tinha jeito de querê me dexá saí. Foi um caro custo, fica que fica, a senhorr non comeu quace nada, até parrece que non costô do comida do minha Ingue Borges.

– Barbaridade, Onofre do céu! Que enrascada...

–  Das braba, cumpadre, das braba. O alemão segurando meu braço, eu tendo que explicá que tinha gostado de tudo, mentindo com a maior cara deslavada. E sentindo já a dor de barriga, era cosa de minutos e ia corrê o maior churrio. Bueno, no fim consegui saí, fui andando despacito primeiro, depos às carrera e por fim correndo que nem cusco assustado. E foi assim que vim pedi a ajuda do seu banhero, cumpadre!

– E, pra priorá, cumpadre, nada de fruta do mar...

– Pois é, cumpadre Gaudêncio, todo esse aperreio e nada das fruta do mar! Mala suerte!...

Joi, Jul 02 2012

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