quinta-feira, 28 de junho de 2012


O  PRIMEIRO  CISMA  DA  HUMANIDADE

Milton Maciel

Muito tempo antes que acontecesse o primeiro cisma entre saduceus e fariseus, entre romanistas e arianistas; muito antes do cisma papal de Avignon e milênios antes que um sunita quebrasse a primeira cabeça de um xiita; muito antes das guerras entre católicos e protestantes e das guerras entre fiscais e camelôs; e antes, muito antes, que os gremistas começassem a se recusar a por na boca a mesma bomba que havia passado por alguma boca de colorado na roda de chimarrão... Bem houve o primeiro grande cisma da humanidade. Quer sabe como é que isso aconteceu?

Pois foi no fim do Paleolítico, início do Neolítico, coisa de uns 12 mil anos atrás. Então os grupos humanos eram muito pequenos e muito unidos, não sabiam o que era briga ou discussão. Saiam juntos, homens e mulheres, para caçar e coletar alimentos, buscar água, essas coisas. Dividiam tudo, tarefas e botim, na maior harmonia.

Mas aconteceu que uma mulher, que era mais esperta que os outros, descobriu que podia prender uma aves estranhas, de pouco voar, fazendo um cercado de varas na caverna. E viu que elas botavam ovos e deitavam em cima deles, nascendo então mais aves; e que também faziam o mesmo que homens e mulheres faziam quando dava aquela vontade. Logo todo mundo começou a fazer a mesma coisa, criando os bichos na caverna; Começaram a sobrar aves e ovos. Não precisavam mais sair e se expor ao perigo para caçar aquelas emplumadas esquisitas e para recolher ovos de outras aves e pássaros no alto das árvores.

Mas aí é que está. Foi justamente por causa disso que surgiu a primeira grande cisão da humanidade. Um desastrado caiu de uma árvore e se estropiou pra valer. Aí, é claro, não podia sair com os outros para caçar e coletar comida. Ficava dias e dias na caverna sem ter o que fazer, só bundando. Foi o primeiro sedentário da humanidade e também o único gorducho do Paleolítico. Dizem que foi também o primeiro homem a desenvolver o até então inexistente hábito de coçar o saco, empreitada até que arriscada para a época, já que o pessoal ainda não usava roupa e o tamanho das unhas era qualquer coisa de assustador.

Pois o indivíduo, não tendo mesmo o que fazer, ficava por ali a cismar. Não admira que tenha dado origem ao primeiro cisma. Ficava parado, observando as aves e... pensando, algo também inusitado para a época. Foi o primeiro pensador da humanidade. Ficava parado, imóvel, sentado com o queixo apoiado no punho fechado, parecia uma estátua – algo ainda a ser inventado – uma estátua de pensador.

E veio daí toda a complicação. Esse desocupado começou a botar caraminholas na cabeça e acabou estabelecendo aquele que é, até hoje, o maior dilema de toda a humanidade.

Se bem que não foi exatamente essa a sua intenção. Tudo o que ele queria saber era quem tinha chegado antes ali, no ambiente da caverna, as aves ou os ovos. Aí ele perguntava a todos que passavam por ele:

– Quem veio antes, o ovo ou a galinha?

Mas o pessoal começou a se dividir quanto à resposta. Alguns afirmaram que primeiro chegou um homem com uma galinha viva aprisionada. Porém outros foram peremptórios ao garantir que, antes disso, duas mulheres haviam entrado com um monte de ovos coletados na capoeira. E aí começou o bafafá: quem veio antes, o ovo ou a galinha?

Vejam bem que não se cogitava ainda dessa coisa toda de evolução das espécies, nada disso! O que o primeiro pensador quis saber, por mera curiosidade nada mais, foi apenas quem haviam trazido antes para a caverna, a galinha ou o ovo.

