quinta-feira, 19 de julho de 2012


O EMPREENDEDOR    
MILTON  MACIEL

Ah, fornecedores! De um tempo para cá os fornecedores, triste espécie de maciça e reconhecida intolerância, passaram a achar que eu devia pagar suas duplicatas, em que pese minha evidente impossibilidade – para não mencionar minha total falta de vontade – de fazê-lo. Engraçado, isso: os caras vendem a prazo, o vencimento chega e eles se julgam no direito de receber em dia. Ora, não vendessem, então! Que falta de espírito esportivo, francamente...

Por outro lado, os clientes deram para achar que meus produtos não são bons. Vejam só: justo os meus produtos! Uns incoerentes, uns ingratos, só querem o venha-a-mim, uns refinados egoístas. Nem querem saber do trabalhão que dá fazer aquilo no Paraguai, passar por baixo da Ponte da Amizade (nome dado em reconhecimento à amizade dos guardas, nossos fachas), produzir e colocar embalagens e rótulos idênticos aos verdadeiros, aos importados mesmo.

Ora, rotular virtualmente é uma arte. E impedir que a importação se faça de verdade é um ato patriótico – bi-patriótico, aliás, pois beneficia tanto a economia guarani quanto a tupiniquim. Afinal, essas coisas com marcas suntuosas, grifes norte-americanas ou européias, são todas feitas na China mesmo!... Ora, os verdadeiros patriotas preferem o Guarani e o Real ao Yuan, é lógico.

O problema é que os ingratos dos clientes queriam devolver os produtos – produtos paraguaios legítimos, não qualquer porcaria Made in China, vejam bem. Muita ignorância, maldade humana mesmo! E deram para exigir o cumprimento da garantia, queriam trocas, devolução de dinheiro, conserto de materiais. Francamente, como se fosse responsabilidade minha garantir essas pendengas, consertar ou trocar essas bugigangas. Ora, não comprassem, então! Que falta de espírito esportivo, francamente...

Digam-me então, como pode um bom cristão, temente a Deus, trabalhar como um salutar agente de importação de produtos de grife legitimados sob condições tão adversas? Ora, simplesmente não pode.

Já não basta ter que se esconder da esposa com a amante e da amante com a namorada, o cristão ainda tem que se esconder de credores inconvenientes e de compradores metidos a sebo. Grossa falta de responsabilidade dos governos, que não prestigiam os empreendedores honestos e cheios de iniciativa como eu. Somos todos vítimas desse sistema medieval e obscurantista, que quer nos obrigar a pagar dívidas impagáveis com os SPCs da vida, que quer nos obrigar a cumprir garantias impossíveis com os Procons da vida. Que país é este, Senhor? E, como se não bastasse essa espoliação, ainda querem que a gente pague impostos.

Impostos, vejam bem! Algo que é imposto, enfiado goela abaixo no coitado do cidadão, que passa a ser tachado de contribuinte, nome mais horroroso, desrespeito total. Ora, como contribuinte? Como pensar em contribuição, quando o negócio é imposto a ferro e fogo pelos nababos no poder? Ora, minha filosofia sempre foi a mais correta e honesta possível: sempre fui contra a corrupção pública, contra o desvio de dinheiro do povo. Por isso mesmo é que sempre me neguei a pagar impostos, sempre evitei que meu dinheiro particular virasse dinheiro público. Para que? Para ser vítima de desvios e maracutaias? Não, não o meu, prefiro que ele fique no meu bolso ou no meu banco, antes que seja transformado em dinheiro sujo nas mãos de administradores públicos corruptos. Não, não mesmo – meu lema é tudo pela honestidade, dinheiro limpo, limpinho na minha mão.

Agora vejam a incoerência, o despautério, o desrespeito total e absoluto: ambos, fornecedores e clientes, passaram a insinuar que eu é que sou desonesto. Justo eu, que tenho essa divisa marcante, unívoca – tudo pela honestidade. Chega a dar um desencanto total, um desânimo, uma vontade de deixar todos eles na mão, não lhes comprar mais nada fiado, não lhes fornecer mais nenhum desses meus produtos de grife (pagos obrigatoriamente de forma antecipada, é lógico, nunca se sabe se os clientes vão ser honestos e pagar em dia suas dívidas comigo).

Com essa demonstração de incompreensão e intolerância por parte de clientes e fornecedores, cheguei a cogitar seriamente em deixar o país, oferecer meus préstimos de importador a nações mais civilizadas, onde o empreendedorismo e a honestidade sejam de fato reconhecidos, estimulados e enaltecidos. Minha primeira opção foi a Bolívia, por ser a mais óbvia.

Mas depois passei a considerar seriamente as Ilhas Fiji, por causa da qualidade da água mineral. Confesso que acabei ficando num impasse, o que me manteve imobilizado até este dia, impedindo-me de tomar uma decisão. Bom para o Brasil que, enquanto isso, vai se locupletando de minha presença benfazeja. Que o faça enquanto pode, pois não há de ser por muito tempo.

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