Ah, mas então o caldo começou a engrossar e acabou entornando. O grupo rachou ao meio, os da galinha contra os dos ovos. As discussões explodiram e, pela primeira vez, o pessoal literalmente baixou o cacete. Um homem, um ovista, defensor da teoria dos ovos, foi chutado nos seus próprios por uma mulher galinhista furiosa, para tudo tem sempre uma primeira vez. O ovista tombou em contorções e foi aí que o pau degenerou. Os galinhistas jogavam ovos nos ovistas, que revidavam torcendo o pescoço das galinhas dos galinhistas.

No fim do dia, os que sobraram menos estropiados chegaram por fim a um acordo. Não quanto a quem veio antes, mas sim a respeito da necessidade de fazer a paz no grupo. Resolveram deixar a discussão para o futuro, seus descendentes que decidissem a pendenga ovo/galinha. E, logo ao amanhecer, saíram os que podiam caminhar para buscar pedras.

Com elas, eles dividiram o espaço da caverna em duas partes, uma para aos ovistas, outra para os galinhistas. Mas nem bem o avô do Muro de Berlin foi concluído e estourou outro enorme quebra-pau. Desta vez para resolver qual grupo ficaria com a parte que dava para a entrada da caverna. Essa foi a primeira vez que a humanidade brigou para ver quem ficava com o lugar da frente. E o resultado foi que essa tendência permeou os nossos genes e chegou aos nossos dias, explicando porque os irmãos estão sempre brigando para ver quem vai sentar no assento da frente do carro.

No terceiro dia surgiu uma solução mais criativa. Desmancharam o muro e o reconstruíram no sentido longitudinal, agora os dois grupos tinham acesso à entrada da caverna. E também, pela primeira vez, surgiu o caminho do meio, o ternário equilibrante, que se propunha conciliar os opostos: surgiram os ovogalinhistas, que apregoavam que tanto fazia, que não valia a pena brigar por isso, que por mais que parecesse que o ovo tinha chegado primeiro, nada poderia ser provado mesmo. E a paz se fez.

Mas só por um par de dias, porque logo surgiu a corrente dos galinhovistas. Estes concordavam com os ovogalinhistas, diziam que tanto fazia, que não valia a pena brigar por isso, que por mais que as evidências apontassem para a chegada anterior da galinha, nada poderia ser provado mesmo.

Acabaram dividindo cada metade da caverna ao meio, agora precisavam acomodar os galinhistas, os ovistas, os galinhovistas e os ovogalinhistas. O cisma chegava ao seu máximo, a divisão era extrema. Estes dois últimos grupos chamavam-se igualmente de pacificadores. Apregoavam que estavam ali para fazer a paz, de forma que a briga seguinte, das mais feias, foi entre esses arautos da paz, para decidir na porrada quem era de fato o grupo mais pacífico. Foi a primeira vez que se ouviu a expressão “lutar pela paz”.

Por fim, antes que todos se exterminassem mutuamente, uma pessoa mais lúcida veio com a solução: comeram todos os ovos, devoraram todas as galinhas, e galinhas e ovos viraram tabu para todos os quatro clãs que daquele cisma se originaram. Até hoje seus descendentes não podem comer nem galináceos nem seu ovos, embora haja relatos de que hoje existam grupos adolescentes rebeldes que cheiram gemada escondidos. 

A paz foi enfim restaurada na caverna quadripartida, mas união e harmonia... nunca mais! O cisma ficou para todo o sempre, chegou-nos transmitido pelos genes dos nossos ancestrais. É por isso, explica a Ciência, que as populações humanas manifestam a tendência de estarem sempre divididas. Seja entre Grêmio e Internacional ou entre Real Madrid e Barcelona. Seja entre Portela e Mangueira ou entre volante e cangaceiros. Até os padres se dividem entre os com-batina e os sem-batina; E os próprios gays, entre assumidos e enrustidos. É a genética, que se pode fazer? Maldita briga naquela caverna!

E o pior é que até hoje perdura a mesma pergunta, a que não quer calar:

 – Quem veio antes: o ovo ou a galinha?  (MM)

Miami, Fev 05 2012

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